COLECÇÃO FILOSOFIA & ENSAIOS
FILOSOFIA GREGA PRÉ-SOCRÁTICA PINHARANDA GOMES QUARTA EDIÇÃO
Com selecção de textos, trad...
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COLECÇÃO FILOSOFIA & ENSAIOS
FILOSOFIA GREGA PRÉ-SOCRÁTICA PINHARANDA GOMES QUARTA EDIÇÃO
Com selecção de textos, tradução, introdução e aparato crítico de Pinharanda Gomes, apresentam-se os textos integrais dos filósofos pré-socráticos e suas diferentes escolas: a Cosmogonia remota, as Escolas Jónica, Itálica, Eleática e Abderítica, a Sofística.
GUIMARÃES EDITORES
FILOSOFIA GREGA PRÉ-SOCRÁTICA Quando a moderna divulgação científica afirma que a vida nasceu do mar, está longe, ou perto, da filosofia grega que, na água, situava a origem de toda a existência? Que tem a sabedoria grega pré-socrática a ver com a civilização e a cultura contemporâneas? Houve um progresso real e efectivo quanto ao conhecimento dos primeiros princípios, ou, tudo o que acerca deles sabemos já se encontra enunciado na filosofia pré-socrática? As interrogações eleáticas sobre o princípio, a origem, o processo e os fins universais já foram solvidas pelo progresso científico? Que sabe o homem contemporâneo, a mais do que Zenão, sobre a realidade do pensamento e do movimento? Esta selecção de textos não deixará de provocar um clima de fecunda perplexidade.
COLECÇÃO FILOSOFIA & ENSAIOS
FILOSOFIA GREGA PRÉ-SOCRÁTICA PINHARANDA GOMES QUARTA EDIÇÃO ·
GUIMARÃES EDITORES • LISBOA
COLECÇÃO FILOSOFIA E ENSAIOS
FILOSOFIA GREGA PRÉ-SOCRÁTICA
1.a edição- Janeiro, 1973 2.a edição -Abril, 1980 3.a edição- Novembro, 1987 4.a edição- Outubro, 1994
FILOSOFIA GREGA PRÉ-SOCRÁTICA
PINHARANDA GOMES QUARTA EDIÇÃO
LISBOA GUIMARÃES EDITORES 1994
SUMÁRIO NOTA À 2.a EDIÇÃO PREFÁCIO
9 11
INTRODUÇÃO I. A leitura II. As fontes documentais III. Perspectiva histórico-filosófica 1. A cosmogonia remota 2. A escola jónica 3. A escola itálica 4. A escola eleática 5. A escola atomista 6. A sofística IV. Síntese final V. Bibliografia FILOSOFIA GREGA PRÉ-SOCRÁTICA (Textos) I. A cosmogonia remota 1. Homero 2. Hesíodo 3. Orfismo 4. Os sete sábios II. A EscolaJónica 1. Tales de Mileto 2. Anaximandro de Mileto 3. Anaxímenes de Mileto
17 22 27 28 34 47 54 64 69 77 79 83 85 85 88 90 93 99 99 102 104
4. Anaxágoras de Clazómenas 5. Arquelau de Atenas 6. Heraclito de Éfeso 7 Diógenes de Apolónia III. A Escola Itálica 1. Ferécides de Siro 2. Pitágoras de Samos 3. Empédocles de Agrigento 4. Alcméon de Crotona 5. Filolau de Crotona 6. Eurito de Crotona 7. Arquitas de Tarento IV. A Escola Eleática 1. Xenófanes de Cólofon 2. Parménides de Eleia 3. Melisso de Samos 4. Zenáo de Eleia V. A Escola Atomista 1. Leucipo de Abdera 2. Demócrito de Abdera VI. A Sofística 1. Protágoras de Abdera 2. Górgias de Leontinos 3. Pródico de Ceos 4. Hípias de Élis Glossário e Índice dos Principais N ornes Próprios citados no Texto
106 113 114 126 131 131 132 137 155 158 162 163 167 167 172 180 183 187 187 188 213 213 217 222 226 229
NOTA A 2. a EDIÇAO
Q
uando, em janeiro de 1973, Guimarães Editores publicou a Filosofia Grega Pré-Socrática, o leitor era colocado perante a primeira tentativa de criação de uma obra do género elaborada no nosso país, e por um autor português. Patentes, nela, as virtudes e os defeitos, a crítica mais esclarecida, algumas vezes colaborante e útil !I), soube dizer de sua justiça. E, quando assinalou as deficiências, não deixou de reconhecer o esforço que a obra constituía, já como devoção trabalhosa do autor, já como risco do editor. Não pudémos, aqui, como noutros escritos nossos, aceitar sem íntima discussão os contributos da crítica; mas não hesitámos em introduzir aqueles que nos pareceram razoáveis. Esta nova edição não é um novo livro. É o texto da I. a edição, com algumas significativas variantes, resultantes de cortes e de acrescentos, de clarificações e de ajustamentos, o que, tudo junto, de modo nenhum altera na essência a perspectiva inicial. Quanto a esta, estamos certos de a ter mantido, porquanto o modificado se situa mais no domínio do acidental do que no domínio do principia!.
I r
(1) Cumpre-nos mencionar, entre outras críticas, as de Carlos Alberto Louro da Fonseca (Humanitas, XXIII-XXIV, 574-77), António Martins (Rev. Port. de Fi/., Sup. Bib., n.0 55, 274), ]. Barata-Moura (Didaskalia, III, 1, 1986-98), Maria Emília Sal e ma (Diário de Notícias, 6-9-1973), P. Dias Palmeira (ltinerarium, 84, 223) e António Quadros, (Diário Popular, 22--3-1973).
Entretanto, o país terá sido enriquecido com obras equivalentes, mormente traduzidas de uma que outra língua viva. O facto é vantajoso, porque a opção não se faz sem escolha, e a escolha não se faz sem variedade. Quanto a nós, resta a garantia de esta ser, com todas as possíveis limitações, a nossa, e não de outro, «filosofia grega pré-socrática>>, que o público, de uma forma geral, distinguiu.
PREFACIO
E
m modo prefocial seja-nos permisso apresentar esta edição antológica da filosofia grega pré-socrática, e justificar alguns pontos de relevo sobre a matéria versada. Motivar a edição por causas extrínsecas, eis o que se nos afigura prescindível, porque, já na faculdade, já no seminário, muitos assumem a tarefo de ensinar a filosofia pré-socrática, nos currículos que pedem tal ensino. A inexistência, ou a limitada existência, de bibliografia portuguesa sobre o tema (louvor se presta, por devido, à professora D. Maria Helena da Rocha Pereira, de Coimbra, e ao professor Gerd Bornheim, do Brasil, a quem se devem peculiares manuais didácticos, de cuja valia nos não cabe ajuizar!) ndo demonstram que a filosofia pré-socrática seja ignorada; quando muito, podem servir de argumento probatório à tese que afirma haver, desde longa data, neste país, um profimdo desinteresse pela filosofia como pura filosofia, mesmo quando se julga que, saber de filosofia, é saber da sua história. Sem dúvida, a filosofia não é uma arte profona, e torna-se igualmente duvidoso saber o que pode ensinar-se, se a filosofia, se a arte de filosofor, se a mera história da filosofia. Por tal motivo, enquanto o movimento editorial se desenvolve no fomento de edições respeitantes às categorias do saber, a filosofia implica problemas de vária ordem, dos quais, e não o menor, será o da comunicação, que se resume genericamente ao seguinte: a) a filosofia deve ser posta à disposição de todos, transferindo o ensino
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das aulas, ou o e, entre eles, teríamos de salientar o argumento crítico, segundo o qual esse período teria sido dominado pela temática e pela problemática do conhecimento da natureza e do cosmos, sem o conhecimento, aristotélico, da Causa Primeira. Relativamente ao Ocidente o período pré-socrático constitui como que o abismo, a fundura, onde lançam raízes todas as posteriores incursões filosóficas do espírito europeu. Parafraseando Hesíodo, bem poderíamos dizer que, antes da Filosofia, tal como a concebemos em nossos dias, era uma apetência inominável que para ela tendia, uma espécie de caos a que sucedeu a terra, ou uma fatigante busca dos princípios, que origina toda a sistemática moderna. Das escrituras dos pré-socráticos, que as houve, chegaram-nos ecos, mas não só ecos, vozes também, e reais. Uma sólida reconstrução da cultura grega tem convocado muito das grandes disponibilidades da história da ciência e da filosofia, por ser exacto que a atenção prestada ao pensamento pré-socrático pelos primeiros padres da Igreja, atenção que permanece, embora delida, ao longo do tempo, ressurge em apropriada dimensão nos países renancentistas, de onde, até agora, a reconstrução do pré-socratismo ter assumido carácter de permanência. Tal reconstrução exige fontes documentais, que existem, sem dúvida, e a sua imensa variedade (já estudada por notáveis investigadores, entre os quais seria injustiça não salientar quantos alemães, desde o século XIX, se lhe têm entregue), constituiria matéria bastante para cometimentos bibliográficos que, neste ensejo, melhor será deixar ao cuidado dos bibliógrafos (1). lll Francisco Luis Leal, História dos Filósofos Antigos e Modernos, II (Lisboa, 1792), traduz e comenta alguns excertos pitagóricos e pré-socráticos.
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Para os reconstrutores do pré-socratismo, todas as fontes eram imediatas, ou seja, todos os textos de que se serviam se encontravam mais próximos, no tempo e no espaço, dos pensadores gregos pré-socráticos. Indubitavelmente que, uma vez as tarefas principais da reconstrução efectuadas, passámos a dispor de mais cómodos veículos de acesso à filosofia pré-socrática, e, por via de regra, o estudioso médio não carece de um contacto directo com as fontes mediaras, pois as fontes imediatas proporcionam já, na actualidade, uma ampla visão das determinações filosóficas dos pré-socráticos. No sentido de proporcionar uma visão indutiva desta reconstrução, importa enumerar, em primeiro lugar, as fontes documentais mediatas, ou seja, essas de que ac,t ualmente dispomos para um acesso rápido à filosofia pré-socrática. Tais fontes documentais são geralmente constituídas, ou por recompilações maciças, ou por recompilações antológicas, ou por monografias, ou por outras variedades de estudos, nas quais se permite um contacto, ou com um, ou com a maioria (ou com todos!) dos pré-socráticos. Julgamos que, no entanto, cerca de meia dúzia de fontes mediaras nos habilitará a esboçar uma imagem generalizada do esforço levado a cabo para a reconstituição da filosofia pré-socrática. Entre as várias recompilações, apraz-nos citar as seguintes, por via de regra tidas por exemplares: Burnet, J. - Early Greek philosophy, 4.a edição. Londres, 1930. Diehl, Ernst- Anthologia Lyrica graeca. Leipzig, 1942. Diels, Hermann- Doxographi graeci. Berlim, 1878. Diels, H. - Poetarum philosophorum fragmenta . Berlim, 1902. Diels, H. - Die Fragmenta der vorsokratiker, 8.a edição, Berlim, 1956. Kern, I . - Orphicorum fragmenta, Berlim, 1922. Mullach, A. - Fragmenta philmophorum graecorum, 3 volumes, Paris, 1860-1881 .
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Em segundo lugar, faremos uma breve e sumária enumeração das fontes imediatas, nas quais os modernos recompiladores, sobretudo Mullach e Diels, se basearam, para realização das suas monumentais e modernas obras. As fontes documentais imediatas são classificadas em função dos critérios dos historiadores e exegetas. Com ressalva por outras opiniões, pareceu-nos que as poderíamos agrupar em quatro espécies, a saber: 1. A tradição dos debates filosóficos, em que, filosofando, alguns pensadores efectuaram resumos dos seus predecessores, resumos esses formulados, ou no sen tido polémico, ou no sentido apologético. Aristóteles, em muita da sua obra, e designadamente em Física, De Coelo e Metafísica, oferece frequentes resumos das principais teses de alguns pré-socráticos, com o intuito de as rebater, ou de as reformular. O mesmo ocorre em considerável parte dos diálogos de Platão, de quem se citaria, a título de exemplo, os diálogos Parménides (importante para o conhecimento da doutrina de Parménides e de Zenão), O sofista (importante quanto a Empédocles e Heraclito), o Pedro, etc, bem como na obra de Plotino. Mesmo admitindo que tais resumos, por vezes sucintos, pequem por certa parcialidade do relator, na medida em que, já Platão, já Aristóteles, assumiam posições controversas relativamente às teses resumidas, tais resumos facultam uma importante aproximação ao pensamento pré-socrático, na medida em que são, aliás, ai primeiras e mais imediatas fontes disponíveis. 2. A segunda espécie é constituída por exposições. Obras tardias, algumas delas derivadas do influxo que o liceu aristotélico exerceu nas artes de investigação e recompilação, já na ciência, já na história, representam uma fonte abundante de materiais doxográficos. A gama de exposições é vasta e, só a título de exemplo, consideraremos as seguintes:
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Opiniões (Vetusta placita), de Aécio; Vidas, doutrinas e sentenças dos filósofos mais ilustres (IlEp( ~lWV ÕOy!J.Ú'tWV XUl ànmp8EÚ!J.Ú1:WV núvw cplÀ.ooocpCa ÉuÔOXl!J.Y]Oávwu), de Diógenes Laércio; Miscelâneas (IIEpl 1:wu ápoxó1:wv cplÀ.ooócpmç cpumxwv õoy!J.ácwv), de Pseudo- Plutarco; Éclogas físicas ('Exf....oym), de Estobeu; e, enfim, a Doutrina dos físicos (umxwv õo1;m) de Teofrasto, que parece constituir a fonte primeira de todas as demais doxografias citadas, as quais vieram a ser posteriormente utilizadas, já pelos filósofos, já pelos padres da Igreja, já pelos que, até ao aparecimento da ciência moderna, se guiaram pelo saber pré-socrático em matéria científica. 3. A terceira espécie consiste em imensa variedade de comentarística e de doxografia, atribuída a comentadores e a filósofos subsequentes. Tornar-se-ia moroso enumerar quantos, desde Platão a Cícero, de Aristóteles a Marco Aurélio, e aos Estóicos em geral, comentaram e glosaram as fontes pré-socráticas. Mas, entre tantos, seria falta maior não citar o Contra os matemáticos (ou professores), (Adversus mathematicos), de Sexto Empírico, e bem assim, o Comentário, de Simplício. 4. Enfim, referência à patrística que, no âmbito da aurora do cristianismo, observou, com rigor, umas vezes, com paixão ardente, outras, a sabedoria pré-socrática. O Contra ]ulianum, de Cirilo, a Stromata, espécie de miscelânia, devida a Clemente de Alexandria, a Preparação evangélica (Praeparatio evangelica), de Eusébio, a Refutação de todas as heresias ('Ef....Eyxoç xa1:á napwv aL"pf:mwv), de Hipólito, obra anteriormente dada à autoria de Orígenes, sob o título de Filosofoumena (lÀ.oooyoiJ!J,EVa), bem como as obras de Justino, de Orígenes, de Hermias, e outros, foram documentos gráficos muito importantes na tarefa de reconstrução do pensamento pré-socrático, e permitiram que nós soubéssemos
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pelo menos o que, no seu tempo, era havido como o conjunto mais significativo das teses pré-socráticas. Bem se poderia afirmar que as fontes mencionadas, como as muitas omitidas, são os olhos pelos quais a história lê o pré-socratismo.
III. PERSPECTIVA HISTÓRICO-FILOSÓFICA No princípio era Homero, ou, como dizia Xenófanes, «desde o princípio todos aprendemos em Homero» - o que seria convertível à regra de que, no princípio, foi a poesia! Mas a poesia e a filosofia andam tão estreitamente vinculadas uma à outra, que se torna difícil efectuar uma diferenciação, ao menos antes de Anaximandro, que foi o primeiro a escrever em prosa, pois o logos (f..àyoç) tanto designa o discurso poético com a razão intrínseca ao discurso poético. A noção criacionista, interposta na relação do logos para a poesia (:n:o(YJOLÇ), surge como a primeira congenital capacidade de espanto do homem, face a esse sentir-se a si mesmo, e, mais, a esse sentir-se na envolvência de uma natureza cujos fenómenos se tornam bem evidentes, é certo, mas que esconde a profundeza da razão de ser, parecendo que ela mesma, natureza, aparece aos homens, não segundo a intrínseca realidade, mas como textura de símbolos, que o logos tem de interpretar. Mais tarde, logos sofre as alterações resultantes da evolução cultural, e, se por um lado continua designando o pensamento do ser, por outro passa a designar o discurso prosódico, por oposição a epos (É:n:oç) e a meios (f.tÉÀ.Óç), que se afirmam como termos designativos das espécies puramente poéticas. Em todo o caso, o que importa assinalar é a capacidade de espanto em face da mundividência, sem cujo espanto a poesia e a filosofia certamente não seriam possíveis, nem como exercício filológico, nem como opção filosófica.
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Na confluência das culturas originárias do Oriente, da Caldeia e da Suméria, do Egipto e de Creta, a pura vivência acrescenta-se também aos dados formulados na textura da sapiência, ou seja, a vivência natural enriquece-se de contributos culturais. As artes e as técnicas, as ciências e as letras, as religiões e as políticas, adicionam-se de forma sincrética ao simples facto de estar vivo. Ser e pensar funcionam concomitantemente: o ser a si mesmo se afirma como o que pensa e como o que, pensando-se, se atribui uma realidade funda que, sem pensar, não ousaria possuir. Então, o homem surge como a expressão natural em que as categorias do ser e do pensar se imbrincam de tal maneira, que, se é homem, pensa, e que, se não pensa, não é homem. . 1 - A COSMOGONIA REMOTA Ora, a dignidade com que os gregos se assumem homens é a nota de maior relevância nessa obscura idade em que, absortos nos vales, se perguntariam o que eram eles, onde estavam, qual a origem, ou princípio, de tudo isso, e a quanto montava o mundo para além dos vales. Haviam de subir às montanhas, perscrutar os horizontes, meditar, indagar, revulsionar a cabeça e o coração, ou, enfim, tentar obter uma resposta satisfatória aos quesitos de Édipo, um mito que, desde muito cedo, nos põe em contacto com a energia que determina o milagre da filosofia grega: a capacidade de interrogar, a persistência em face do enigma, o culto do mistério, o átrio de todo o possível descobrimento. Interrogar o princípio e a origem é o que de forma mais instante se nos dá a ler nos gregos. Que sabiam eles? Teogonia, cosmogonia, ou antropogonia? Onde o princípio, onde a origem? Dilucidar o processo de como os gregos chegam mais depressa à teogonia do que à cosmogonia seria pretensão
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estulta neste lugar, mas talvez importe assinalar a dúvida: se eles não chegaram à teogonia, porque de muito cedo antropomorfizaram as ideias e as imagens do conhecimento, isto é, se de muito cedo intuíram o mundo como algo à semelhança do homem, de onde a personalização das divindades e das infernidades, a nominação quase antroponímica que a todo o momento assalta as suas vivências e determinações gnoseológicas? Em certa medida, o homem é, com a terra, os astros, as águas, personagem da mesma e única cena, onde os comparsas se mascaram de formas diferentes, para efectivação do jogo telúrico. E do celígeno também! Então, a teogonia é, em certa medida, uma antropoteogonia! Em Homero se encontram as remotas e poéticas noções das disponibilidades gnoseológicas dos gregos. Torna-se arriscado optar pelas soluções radicais de saber se a cosmogonia homérica deve ser lida literalmente, ou se deve ser lida mitograficamente para, sob os mitos, se descortinar o que ele pretendia dizer. Mas o estado da ciência grega parece não oferecer, ao tempo da sabedoria homérica, uma distinção entre o saber mítico e o saber sófico, pois, na verdade, se imbricam um no outro, e o mito (!A'Ü8oç), ou conto, que se conta, é o veículo pelo qual se comunica o mesmo saber sincrético, em que a razão se persuade a significar, sob os nomes e sob os contos, a íntima realidade de quanto é, e de quanto existe. Teogonia e cosmogonia são as duas contemplações da cosmogonia remota, e a vidência que de Homero se desprende é predominantemente telúrica, tal como nos precursores da primitiva cosmogonia filosófica, ou cosmologia. A riqueza com que Homero descreve o escudo de Aquiles (!fiada, XVIII, 478-608) permite-nos observar o estado da cosmogonia à data de Homero: «Cinco eram as camadas que dispôs, e em cada uma delas I compõe lavores numerosos, com seus sábios, pensamentos. I Forjou lá a terra, o céu e o mar /o sol infatigável e a lua na plenitude I e ainda quantos
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astros coroam o céu» 01 • A importância da motivação poética de Homero reside em que ela se compõe de motivos míticos, históricos, e principalmente naturais, ou retirados da natureza. A terra surge como a origem, , onde expõe o seu saber, do qual nos chegou, entre o mais, a explicação relativa à problemática da origem. Ferécides resolveu-a, não através de uma criação a partir do Nada, mas pela defesa de que Zeus e Ctónia existiram desde sempre, um como o céu, outra como a terra. Os elementos restantes são o fogo, o ar e a água, que resultaram das combinações do movimento, expresso na noção de tempo, Cronos. Temos, desta forma, cinco e não sete esconderijos, ou recessos, ficando, portanto, por saber quais eram os outros dois recessos a que o título da obra de Ferécides alude, ou se a transmissão histórica do título terá sido correctamente efectuada. Poéticas e cosmogónicas, as alegorias de Ferécides têm grande importância, e acentuam uma forma de singular absorção de contribuições culturais, sendo possível que a sua obra haja recebido tais contribuições da filosofia e da teogoCll Certos autores, entre eles, Diels e Jaeger, inclinam-se para «cinco esconderijos», em vez de «sete>>.
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ou porque, em já existente entre as várias ~J'-~'aJ, ricos tomavam os cuidados necessários à não seus conhecimentos, de da
que
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1. 2. 3. 4. 5.
Limitado Ímpar Unidade Direita Macho
6. 7. Recta 8. Luz 9. Bem 10.
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(1)
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à Tétrade. É este o
antes que as significa e que com o demais.
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53 e, ao que parece,
tem, nem excesso, mula no do uno, e, por dela são sempre Amor que une o ser cinde o ser
mecânico. O poema sobre a que, em
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reverter à e à onde se não morre! A tanto havia levado o
metria.
4 - A ESCOLA ELEÁTICA em Eleia, na Itália
Zenão. Dilucidar a as ções acerca das que se levantam quanto a parte integral da cujas teorias abrem o
conti-
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avant Socrate.
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cosmos são um e o mesmo -
o ser eterno, incriado e incor-
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dó nem piedade, designadamente a tendência de antropomorfização dos deuses - assinalando Xenófanes uma noção correcta, já expandida nas tradições médio-orientais, de que a divindade não tem imagem (l>. Muito embora, Xenófanes tinha inteira certeza de que a verdade, tal como a concebia, não era para divulgar, porque as imagens da opinião, ou do senso comum, são historicamente mais fortes do que a justiça da verdade, ou a verdade da justiça. O fragmento 34 é altamente explícito quanto ao juízo de Xenófanes, e serve para alertar o filósofo sobre o valor das essências e das aparências, garantindo-lhe que o vulgo não quer senão as aparências, enquanto a filosofia não quer senão as essências. De onde haver muita coisa, dada como filosofia, que não é senão uma forma refinada de opinião, ou de logos comum. Apesar da valorização atribuída a Parménides, a filosofia deste, que foi discípulo de Xenófanes, já se encontra projectada nos fundamentos da escola xenofónica. Todavia, além do magistério que recebe de Xenófanes, Parménides liga-se também ao jonicismo de Anaximandro de quem, se não aceitou todos os ensinamentos, aceitou, pelo menos, a teoria do princípio único, bem como algo da tradição pitagórica, que lhe teria sido transmitida por Amínias, iniciador de Parménides na via mística, muito mais do que o seu primeiro mestre, Xenófanes. Grande parte da celebridade de Parménides deriva da viagem efectuada a Atenas, na companhia de Zenão, onde, a crer na historicidade dos diálogos platónicos, haveria propiciado um encontro com Sócrates, para discussão da teoria das ideias. Dedicando um diálogo ao acontecimento, Platão é em parte responsável pela notabilidade do filósofo eleático, um dos mais seguros interlocutores de Sócrates, a cujas teses Aristóteles dedicou considerável atenção. tlr-f>.
e de
ser-se
(l) I11t Before and afta Socrates.
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de carácria pena de morte, "v'"l'-·!u, ter humanista e É deste seu humanismo que a humanismo que a un.,~u·u« eé uma vez que nem sempre as humanismo, são bastantes para que a que é sempre mais do que convém aos leva, mais tarde ou mais estar no mundo. O a pôr o ser antes do pensar, o que, para uma filosofia pengos que, ora, não enumerar. do ser e pensar, pelos eleapelo e do atomismo se que é um materialismo de intrínseca razão de ser, vazio de ser razão - um materialismo na acepção em que se quer, como toda a realidade, essa que, atlnal, não pode conhecer, porque escapa às vias sensoriais. Brilhante o atomismo surge como defeituosa hipótese filosófica, e só a transfiguração rada por um Leibniz o poderia, em certa remeter a mais altas instâncias do pensamento.
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outro nos ensinaram, ou tamanha hipótese, temos que, em ""n"""' e dos sofistas é mais um
Resposta não se obterá a breve porquanto, e sem ir mais além, a tarefa uma revisão fundamental filosófica da Grécia e, quem sabe, ! A quem ou a quem intui sector, resta deixar umas sementes no para que, a resistência ao lugar comum. Antes de mais, a ''"'"0u"'"'"'" em seriedade e
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em que a homem, e, o a filosofia. Entre Tales, Hípias, temos instantes para uma e outra coisa. também, uma guerra. A da Mas a não quer o diáfano manto UaNVH
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ESE F
É Sócrates o eixo da
da filosofia? Sócrates é terrivelmente A imagem histórica siva. Ela foge-nos, parece que se deixa "'~-'''"u."u escapa, em textos nos transmitem as suas deambulações e congeminações. Mas, apesar uma filosofia pré-socrática? -se (lJ
L. Robin, A
Trad. portuguesa, Porto, s. d.
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o ocorrências não tanto a quem as lê, mas a quem as escreve e, por se tomam espec1a1s para não contrariar o que, de muito se encontra possa assinalar-se que, na da grega, se encontra um - o perifivai de Tales aos últimos Eleatas - , um o antropológico, que é o da (e que e, enfim, um é esse que, projectado por Sócrates e por Platão, só se inteiramente em Aristóteles, o período da filosofia, ou filosófico. O primeiro com certidão, é cosmológico, engloba a cosmologia pré-socrática; o período é antropológico, e congrega o socrático, incluindo a sofística. Em ambos estes existe uma previdenciação teológica. generalizados, ou sincréticos, eles não possuem, ainda, as e os dois períodos anteriores gações uma filosofia, ou são de não uma filosofia sistemática. A sistemática só se cabalmente em Aristóteles. Na sua delimitam-se, com extremos rigores, os parâmetros da cosmologia, da e o
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filosófico não é mais um saber generalizado e ou sincreticamente mas um saber sistematizado. Não é mais só a física, não é mais só a não é mais só a "'0"0'""-
u"-ca.u-
para um se, de um vista estritamente se deveria preferir o termo -aristotélico, é questão que ousamos sugerida a levar de vencida. Assente-se, para tanto, em que a história anterior a Aristóteles ainda factos e feitos e que, em o facto e o se pensam como ideia, an.uJm.!u em definitivo, que a além amor da ~"-'J"''-'u' pensamento das ideias enquanto ideias e não menos, do que ideias. Uma constante mento pensante contra o pensamento pensado, o ~-'""0'2"''""'c~ que se pensa e de si mesmo e de pensa, para que, na ascética da nem se engane, nem engane os outros.
BIBLI
GRAFIA
1 - ESPECIAL Bornheim, G. A. Brasilach, Robert -
1950.
Os .nr.nn,utuvu:
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FILOSOFIA
grega. Coimbra, 1 Pedro da Silva- «Os IX-X e o Poema de 112 (1981), p. 420-431. Pré-Socrática. Lisboa, 1 1944. Da Dupla Visão ao em Parménides 1n VI
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1 philo-
Socrates. Cambridge
FILOSOFIA PRÉ-SOCRÁTICA
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Filoso a Grega ré-Socrática TEXTOS
I
(l)
L
L HINO À Cantarei à terra, a
mãe
todas as
a ma1s
se os seres; no solo ou no mar, viventes. e voam nos ares. os que se nutrem geram e belas searas. que aos mortais o bem da que lhes tas a tirar. feliz quem da tua benevolência, terá sempre abundância! 01 Embora haja remotas referências indirectas a Homero, a mais conhecida, e tida mais antiga, é a de Xenófanes (Fragmentos 10-ll), mas parece que era dado como poeta épico, e como tendo realmente existido, desde a época arcaica. A questão homérica consiste em saber se a Ilíada e a Odisseia são, ou não, constituídas por sucessões de orais, concebidos em diferentes cas e, mais tarde, por atribuídos a um só autor. A """"J;;>.a'"" sobre esta problemática é copiosa, mas, como visão judicativa da mesma, ou>;~".W>, no tempo em que, em Atenas, governava o arconte Damásio. (... ) Calímaco ter sido Tales quem briu a Ursa Menor (... ), outros autores que ele escreveu apenas dois livros, um sobre o solstício, outro sobre o equinócio, dado pensar serem todas as demais coisas incognoscíveis. (D. L, I, 22) 2. Tendo estudado filosofia no Egipto, ftxou-se depois, já entrado em anos, em Mileto. (Aécio, L 3, 1) 3. A tradição regista que Tales foi o primeiro a ensinar a investigação física aos gregos. Teve diversos precursores, como diz Teofrasto, mas depressa os ultrapassou, lançando
100
FILOSOFIA PRÉ-SOCRÁTICA
23)
D um unKo princípio Aristóteles, há quem jule Hípon, que parece ter ateu, afirmaram que esse princípio era a As aparências sensíveis conclusão, os seres vivos carecem de se manterem o que seca morre, acontecendo, por serem uma seiva. Por
natureza líquida pelo as coisas eles admitiam ser a água o printendo afirmado que a terra repousa 23, 21)
2. Tales e seus discípulos afirmam que o cosmos é uno. II, 1, 2) 3. Afirmam também que as composições se efectuam ocorrem modificações, pela junção dos elementos, nos logo que se juntam.
I, 17, 1) (ll Simplicio confirma a tradição de Tales ter sido um fisico, no sentido em que se dedicava à investigação da natureza como um todo. Como diria Aristóteles (Metafisica, A3, 983b6): «muitos dos primeiros filósofos pensavam que os princípios na forma da matéria eram os únicos princípios de todas as coisas». ('l Plucarco também relaciona a teoria de Tales com a de Homero, porque ambos diriam ser a água o elemento original. Aquele autor sugere uma influência da cosmogonia egípcia nesta corrente do pensamento grego.
FILOSOFIA
101
1,7,11)
5. Deus a ""~""'~''"~"~ (Cícero, De
natura, I, 1O)
(de afirma que a relação entre a sua
7. Um rectas paralelas determina, em versais, segmentos correspondentes proporcionais. (Proclo, 8. Parece que Tales cinética.
trans352)
ser a alma uma substância (Aristóteles, Da
A2, 405)
9. Apotegmas atribuídos a Tales: 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8.
Quem promete Perto ou longe, importa lembrar os amigos. Evita os adornos exteriores e procura os interiores. Evita enriquecer por vias desonestas. Evita as palavras que possam ferir os Procura dar a felicidade aos autores Evita a desonestidade. Espera receber de teus velho, o mesmo tratamento que dispensaste a teus pais.
102
FILOSOFIA PRÉ-SOCRÁTICA
9. A bondade é difícil de reconhecer. 1O. A maior alegria vem da posse do objecto amado. 11. A ociosidade é penosa. 12. A gula é um vício. 13. A ignorância é incómoda. 14. Aprende e ensina apenas o bem. 15. Mesmo sendo rico, evita a ociosidade. 16. Guarda segredo da tua felicidade para evitar a inveja. 17. Evita a compaixão alheia. 18. Sê moderado. 19. Não dês excessiva confiança. 20. Se és chefe, começa por saber dominar-te. , (Demétrio de Falera, Registo dos Arcontes)
2. ANAXIMANDRO DE MILETO (Mileto, séc. VI a. C.) BIOGRAFIA 1. Anaximandro, filho de Praxíades de Mileto, e filósofo, era parente, discípulo e sucessor de Tales; descobriu o equinócio, o solstício e os quadrantes de horas, e que a terra é um astro central. Introduziu a noção de «gnomon» e tornou conhecidas as teorias gerais de geometria, tendo escrito tratados sobre a natureza, o círculo da terra, as estrelas, o globo celeste e outros temas.
(Suda, s. v.) DOXOGRAFIA 1. Defendeu que a alma é de natureza etérea. (Aécio, IV, 3, 2) C•l
Princípio do rdógio de sol.
HLOSOHA PRÉ-SOCRÁTICA 2. Entre os Anaximandro
103
"'""''"" movente, é o princípio e a substânvez, o conarquê, para não a ceito mentos conhecidos, mas uma natureza muito diversa, na qual, ou da qual, se teriam os existentes. Deste seres que se dissipam em às dade, pois, como escreveu, de «OS seres são castigados e a recíproca injustiça Ao a recíproca elementos, Anaximandro pensava que ser tomado como o motor ou substracto, mas que o motor imóvel era algo de muito diferente elementos. Assim, explica o não transformação dos elementos, opostos, em eterno movimento. Este o mas pela cisão motivo pelo qual Aristóteles o ombrear com Anaxágoras. uuu'""
(Simplício, Física, 24, 13) 3. Na verdade, o que existe, ou é um princípio (lJ, ou se gera em um princípio. Ora, o infinito não tem princípio porque, se o tivesse, este seria o seu limite. Além do mais, o infinito é e incorruptível, e a criação tem necessariamente um fim, havendo um fim para a corrupção; por isso, não existe um princípio das coisas, às parece conter e como foi postulado pelos que não admitem outra causa além do infinito, como a inteligência e o amor. Deste o infinito é Deus, uma vez que se prefigura imortal e (li Segundo Simplício: â:rtHpov. Teofrasto admite ter sido Anaximandro o primeiro a usar o conceito de àpx'YJ no sentido de principio e origem, mas o conceito mais original de Anaximandro é o de 1:0 annpov, na acepção de ilimitado, infinito.
104 e a
6) que a origem dos seres é o se dissipa, onde já ter de mundos gerados e Anaximandro que a razão o princípio é o não conhece nenhuma carência; mas não infinito é o ar, a I, 3,
5. e os postuladores existência do uno e do múltiplo, como Empédodes e dizem que os ,-,n,•LÇ
yap 1:WV ÚÔllAWV -rá > ('Hpa)(ÀHnovç).
HLOSOHA
116
torna-se água, de onde se geram as que se reduz à evaporação das o movimento
L., um
1)
como os seres, que retornam ao fogo, sublimação. O
através gem de
uma
(Simplkio, dos seres,
23, 33)
a
I, 7, 22)
4. Heradito sustentou que o Universo é uno (lJ. (Aécio,
1, 2)
5. O Universo gera-se em função do pensamento e não em
tempo. (Aécío,
11, 4)
6. Tudo se passa conforme à fatalidade, idêntica à necessidade.
I, 27, 1) ln Deus é dia I todos os opostos.
Inverno I Verão, guerra I paz, saciedade I fome, Refutatio, IX, 10, 8).
FILOSOFIA PRÉ-SOCRÁTICA
117
7. A alma do cosmos emanada da humidade, e a alma dos viventes têm a mesma natureza, sendo proveniente das emanações do fogo, exterior e interior. (Aécio, IV, 3, 12) 8. Heraclito sustenta que todas as coisas se encontram em processo, que nenhuma permanece como parece e, comparando-as a um rio, disse ninguém poder descer duas vezes ao mesmo no. (Platão, Crátilo, 402a)
FRAGMENTOS
DA NATUREZA < > 2
1. Os homens nunca puderam entender o «logos», que é como eu o concebo, nem antes nem depois de o ouvirem, mas, embora tudo se processe a partir dele, os homens parecem não ter qualquer experiência, nem das palavras, nem dos factos, conforme às minhas teses, ao examinar a natureza. Além disso, todos ignoram o que fizeram quando estavam acordados, tal como esquecem o que fazem durante o sono. 2. Por isso, importa seguir o «logos comum» que, sendo do domínio geral, a vulgaridade não vê nele mais do que uma variedade de inteligência particular (3). 3. O sol tem um diâmetro correspondente ao tamanho do pé de um homem. 4. Se a felicidade consistisse nos prazeres do corpo, teríamos de proclamar os bois como felizes no momento em que encontram umas favas para comer. . 76. O fogo vive a morte do ar; o ar vive a morte do fogo; a água vive a morte da terra e a terra vive a morte da água. 77. Para as almas, a humidade significa prazer ou morte; todos vivemos a morte e todos vivemos da nossa morte. 78. O caminho humano não possui sabedoria que não seja a do espírito divino. 79. O homem é tão criança em face da verdade, como a criança frente a um adulto. 80. A guerra é comum, a justiça é discórdia, tudo se cria e se destrói pela discórdia. 81. Pitágoras é o antecessor dos charlatães. 82. Comparado ao homem, o símio mais belo é feio. 83. Comparado a Deus, o mais sábio dos homens parecerá um símio, pelo saber, pela beleza e por tudo o mais. 84-a. Movendo-se, descansa (o fogo etéreo do corpo humano). 84-b. A obediência e o serviço aos mesmos amos é fatigante. 85. É difícil lutar contra os desejos, exige o resgate da alma. 86. O divino nega-se em grande parte ao conhecimento por falta de crença. 87. Um tolo assusta-se com as palavras. 88. O que é em nós, é sempre um, e o mesmo: vida e morte, vigília e sonho, juventude e velhice, porque a passagem de estado é recíproca. 89. Há um só e o mesmo mundo para os vigilantes de espírito. OJ
Na ordenação usual, ao Fragmento 73 sucede o Fragmento 76.
124
FILOSOFIA PRÉ-SOCRÁTICA
89-a. Repousa-se pela mudança. 90. Todas as coisas se modificam pelo fogo e o fogo modifica-se por todas as coisas, assim como as mercadorias se trocam por oiro e o oiro por mercadorias. 91. Não pode descer-se duas vezes ao mesmo rio. Dispersa e une, avança e retira. 92. A Sibila que, em delírio, faz ouvir palavras enigmáticas, sem ornamentos e sem floreados, faz ecoar seus oráculos por mil anos, pois recebe a inspiração do deus que há nela. 93. O deus, cujo oráculo se encontra em Delfos, nem manifesta, nem oculta. Mostra (l). 94. O sol não franqueará os seus limites, caso contrário, as Irinias, servas da Justiça, saberiam encontrá-Ío, 95. Mais vale dissimular a ignorância, embora seja difícil, no caso de o espírito se entregar ao relaxo e à bebida. 96. Os cadáveres devem ser lançados fora mais do que o estrume. 97. Os cães ladram aos estranhos. 98. As almas farejam no Hades. 99. Apesar dos astros, se não fosse o sol, seria sempre de noite. 100. O tempo traz todas as coisas. 101. Procurei-me a mim próprio (2>. 1O1-a. Os olhos são testemunhas mais exactas do que os ouvidos. 102. Aos olhos de Deus, tudo é belo, bondoso e justo, embora os homens julguem justas certas coisas e injustas, outras. 103. Na linha da circunferência, os extremos tocam-se . 1o Ou seja, «dá um sinal>>; orn.tct.LVEt. Manifestar (ÃeyEw), ocultar (x6úrrm). (ll
Éôtl;'Y)OÚ!.t'Y)V É!.tEúl1J1:ÓV.
Ou: «Na linha circular o ponto inicial e o ponto final reunidos em si, são um e o mesmo.» I>J
FILOSOFIA
125
o seu e o seu confiança nos aedos da rua, tomam por mestre o vulgo, ignomaioria homens, e que só a minoria 106. que a natureza dos a mesma. 107. Os e os são más quando este tem alma de 108. Nunca consegui ouvir ninguém que as coisas. se encontra fora
110.
é uma e
o
para o que a suce-
uv'"'"-" torna a saúde agradável, o mal
a fartura e a fadiga leva a
a
o o
repouso. é uma virtude 112. A ria UJ consiste em dizer coisas verdadeiras e em proceder de acordo com a natureza, ouvindo a sua voz. 113. O é comum. 114. Quem fala segundo a razão deve apoiar-se no que é comum, assim como a cidade se apoia na lei, ou numa razão superior, porque as leis humanas são nutridas por uma única lei divina, que domina, à medida da sua que a basta e a tudo vence. pertence ao 115. O logos, que a si mesmo se espírito. 116. A possibilidade da autognose e da demonstração da sabedoria foi concedida a todos os homens. 117. O bêbado titubea, e deixa-se guiar por uma criança, por não para onde vai, e porque a sua alma se encontra humedecida. é mais sábia e 118. Onde a terra seca, a perfeita.
o
(l)
Tó 0Q(jl0V.
126
FILOSOFIA PRÉ-SOCRÁTICA
119. O carácter é o 120. Os limites
O)
do Poente são a Ursa e,
que que os outros e que, se deveria ir para outro 123. A natureza gosta de se 124. A harmonia mais perfeita é semelhante a um monte de esterco feito ao acaso. 125. Se não for agitada, até uma beberagem venenosa se 12 5 -a. Possa a fortuna não vos jamais, ó Efésios, para que vos convençais de como o vosso procedimento infame. frio, o húmido 126. O frio torna-se quente, o seco e o seco húmido.
7. DIÓGENES DE APOLÓNIA (Apolónia, séc. V a. C.)
BIOGRAFIA 1. Diógenes de Apolónia foi um fisiológo de grande nomeada e, segundo informa Antístenes, foi discípulo de Anaxímenes e contemporâneo de Anaxágoras.
(D. L, IX, 57) 2. O livro que escreveu começa assim: «Antes de iniciar este tratado, parece-me necessário estabelecer postulados só(ll
b.a(!!WV.
(lJ
Estrela alfa da constelação do Boieiro.
FILOSOFIA
127
lidos, usando uma linguagem ao mesmo grave>>.
e
L., IX, 57)
DOXOGRAFIA 1.
que o ar
éa
seres. (Aécio, I, 3, 26)
2.0
é
(Aécío,
4,
3. As teorias de Diógenes de Apolónia eram estas: existe o ar, e um caos e insondável. '-'""'"""'J'H'a o ar gera os seres. Nada nasce do nada e nada volta ao nada. A terra é esférica e situa-se no centro do Universo.
(D. L., IX, 57) 4. As crianças, quando nascem, carecem de mas logo a tomam quando o ambiente insufla em seus pulmões o ar (pneuma) exterior.
FRAGMENTOS DA NATUREZA I. Antes de começar este tratado, parece-me necessário estabelecer postulados sólidos, usando uma linguagem ao mesmo simples e grave. 2. Em resumo, a minha éa que todos os seres derivam das transformações em uma única substância primordial e os seres constituem uma expressão dessa substância, como facilmente se poderá verificar. Com efeito, se o que existe, a terra, a água, o ar e o fogo, e todos os fenómenos que surgem aos nossos se, digo, essas coisas
128
HLOSOHA
os à qual 3. Sem a razão, a primordial sena em SI-mesmos; nem o Inverno, nem o nem a nem o dia, nem as chuvas, nem os ventos, nem o sereno céu seriam. Quanto ao resto, se pensar como convém, tudo se da maneira mais perfeita 4. Existem provas evidentes para as minhas teses: os homens e os seres animados vivem, aspirando o ar, que é, para eles, a alma e a inteligência, conforme demonstro categoricamente nesta obra. a primordial se vê rejeitada, os seres morrem e a razão evola-se. 5. Penso que a substância primordial que contém a razão é o elemento chamado ar, que governa e ordena todas as coisas, sendo ainda o ar, na minha opinião, a própria divindade, por se encontrar em a parte, ordenando as coisas, sobre-existindo relativamente a todas, nada existindo, absolutaparticipação mente nada, que não participe do ar. O grau varia de acordo com os seres, havendo muitos graus, já quanto à participação do ar, já quanto à participação da razão. Com efeito, a diversidade é enorme, já calor, já do frio, já do seco, já do húmido, já do calmo, já do agitado, e
FILOSOFIA PRÉ-SOCRÁTICA
129
esta diversidade provoca transformações e gradações infinitas, nos sentidos do gosto e da visão. A alma dos seres vivos é da mesma substância, o ar, que é muito mais quente do que o ar ambiente, mas mais frio do que o ar que envolve o sol. Todavia, em nenhum ser vivo o grau calórico é idêntico, divergindo de ser para ser. A diferença gradual é pequena, mas suficiente para que a semelhança seja possível. No entanto, nenhuma das coisas sujeitas a transformações pode diferir realmente da outra, uma vez que todas participam da mesma substância primordial. Como as transformações do ar são imensas, imensos são, e diversos, os seres vivos, os quais não têm, nem forma idêntica, nem identidade de vida, nem de inteligência, em virtude da multiplicidade de graus que as transformações implicam; todos os seres vivos existem, sentem e entendem, em virtude da substância primordial, e todos dependem da razão. 6. O sistema circulatório do corpo humano é como segue: há duas veias, que atravessam o ventre, junto da espinha dorsal e que se dirigem, uma, para a coxa direita e outra para a coxa esquerda; sobem, depois, para a cabeça, pelas clavículas, junto ao pescoço. Destas duas veias saem outras, que se ramificam pelo corpo, partindo, umas, da veia esquerda e, outras, da veia direita. Junto da espinha dorsal encontram-se duas veias muito importantes, que se dirigem para o coração; há ainda duas mais acima, que atravessam o peito, sob as axilas, e se prolongam até às mãos através dos braços. Uma chama-se veia esplénica ou do baço e, a outra, veia hepática, ou do fígado. Nas extremidades, ambas se ramificam, para o polegar e para a palma da mão, de onde saem outras veias ténues para os dedos. Das grandes veias saem outras mais pequenas, indo para o fígado, para o baço e para os rins. As veias das coxas fracturam-se nas articulações e expandemse na parte superior da coxa; a sua ramificação mais importante passa pela parte posterior da coxa, sendo exteriormente
130
FILOSOFIA PRÉ-SOCRÁTICA
visível, por ter um diâmetro considerável. Outra veia, de menor diâmetro, passa por dentro da coxa e, ultrapassando o joelho, desce pela perna até à planta dos pés, terminando nos dedos, tal como se verifica com as veias da parte superior do corpo, que terminam nas mãos. Das veias primárias partem veias secundárias, que se expandem no ventre e no dorso; as que se dirigem para a cabeça, e que passam no pescoço, podem ver-se distintamente. De cada uma delas partem veias que se ramificam pela cabeça, do lado esquerdo para o direito e vice-versa. A extremidade das veias da cabeça fica nas orelhas. Na zona do pescoço, junto à veia grande, encontra-se uma veia menor, na qual se juntam outras veias provenientes da cabeça e que descem, pelo pescoço, até ao interior do corpo e, de cada uma saem, sob a omoplata, ramificações que se estendem até às mãos. Junto das veias esplénica e hepática, distinguimos outras de menor relevo, nas quais se praticam as incisões de sangria, quando uma moléstia se abriga sob a pele; se a doença se localizar no ventre, as veias utilizadas para a sangria são a esplénica e a hepática. Há mais veias, que nascem nas duas anteriores, sob as mamas, havendo outras de menor tamanho, que saem aos lados da espinal medula e que terminam nos testículos. Algumas veias correm sob a pele, outras no interior da carne, até aos rins, terminando nos testículos dos machos e na vagina das fêmeas. As veias do abdómen são grandes, mas tornam-se pequenas à medida que se ramificam; estas veias são as seminais, onde o sangue é mais denso e onde, absorvido pela carne, acaba por sair para os órgãos atrás mencionados, tornando-se subtil, quente e espumoso. 7. A substância primordial existe em si e para si, é um corpo eterno e imortal, embora tudo o mais feneça e morra. 8. Em minha opinião, a substância primordial é imensa, omnipotente, eterna, imortal e sapiente.
III
séc. VII-VI a.
GRAFIA 1. Segundo no seu era filho de Babis, natural de e foi discípulo de Pítaco. "'"'"~'"''-0
L., I, 116) 2. Na ilha de Siro ainda se conserva um quadrante solar, ter por Ferécides (ll. No livro rezava obra >(!). I, 3, 8)
FRA O VERSO DE OIRO
os ensinamentos de sangue, procura criar 01
A Tétrade (I + 2 + 3 + 4
(l)
deuses conforme o grau a palavra, que, se assim procederes, terás lei. Honra pai e mãe e parentes entre os estranhos, esco-
= lO):
(II As regras de oiro atribuídas a Pitágoras são, ao que parece, apócrifas. Versões díspares correm nos tratados eruditos e a que escolhemos para este estudo afigura-se se não de um espíriro cristão, pelo menos de certo estoicismo. oferece também esta versão, muito curiosa: L Abstinência de favas; 2. Não apanhar o que está caído; 3. Não tocar num galo branco; 4. Não cortar o pão; 5. Não passar por uma travessa de inteiro; madeira; 6. Não atiçar o lume com um ferro; 7. Não comer o 8. Não denegrir um prémio; 9. Não assentar à beira do banco; 10. Não comer o coração; 11. Não passear nos caminhos; 12. Não permitir andorinhas no telhado; 13. Não deixar o rasto da panela na cinza, a qual deve remexer-se, uma vez tirado o pote; 14. Não olhar para um espelho, ao lado da luz; 15. Ao sair da cama, mexer a enxerga para tirar a cova. Torna-se curioso notar que estas normas, pitagóricas ou não, se introduziram na magia popular. Pensemos na tradição da fava e do bolo-rei, símbolos do saber e do oriente.
FILOSOFIA
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sem o outro. Em vista os mortais por divina, aprende a supordor, mas procura minorizá-la na medida que os que oprimem os homens l!'-J'U~·~"n não são tantos como à primeira vista De boas ou de más palavras, a dos outros, não deixes arrastar-te por ela, mas não tapes os se tiveres de gar uma falsidade, mantém a mas procura as circunstâncias, o seguinte: que, nunca, ninguém, actos, te induza a contrariatua maneira de ser. antes de fazer, evita fúteis. Um tolo fala e age sem Enfim, se não houver motivo de procede na inversa. Não actues sem de causa, atenta na maneira de o melhor, eis a regra uma feliz. Procura ser come, bebe, pratica os exercícios físicos, em conta, peso e medida. Por conta, peso e isto é, que não seja causa de outros Pratica uma sã, foge da modorra, da das despesas supérfluas, mas não evites a porque a moderação é uma excelente virtude. Evita os maus juízos, reflecte antes de actuar, nunca permitas que o sono se
FILOSOFIA exame de
e os que as natureza, em derás tempo à nada te sendo Conhecerás também os com que se Pn.rAII"1>Pt·r,-,
vítimas das os que são incapazes de os bens que se encontram às suas mãos, não desviar-se da infelicidade. O a alma as bolas, que acolá, expostas a uuuucvJ sofrimentos na a discórdia, essa companheira, na vil tristeza, da se apercebem, embora a por ter com ser evitada, não fazendo concessões às suas exigências. Zeus, pai Universo, males tirarias ombros se mostrasses aos mortais qual a de demónios aos eles ooew~cem: Confia, que os mortais são de linhagem os a natureza sagrada mostra-lhes e Se souberes cumprir, mostrarás ter
FILOSOFIA PRÉ-SOCRÁTICA
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mentos, através dos quais poderás encontrar a felicidade e a liberdade do espírito. Evita as ambições atrás referidas e, seja nas purificações (!>, seja na libertação final, em que o espírito se solta do corpo, usa a razão, reflecte nas coisas, eleva o pensamento, o melhor dos guias, para o alto! Se negligenciares o corpo para ascender às alturas amplas da eternidade, serás como um deus imortal, incorruptível, terás fugido à lei da morte! (2>. 3. EMPÉDOCLES DE AGRIGENTO (Agrigento, séc. V a. C.)
BIOGRAFIA 1. Filho de Metão, neto de Empédocles, natural de Agrigento. De acordo com Aristóteles e Heráclides, morreu aos sessenta anos.
(Simplício, Fisíca, 25, 19) 2. Nasceu pouco depois de Anaxágoras, e foi admirador e condiscípulo de Parménides e, sobretudo, dos pitagóricos. (Simplício, Fisíca, 25, 19)
DOXOGRAFIA 1. A necessidade é a causa que impele os princípios e os elementos ao movimento (3). (Aécio, I, 26, 1) (I)
Purificação ou catarse: xáBapmç.
C2) O professor de língua grega e humanista, Luís António de Azevedo
publicou uma edição bilingue (com o texto grego e a tradução portuguesa) dos «Versos de OinJ». (Lisboa, 1795 ), abundantemente anotada. A edição mais recente é a do poeta José Blanc de Portugal, (Lisboa, 1988). C3J Princípios e elementos, ápxfuv e otOLXEi:ov.
FILOSOFIA
138
se divina das na existência de e a terra, e nas energias (l) uma que une, outra que cinde. ao ar à terra Adónis, enNestia e a Fonte Viva significam o sémen e a água.
L 3, 5. Os elementos não existem em lugares determinados, nem constantes, uma vez que se encontram em e transmutação.
7, 6) 01 For mas: E'~ôf!. Amor
(ll
e Repulsa
FILOSOFIA
139
é somente uma resto consiste na matéria inerte.
I, 5,
4, 8)
mente, sem contacto com os poros, outros entrar.
conseguem
FRAGMENTOS DA NATUREZA(!)
humanos, imensos humanos pensamentos. Os homens assistem a uma das suas e, condenados a existência, como o fumo: cada homem crê constantemente, Hh•' sível em partes A terceira em movimento se encontra de u"'''-1"'-''" no argumento de que o
239 a)
FILOSOFIA PRÉ-SOCRÁTICA
185
FRAGMENTOS DA NATUREZA
1. Sem extensão, o uno não existiria mas, se existe, cada parte deve possuir uma certa extensão e uma certa espessura, devem situar-se a alguma distância da outra, o mesmo se podendo dizer sobre a outra, porque também esta terá uma extensão e alguma outra coisa pr6xima dela. Dizer isto uma vez, ou dizê-lo sempre, é o mesmo, pois nenhuma parte será última, e o uno não pode ser comparado a outro; por isso, se as coisas constituem uma pluralidade, devem ser ao mesmo tempo grandes e pequenas, pequenas a pontos de não terem grandeza, e grandes a pontos de serem ilimitadas. 2. Se o ser fosse adicionado a outra coisa, não a tornaria maior, porque nenhuma coisa pode ser maior pela adição do infinito, de onde se segue que o aumento é nulo. Mas, se for subtraído a outra coisa esta não fica menor, tal como a anterior não fica maior. Assim, se demonstra que nem o aumento nem a diminuição têm qualquer significado. 3. Se as coisas são uma pluralidade, todas as coisas deverão ser múltiplas, nem a mais, nem a menos: ora, sendo assim tão múltiplas, elas serão em número finito. Sendo uma pluralidade, serão em número infinito, porque, entre elas, haverá outras e, entre estas outras, muitas outras; de onde todas serem em número infinito. 4. O m6vel não se move, nem no espaço onde se encontra, nem no espaço onde não se encontra .
(IJ De acordo com Proclo, julga-se que os argumentos de Zenão contra a pluralidade seriam quarenta, mas apenas quatro chegaram ao nosso conhecimento. (Zl A interpretação da teoria do movimento, de Zenão, é magistralmente feita por Aristóteles, em Física, Z9. Leonardo Coimbra, na obra A razão e>.:perimental (Porto, 1923) efectua uma profunda exegese dos mesmos argumentos.
IS
ES
L LEUCIPO DE ABDERA
séc.V a.
BIOGRAFIA 1. Zenão.
Eleia, ou
de
(D. L, IX, 2. Epicuro e Hermaco garantem que nunca existiu um filósofo chamado alguns, como o epicurista o mestre de Demócrito lll.
L., IX, 34) DOXOGRAFIA 1. Pensava que todas as coisas eram infinitas e se transformavam umas nas outras; que o uno era vazio, mas pleno de substância; que os mundos se formavam quando esta substância entrava no vazio, e se que, do seu movimento, e da aglomeração, se geravam os astros; que o sol se move em um imenso círculo, em torno da lua; que a terra é mantida no centro movimento de rotação, parecendo--se com um tambor. 111
Kirk e Raven aceitam o ponto de vista de Teofrasto, teria escrito o Mega diacosmos, e, Demócrito, o
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Foi o primeiro a sustentar que os átomos eram a origem de todas as coisas. O Universo é ilimitado, uma parte é plena, outra vazia. Os elementos e os mundos do Universo são infinitos e volvem aos seus elementos primordiais. Formam-se pela divisão do infinito em muitos corpos, que se juntam no vácuo e que, uma ve:z juntos, originam um turbilhão, chocando e rolando em todos os sentidos, após os que se juntam de novo, em virtude da homeomeria. Como, em virtude do seu grande número, têm um equilíbrio instável, os corpos mais finos dirigem-se para o vácuo exterior, como se tivessem sido passados ao crivo; os demais ficam no centro, onde formam uma sólida e esférica massa. Esta massa, de começo, é como que uma membrana.
(D. L., IX, 34) FRAGMENTO 2. Nada acontece em vão, mas tudo acontece por determinação de uma causa, e de uma necessidade(ll.
2. DEMÓCRITO DE ABDERA
(Abdera, séc. V a. C.)
BIOGRAFIA 1. Natural de Abdera, ou de Mileto, foi discípulo dos Magos e dos Caldeus, que Xerxes ofereceu a seu pai, segundo informa Heródoto. Com eles, ainda criança, teria aprendido a teogonia e a astrologia.
(D. L., IX, 34) Ctl Este
fragmento vem em O. L., IX.
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2. Ele mesmo nos diz ter escrito o «Micro diacosmos», no ano 730 da conquista de Tróia. Segundo Apolodoro, teria nascido cerca da octogésima Olimpíada.
(D. L., IX, 41) 3. Trasilo compôs um catálogo das obras de Demócrito, em forma de tetralogias, como fizera com Platão.
(D. L., IX, 45) DOXOGRAFIA 1. As teorias de Demócrito são as seguintes: os átomos estão na origem de todas as coisas, no vácuo, e tudo o mais que se pense é mera hipótese. Os mundos são ilimitados, incriados, mas perecíveis; o Ser não devém do Não-ser, nem a este retorna; os átomos existem em grandeza e em quantidades inumeráveis movimentando-se em turbilhão, deles se gerando os compostos, o fogo, o ar, a água e a terra, que são compostos por átomos incorruptíveis e fixos. O visível é mera projecção de imagens, tudo se processa em função da Necessidade, o turbilhão é a causa cosmológica, que se identifica com a própria Necessidade(!>. O maior bem consiste na eutímia, ou felicidade, diversa do prazer, embora muitos julguem que não; a felicidade é um estado de repouso e de paz de alma, a qual, na felicidade, se não deixa transtornar, nem por receios, nem por superstição, nem por afectos. O direito é uma invenção humana, os átomos e o caos existem por natureza.
(D. L., IX, 24). >. certos homens,
157. A ciência
se
no processo,
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199
condenaria abertamente a alma. Pois, não levou ela o corpo à miséria, por ser negligente? Não foi ela que, em seus enervamentos o tornou mais fraco? Não foi ela quem o corrompeu, por volúpia? Quando um instrumento se encontra em mau estado, cumpre condenar o utente e não o utensílio. 160. Viver mal, sem razão, sem moderação, sem respeito pelo sagrado, não é viver mal; é morrer aos poucos. 164. Os seres associam-se em função da espécie: os pombos aos pombos, as aves às aves e, assim sucessivamente, o mesmo se verificando quanto aos seres inorgânicos e inertes, como podemos observar na crivagem dos cereais, ou nas rochas, sujeitas à ressaca. Com efeito, em virtude do turbilhão provocado pela crivagem, as lentilhas separam-se e juntam-se às lentilhas, os grãos de cevada aos grãos de cevada, os de trigo aos de trigo; por outro lado, em virtude do mesmo turbilhão, as pedras oblongas são roladas nos locais onde existem pedras oblongas, as redondas onde há redondas, como se a homeomeria dos objectos os levasse a juntarem-se uns aos outros (!>. 165. Eis o que tenho a dizer: o homem é o que todos sabemos. 166. Certas imagens atingem o homem, sejam boas, sejam más; o desejo visa as imagens da felicidade. 167. Um turbilhão de átomos cindiu-se do todo . 168. A natureza é constituída por átomos, projectados em todas as direcções. 169. Quem não quer ser ignorante, não deseja saber tudo. 170. A felicidade e a infelicidade são fenómenos da alma. 1'1 Este fragmento é muito feliz porque, nele, de forma imagística, o autor expõe as suas teorias sobre a origem e evolução do Universo. 121 Turbilhão de átomos: ôlyoç EtÔÉoov.
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FILOSOFIA PRÉ-SOCRÁTICA
171. A felicidade não consiste na posse, nem de rebanhos, nem de ouro, porque a causa da felicidade reside na alma. 172. As mesmas causas que trazem o bem, podem trazer o mal, embora nos ofereçam os meios para os evitar. A água profunda é útil, mas perigosa, porque nos podemos afogar nela; para vencer o perigo, temos de aprender a nadar. 173. O homem julga que os males se geram nos bens, quando não sabe orientá-los; no entanto, os bens verdadeiros não podem ser misturados com os males, mas podemos servir-nos dos bens para evitarmos os males. 17 4. O homem corajoso sente-se impelido à justiça, à obediência, sabe sempre em que consiste a alegria, encontra-se pletórico de energia e vive sem pesadelos; pelo contrário, quem não faz caso da justiça, nem cumpre os deveres, encontra-se sujeito à tristeza, e quando, mais tarde, fizer o balanço da vida, ficará cheio de receios e de tormentos. 175. Hoje, como ontem, os deuses concedem aos homens todos os bens, negando-lhes a maldade, o perigo e o preconceito, muito embora seja para estes que os homens se precipitam, por cegueira e loucura, que perturba as suas almas. 176. A fortuna é magnânima, mas incerta; o carácter depende apenas do carácter. Por isso, as vantagens do carácter, embora pequenas, são certas e constituem promessas de esperança. 177. As boas palavras não apagam as más acções, mas nenhuma boa acção será apagada pela calúnia. 178. A frivolidade é o pior que pode ensinar-se a uma criança, porque a frivolidade provoca desejos e desenvolve a perversidade dos apetites. 179. Se as crianças forem orientadas para outra actividade que não seja o trabalho, nunca aprenderão, nem as artes, nem a leitura, nem a música, nem o atletismo, nem a honra,
FILOSOFIA
201 porque o sentimento da
gera-se na prática 180. A educação é um para os infelizes. 181.
o
e ao bom senso o homem que, uc.!Aa.u'-•vnão procedeu
c.v""''-lL'""
será recto, a cumprir os mostra-se corajoso e em casa e na rua. por impulso da razão e da consciência. senão através das dificul182. A sabedoria não se as mespor s1 mesmas exigem grande esforço, mas obrigam os fracos a forma tanto é como dos porque a idade não a sabedoria. No entanto, uma educação à natureza faz os sábios. 184. A companhia assídua maus desenvolve a propara o vício. 185. A esperança sábios vale mais do que a certeza amizades. corpo, porque a corrige o corporal, mas a força corporal, isenta de senso, é impotente para aumentar a beleza 188. O prazer e o nojo são limites da utilidade e da inu189. O homem tem em viver com o máximo e o mínimo de tristeza, o que se torna fácil, se não importância às coisas caducas. 190. Omitamos referências às nossas más acções.
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FILOSOFIA PRÉ-SOCRÁTICA
191. A tranquilidade da alma provém da moderação do prazer e dos costumes. A carência e o excesso provocam mutações aborrecidas e perturbações psíquicas; agitadas por tais mutações, as almas desequilibram-se e intranquilizam-se e, por isso, dêmos a nossa dedicação ao possível, contentemo-nos com o presente, desprezemos a inveja, a cobiça, e evitemos pensar nelas. Tenhamos presente os desgraçados, pensemos nas suas misérias, de forma a que o nosso estado e a nossa sorte nos pareçam dignos e invejáveis; deixando de querer o que não devemos, deixaremos de nos atormentar. Quem admire as riquezas e julgue os outros felizes, e não deixe de pensar nisso, será sempre impelido a imagi!).ar novos expedientes, novas tentativas, empurrado pela ambição de infringir as leis. Não desejemos o que não nos pertence, dêmo-nos satisfeitos com as nossas posses, pensemos na nossa felicidade, comparada com a infelicidade alheia; não nos julguemos mais dignos de sorte que os outros, e veremos a nossa felicidade. Se seguirmos este modo de ver, viveremos tranquilamente e pouparemos muita desgraça, como a inveja, a cobiça e o ódio. 192. O elogio é tão fácil como a calúnia e, tanto num como noutro caso, o mau carácter tem ensejo de revelar-se. 193. A prudência consiste em evitar a ofensa e na sensibilidade bastante para evitar a vingança, depois de recebida a ofensa. 194. As grandes alegrias devem-se à contemplação das obras de arte. 195. As estátuas harmoniosas, que nos convidam à contemplação, são destituídas de alma. 196. O esquecimento dos pecados causa a temeridade. 197. Os tontos preferem as regalias da riqueza mas, quem conhece tais regalias, prefere os privilégios da sabedona.
FILOSOFLA
receio morte. 200. Os tontos vivem sem a 201. Os tontos
203
de viver. mesmo sem
202. Os tontos ma1s que e que têm na mão. que evitar a morte, por ir ao encontro Os tontos nunca 205. Os tontos querem viver por temor da morte, mas não temem a 206. Por temor 207. os prazeres, s1m. 208. o é o para os filhos. 209. A noite nunca é curta para quem come pouco. 210. A sorte sortida; a uma mesa que ou do ou
213. A coragem atenua os azar. 2 não é somente o que vence os Há quem governe
é, e pen-
sarnento; a
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FILOSOFIA 216. A
e merece honras
mawres.
217. Os 218. A 219. o
deuses.
e os tormentos. é um golpe na da perdição. lucro é o para os herdeio seu carácter. corpo estão à mão a sem e sem sacrifício; as que exigem esforço e sacrifício, e que entristecem a vida, são as da alma, não as corpo. 224. ma1s até o que já tem, como acontece ao cão de 225. O é dizer a com 226.A mas é difícil quando mostrar a 227. Os avarentos têm a sorte das abelhas: trabalham, viver eternamente. avarentos, que crescem na ignorância, são como na punhais; se não dançam com acerto, morrem. torna-se difícil cair no sítio previsto, porque o espaço para a queda é muito pequeno. Eis o que acontece a tais uma vez libertas da tutela e da parcimónia paternas, dissipam. positivos, 229. A economia e quando no momento e o homem de virtudes P