POBRE JARDIM Fausto Prado Olyntho POESIA E PROSA COLIGIDA POR TARQUINIO JOSÉ BARBOZA DE OLIVEIRA
Fausto Prado Olyntho
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POBRE JARDIM Fausto Prado Olyntho POESIA E PROSA COLIGIDA POR TARQUINIO JOSÉ BARBOZA DE OLIVEIRA
Fausto Prado Olyntho
POBRE JARDIM
PREFÁCIO Quando nasci, em 3 de março de 1938, tio Fausto já estava morto. Eu estava em formação na barriga da irmã Glaucia quando ele faleceu em 5 de junho de 1937, dois meses depois do casamento de Glaucia com meu pai em 2 de abril de 1937. Não só poetas românticos morriam tuberculosos. Outros poetas do modernismo brasileiro morreram tísicos. Manuel Bandeira sobreviveu, tocando um tango argentino, até seus oitenta anos. O poeta da Vila, Noel, faleceu em 1936. Tinha nascido um ano antes de Fausto. Muito mais boêmio. A penicilina, aparecida no Brasil em 1942/1943, não salvaria Fausto. Seria inútil. Só a estreptomicina que, na mesma década, não salvou George Orwell, poderia salvar Fausto. Assim mesmo com efeitos colaterais e sem certezas, tal como os quimioterápicos de hoje. Todos os primos, sobrinhos e sobrinhos netos de Fausto da mesma geração, ainda vivos, hoje com mais de sessenta e cinco anos, acostumaram-se a ouvir falar de Fausto. A irmã Glaucia preservou suas ultimas cartas. Essa edição da obra completa de Fausto adiciona poemas do irmão Waldemar, apelidado Coquinho, dez anos mais velho, falecido também tuberculoso, em 1931. Fausto e o irmão Mario escreveram a lápis uma carta ao pai Tarquínio Cobra Olyntho, diretamente das trincheiras de Guaxupé, durante a inglória revolta paulista de 1932. Mario foi o único dos quatro irmãos poupado pela tuberculose. O sobrinho Tarquínio Barboza de Oliveira, quatro anos mais moço, preservou a obra de Fausto e Waldemar. Esse Pobre Jardim surge após oitenta anos.
Olavo Cabral Ramos Filho Leblon, Rio de Janeiro 29 de agosto de 2017.
1
Apresentação Apresentá-lo a quem? Às pessoas que o conheceram, privaram de seu convívio, estimaram? Aqueles conterrâneos que liam n’ A Gazeta do Rio Pardo, semanalmente, os seus poemas ou as suas crônicas em versos? Ou em A Colmeia? Ou no jornalzinho bissexto O Ponto, constante impontual a renascer cada três meses? Fausto Prado Olyntho nasceu e viveu em São José do Rio Pardo. Também na capital, em São Paulo. Desapareceu, consumido pela tuberculose, na idade em que a tuberculose costumava ceifar os jovens de talento: nos seus vinte e cinco anos1. Seus maiores amigos foram Mário e Gláucia, irmãos que lhe deram assistência, admiração e carinho nas horas mais difíceis da doença e da despedida. Mário, desenhista, amante de esportes que o salvaram, cedo foi absorvido pelo trabalho em São José e depois em São Paulo. Ambos estudaram com o mestre francês Louis Duchêne, magnifico professor que os vendavais do destino levaram pana as margens do Rio Pardo. Juntos, na Revolução Paulista de 1932, lutaram na Coluna Romão Gomes. Sendo os irmãos mais jovens de minha mãe, eles e Yvette, a caçula, na verdade foram mais tios para mim - irmãos quase da mesma idade, com quem eu sonhava ser companheiro nas férias escolares, sobretudo de Gláucia e Fausto, aproximados, nós, pelas afinidades literárias. E, bem antes, pelo reino fantástico dos brinquedos no quintal da casa de meu avô materno - ídolo de toda gente por sua dedicação, digna e superior a todos os semelhantes, aos quais serviu como farmacêutico de todos e médico dos pobres. Nosso modelo mais direto, entretanto, terá sido Tio Coquinho, isto é, meu padrinho Waldemar Cobra Olyntho, o mais velho de nossa geração, que a morte levou também aos vinte e sete anos, creio2. Ledor insaciável, formara excelente biblioteca. Inteligência privilegiada, desenhava bem e anotava inúmeros cadernos com notas de leitura e composições próprias. De seus poemas, restam muito poucos. De sua figura, como a de todos os meus tios, guardo a lembrança da simpatia e beleza viril. Mas, sobretudo o talento. Fausto, desde cedo, teve menos saúde que os mais velhos, Compensava-se da fragilidade física, treinando este sobrinho-irmão em fugas para nadar no Rio Pardo, em aulas de box que testávamos em lutas com a molecada da rua, alternando peraltagem com discussões sobre arte e poetas. Amou intensa e perdidamente a Lourença,
1
Fausto nasceu em 05/12/1911 e morreu em 05/06/1937. Tinha 4 anos a mais do que Tarquínio Neto, com quem conviveu na infância e juventude. Ver apêndices ao final (NE) 2 Waldemar nasceu em 08/07/1901 e faleceu em 06/02/1932, viveu portanto até seus 30 anos. (NE)
2
mocinha toscana tirada de una tela de Leonardo da Vinci. Tinha a premonição da morte prematura e a paixão da luz, do sol, das magnificas tardes de São José, E um sentido de humor que transparece da originalidade de seus tropos, de sua inventiva e criatividade bem própria. Sem eles, meus tios maternos, eu não teria tido adolescência. Nem aprendido a sonhar, nos meses distantes de colégio interno. Sem eles - e particularmente sem Fausto - minha caixa de lembranças seria extremamente pobre, tanto quanto é rica a minha velhice hoje de saudades imorredouras. Tarquínio José Barboza de Oliveira3 Ouro Preto, 12 de abril de 1978
Yvette e Gláucia, irmãs do poeta, ladeando a sobrinha Maria José, em 1927
3
Tarquínio José Barboza de Oliveira foi o primeiro sobrinho homem de Waldemar e Fausto. Filho da irmão mais velha Antonieta e de José Barboza de Oliveira, Zuza, nasceu em 18/09/1915 em São José do Rio Pardo e faleceu em 26/12/1980 em sua adorada Ouro Preto, MG. Advogado, administrador de empresas e historiador, deixou uma dezena de obras históricas escritas. (NE)
3
Saudade A Fausto de Tarquínio Fui fazer uma grande viagem pela terra. Longe... outro mar... Sem pensar, quase sem querer, fatalidade, e era toda minha bagagem uma saudade imensa de Você. Quando fui no despedir, dizer, com o coração vazio de alegria, que estava triste, não queria ir, Você me disse, Você pedia eu fosse... Eu fui. Voltei esquecido da ausência, contente, lembrado só, tão somente de Você. Você não me esperou. Por quê? Foi esquecer da gente, Fugir da terra quente, boa, nossa, ser viajor eterno, ao léu, sem a mossa da saudade. Feliz pelo país do céu... Nem me disse adeus... Por quê? Tarquínio José Barboza de Oliveira Gazeta do Rio Pardo, Agosto, 19374
4
Em 1937 Tarquínio Neto tinha 22 anos e estava estudando direito em São Paulo. Foi surpreendido com a morte prematura do tio e companheiro literário em São José dos Campos, de tuberculose, como era de rigor a um poeta. (NE)
4
Poemas de Fausto Prado Olyntho
Fausto Prado Olyntho, 1935
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Pobre Jardim
Olho para o jardim, debruçado no peitoril da janela... Tem um repuxo velho no centro. Está maltratado. Cheio de mato. Mas dá tanta flor bonita... Merecia compensação: - ser bem tratado.
Gazeta do Rio Pardo (# 997) São José do Rio Pardo, 04/01/1929 Fausto
6
Certa Vez Certa vez te encontrei no jardim, te olhei muito dizendo te querer bem. Reflitas um tanto, (Não respondas sem refletir): -- Se tu pensas... Eu também. Eu juro que te quero mesmo bem. -- Se tu pensas... Pois eu não. Eu juro que foi brinquedo. Certa vez... Gazeta do Rio Pardo (# 997) São José do Rio Pardo, 04/01/1929 Fausto
7
A minha terra…
A minha terra tem muita coisa bonita... Fica no alto duma colina... Tem um rio tão bonito que se chama Rio Pardo... Tem uma ilha tão bonita (a ilha de São Pedro ) A choupana de Euclides da Cunha... A minha terra é do tamanho... do meu coração. São José! Gazeta do Rio Pardo (#997) São José do Rio Pardo 04/01/1929 Fausto
São José do Rio Pardo
8
Escândalo
No jardinzinho humilde De flores plebeias e anêmicas, Uma rosa enorme - como uma mulher de vida fácil – Dá um escândalo vermelho. Gazeta do Rio Pardo (#997) São José do Rio Pardo 04/01/1929 Fausto
Fausto Prado Olyntho
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Tristeza de não Possuir
Vejo de minha janela, em pijama, a rua que desperta. Deve haver nesta rua muita gente que não dormiu ainda por causa da sanfona asmática do meu vizinho. Toda a noite o homenzinho, espremendo o instrumento, arrancou-lhe uns tangos tristes. A temperatura amena tinha amavios de ópio. Mas não pude dormir: lá vinha um tango e ia-se-me o sono. Lembrava-me dela, a minha linda cantora de tangos. Não possui voz. É execravelmente loira. Em compensação, que corpo admirável! (Esguio e ondulante. Parece fumaça de cigarro.) Ainda ontem ela afundou os olhos nos meus olhos procurando uma palavra que eu nunca disse. Fiquei pensativo, esperando... À noite, no cabaré, ela passou diante de mim com outro... Meu vizinho adivinhou minha tragédia: Reviveu na sanfona asmática minha linda cantora de tangos... São José do Rio Pardo, 11/01/1920, Gazeta do Rio Pardo #999, Fausto
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Dona Primavera
Chove... Melancolia... Tédio... No meu relógio — tic, tac, tic, sem parar. O ar enregelado acutila. O dia pardacento escorrega, untuoso... Acendo a lâmpada. O abajur projeta sobre a mesa um retângulo de luz. Foi num dia assim que tu chegaste. Subiste a escada a cantar. Eu chamei-te Dona Primavera. E tu, meu abajur loiro, projetaste na minha solidão um retângulo de alegria. Foste, por muito tempo, um canário festivo na gaiola escura de minha água furtada. Um dia, na alameda, as cigarras não cantaram mais. Das árvores pingavam folhas. No vórtice das ventoinhas havia bailados amarelos. Partiste. Nunca mais. A minha vida, desde aí, passou a ser triste como este dia de chuva, como o dia de chuva que chegaste. São José, 02/03/1930 Fausto
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Aquarela
Manhã... Um ventozinho ágil passa brincando. O ar cheira a folha verde. Longe, de um teto de sapé, o fumo reto espirala, se desfaz... Ouve a cantiga dos regatos. Os regatos são a infância dos rios. Agora, preste atenção: um baile de borboletas. Esta amarela, cor de topázio, com frisos negros, parece obra de um miniaturista chinês. Aquela é azul e branca. Aquel’outra vermelha. Toda a gama do arco-íris. Olhe como bailam. Musica de Stravinski... Cenário de luxo eslavo.
São José do Rio Pardo, 08/05/1930 Brasílio Gandaia5 Gazeta do Rio Pardo (#1068)
5
Brasílio Gandaia era um pseudônimo usado por Fausto. Outros pseudônimos: Oscar Fausto, Quincas Borba e Paulo Riopardo.
12
Vida que Passa A meus amigos
Docemente desliza a vida... No meio de um ambiente de carinhos, meu coração recobra sua inocência e volta a ser ingênuo como um menino. Quem recorda os velhos desenganos, quando rima o seu canto como eu, ri de suas penas... E eu me rio das amarguras dos meus vinte anos! Sob o sortilégio do seu olhar passam as horas tão silenciosas que nem sequer sentimos a sua fuga célere, enquanto, entre sorrisos, construímos castelos de cartas do futuro. São José do Rio Pardo, 22/05/1930 Brasílio Gandaia Gazeta do Rio Pardo (#1070)
13
O Templo de Minha Predileção Capela da São Juquinha - Você viu a cidade nascer à beira do rio de águas pardas - com a cidade Você cresceu... até vir a ser a Matriz Sim: Igreja de São José do meu Rio Pardo! - Seu limiar, um dia de Maio das flores e de Maria, transpus triunfalmente ao colo, pela vez primeira, há vinte e poucos anos. Choramingava, dentro de una alva camisolinha de cambraia, de um tocado de renda e primoroso par de sapatinhos cor-do-céu. - Era vigário o Padre José, ensopando minha cabecita, virgem de pensamentos, evocou o suave instituto do rio Jordão, sagrando-me com o nome imortalizado no poema famoso de Goethe... (Talvez, por isso dei para sonhador...) - Quando já meninote aí fiz a comunhão inicial e arrastei orgulhosamente a minha batina vermelha de coroinha do Padre Arnold, ajudando todo o ritual com a maior devoção. Igreja de São José do meu Rio Pardo! Onde assisti tantas cerimonias alegres... e quantas cerimônias tristes. Aonde voltarei sempre que puder, para rezar e pedir a Deus, fervorosamente, a felicidade e a grandeza de minha terra! São Paulo – 1936 Oscar
14
Noturno nº I
O sol vestiu seu pijama rubropoente... vai dormir desassossegadamente doze horas compridas, sonhando com as estrelas, do cabaré Noite de Madame Lua. Toda a noite vai ouvir o apito dos grilos guarda-noturnos alarmados com decaídas gatas que nos telhados brigam com gatos gigolôs. Ouvir serenatas de sapos na festa veneziana do alagado com lanternas-vagalumes. Dona Coruja recita uma prece na sessão espirita onde o Senhor Morcego mediuniza atrapalhado com o espírito de um gambá. Um galo - despertador barato acorda Dona Aurora que se levanta, acende o fogo e põe o leite do Dia pra ferver. Brasílio Gandaia em Julho de 1929
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Fascinação Ela olhou-me... Depois passou. Foi andando... Era um tango que se fez mulher. e eu fiquei, na tarde triste, naquele trecho de rua deserta a cismar... Aqueles olhos, onde vira aqueles olhos? Olhos cor dos ambientes mortuários, olhos de luto entre o crepe das olheiras, num rosto cor de vicio. A boca—uma ara ofertando-se a um holocausto de amor. O corpo, todo em surdina, langoroso, coleante... Onde vira essa mulher? Talvez num pesadelo, talvez num delírio, através esmeralda de um cálice de absinto. Dela devia evolar-se um perfume causticante e emoliente, mole como um unguento e alvo como o luar... São José, julho/1929 Paulo Riopardo
Desenho de Waldemar Prado Olynt ho (?)
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Evocação Entro. Silêncio. O "boudoir" em treva. No ar, disperso, um perfume. O teu perfume... Toco o comutador. Solta, a luz se expande por sob o abajur cor de rosa. Olho o espelho. O seu cristal ainda guarda o calor de tua presença. No divã, vestígios de teu corpo. E as almofadas? Estas dizem as formas impecáveis dos teus seios. As plumas, vários frascos, os "batons”, o "rouge", o pó-de-arroz... Olho tudo e evoco. Fecho os olhos e te reconstituo através de minha saudade. Gozo então uma estranha volúpia: a macia volúpia do teu contato imaterial... São José do Rio Pardo, xx/08/1929 Brasílio Gandaia Gazeta do Rio Pardo (#1027)
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Você Hoje Você está linda. Até parece, com esse vestido amarelo, um ipê florido. Você está muito alegre. Seu sorriso revela indícios de primavera. Você toda... todinha... está formando um quadro vivo de pinceladas berrantes. Mas quando vejo Você assim nessa claridade forte, Você não me parece mais um ipê, não. Parece mais, muito mais... Parece a felicidade. São José do Rio Pardo, xx/08/1929 Brasílio Gandaia Gazeta do Rio Pardo (#1034)
Yvette Prado Olyntho, irmã do poeta
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Recordação Lembras-te? Uma sombra mole caía das árvores, havia música de águas e um cheiro bom de folhas amassadas quando eu colhi teu beijo, como um fruto...
São José do Rio Pardo, 11/1929 Brasílio Gandaia Gazeta do Rio Pardo (#1041)
19
Presságio Quando eu morrer, quero, meu bem amado, que sobre minha sepultura mandes plantar uma roseira. Na primavera, ela dará uma rosa vermelha. Colhe-a então, e aspira seu perfume, porque, ao aspirá-lo, lembrarás a minha boca e pensarás que suas pétalas são meus lábios.
São José do Rio Pardo, 11/1929 Brasílio Gandaia Gazeta do Rio Pardo (#1041)
20
Para teu Álbum Toda vez que te vejo assim tão pequenina... oh! que provação louca. Cuidado! que inda dou um beijo, minha linda menina, bem no til da tua boca!
Gazeta do Rio Pardo Novembro 1931
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Outono ao Leandro
Outono... Silêncio... A paisagem convalesce... Uma folha -- a última --, como uma lágrima, se desprende de um galho e cai....
Oscar Fausto Gazeta do Rio Pardo
22
Poeminha Evocativo A Lourença Bertero O pó-de-arroz da garoa a Paulicéia empoa. Fantasiada de artista modernista, Dona Saudade pinta na tela viva de minha evocativa. Pitoresco quadrinho surge daí. Entitula-se “A cidade onde nasci” Nele, como de um farol Invisível, a luz do sol ilumina o casario colorido trepado na colina. A torre da igreja-matriz, bem no alto cutuca o céu azul cobalto... A seus pés, cintila o rio de aguas pardas... Ao longe, corcoveiam montanhas esverdeadas, "cadê a conterrânea, simples e sincera, que lá me espera?” (Deve estar numa torcida, até jogo, para que certo dia chegue logo...)
Fausto, Lourença Bertero e Geni
São Paulo Paulo Riopardo A Gazeta do Rio Pardo
23
Ilusões Antigamente, minha vida era doce, doce como mel... (cada Ilusão era como se fosse um barquinho de papel.) Hoje, minha vida e amarga, amarga como fel... (Naufragaram com toda a carga meus barquinhos de papel.)
São Paulo Paulo Riopardo
Fausto Prado Olyntho
24
Por Causa de um Tango Triste (ao Triste Vida ) Ontem, aquela hora da noite, à meia luz daquele bar, na intimidade de amigos e ao redor de uma vitrola a cantar (a sofrer um tango triste) palestrava-se de amor... Quando, na minha imaginação, põe-se a bailar alguém que, àquela hora, devia estar a dormir e a sonhar. Aquele tango contagia-me de saudades... Corro para casa quase sem querer. Deito-me, e custo a adormecer. Sonhava com Você quando desperto a soluçar... - Nos meus ouvidos, aquele tango triste, sempre triste... a cantar... e a sofrer. Quincas Borba
25
Moeda de Ouro Não sei quanto tempo estive em tua esquina, na rua da Vida, imobilizado, braços estendidos, mendigando a esmola do Amor. Nem sei... Naquele burburinho todo, no fundo do chapéu roto de minhas ilusões - o meu coração só pingavam moedas de cobre e níquel. Vai que certo dia, sem eu menos esperar, surpreendo entre outras a moeda de ouro ambicionada. Você! Meu Amor! Lourinha como aquela moeda de ouro, com a qual pude comprar depois, na Loja das Raridades, a Felicidade!
Quincas Borba
26
Chuva de Pedra (1) A chuva de pedra veio e despiu a roupa verde, pintadinha de amarelo e de vermelho, dos cafezais. Depois foi-se embora... E os cafezais ficaram nuzinhos debaixo do céu cobalto, tremendo de frio e ‘quentando’ sol! Oscar Fausto
27
Diagnóstico Ao Dr. Waldemar B. Pessoa “Mãos frias, coração quente”, repete-o toda a gente. Mas, meu Deus! e eu que as tenho tão quentes, as mãos em febre, amor no coração?... - Estarão ambos doentes?
Oscar Fausto
Fausto Prado Olyntho
28
A Visita Foi outro dia. Eu estava em casa, tristonho, triste intimidade, quando ouvi bater à porta. - Ó! Que surpresa! Boa tarde, Dona Felicidade... - Boa tarde! - Como tem passado? Vamos entrar. Faz tanto tempo que não vem ... - Obrigada. Estou apenas de passagem. - Entre um pouquinho só. Quem sabe... - Então, só um pouquinho! Dona Felicidade faz umas visitas raras, curtas. Entrou e a casa irradiou alegria. Fulguração de momentos. - Bom... Está na hora... - Assim? Tão cedo assim? - Sabe... Tenho pressa. Sou uma e são tantos... - Mas tão pouco? E depressa? - Outro dia eu volto. Despediu-se. E não voltou... Oscar Fausto
29
Felicidade à Gazeta Penso nas coisas que morreram: a Saudade vem e para à minha porta. A minha porta é franca e sempre aberta. Entre as coisas que passam e que passaram (alegrias, mágoas, tristezas...) suponho que a felicidade passasse. É tão difícil reconhecê-la!... Ao pressenti-la, ao adivinhá-la, já é tarde: ela passou... Está longe... As alamedas estão cobertas de garoa, A gente a vê esfumar-se na garoa, confundir-se, desaparecer... E fica-se à janela, pensativo, a olhar as alamedas, cobertas de garoa... Gazeta do Rio Pardo São José do Rio Pardo
Áurea, irmã de Fausto, falecida aos 3 anos de idade
30
Manhã Senhor sol acordou cedinho. Pulou da cama em pijama lilás-aurora, escancarou as venezianas azuis e se debruçou na janela do firmamento para espiar, lá fora, o lindo dia nascente. Senhor Galo do terreiro saudou-o com um corococó bom-dia marcial e ele que cultiva bons hábitos entrou na fatiota nova e, todo satisfação, saiu para seu costumeiro passeio matinal, de braço dado, com a linda senhora dona Manhã de Cristal. Gazeta do Rio Pardo Oscar Fausto
31
Perfil de um Gato Não perpetua linhagens, sem tradições (quero dizer: não tem raça.) Talvez tenha nascido no desvão d’algum telhado, ou no recôncavo d’algum forno. Dorso mosqueado. Cara e peito brancos. Pelo luzidio. Gordo e dorminhoco. É, até mesmo, caçador por diletantismo. Briguento, por necessidade. A defesa de seu reino. Mas quem? Apenas um gato, e nada mais. Meu? Não. De quem? De ninguém. Gato não tem dono...
Oscar Fausto
32
Luar Eu vi, na madrugada pálida, brancuras alvas ao luar. A lua (Salomé fria e solitária) dançava na amplidão dos céus a dança dos sete véus... Seus meneios e flutuações projetavam na face da terra iluminada sombras enormes de assustar! Eu vi, na madrugada pálida, brancuras alvas ao luar...
Oscar Fausto
33
Quadro Tarde. Uma aragem suave sopra e baloiça levemente a folhagem das mangueiras. Andorinhas chilreantes riscam rápidas como setas o azul anil do céu - onde certa nuvem transviada muito branca e solitária move-se lentamente... No quintal do vizinho crianças brincam em alegre algazarra de gritos e risos. E nas partes altas das paredes multicores, das árvores verdes, dos telhados vermelhos, das casas adjacentes, o sol-poente se despede do dia com um longo beijo de luz. Gazeta do Rio Pardo São José do Rio Pardo Oscar Fausto
34
Noite de São João Espio o céu coalhado de estrelas (e de balões que se confundem nelas...) E penso: em nossa vida também existe um balão original, mas que faz vagarosa ascensão... e que (não pertencendo a incréus) ruma direitinho para Deus. É todo vermelho e tem forma de um coração - o nosso coração. Como tal, o seu destino é igual ao dos outros balões. Exatamente igual. E, com ele, até sumir, queimar, morrer, vão: nosso ideal... nosso amor... nossa ilusão... Gazeta do Rio Pardo Oscar Fausto
35
São Pedro São Pedro: Porteiro do céu - desse céu tão desejado, para o qual, não sei, se estou destinado... Quando meu dia chegar, São Pedro! banque o camarada! finge que ressona... e deixe-me entrar de carona... Gazeta do Rio Pardo Oscar Fausto
36
Balada da Saudade A chuva lá-fora chora pingos d’água... O dia está triste, triste, com saudades do sol. Eu, aqui dentro, choro pingos de lágrimas. Estou triste, triste, com saudades de alguém...
Oscar Fausto
Norival e Waldemar, irmãos de Fausto, em frente ao ranchinho de Euclydes da Cunha, em São José do Rio Pardo.
37
Veneração À Honório de Sylos
"A duas braças dos cafezais de São José do Rio Pardo, o ranchinho de Euclides da Cunha", abrigado aos maternais carinhos de uma paineira frondosa, tem por berço - um berço de verdura - o jardinzinho pitoresco e poético; nele, dorme e sonha... embalado pela cantiga dolente do rio encachoeirado. A dois passos, à direita – oh! que ponte majestosa! E à esquerda, apontando para o céu, muito hirto, há um bloco tosco de granito com a efigie em bronze do escritor de gênio árdego. A inscrição é aquela famosa auto definição lapidar: - "Misto de celta, de tapuia e grego." Todos os anos, no dia que lhe assinala a morte (feriado municipal), a cidade desce da colina e vem para a beira do rio. Ali, quebrando o porte, qual fosse um templo, religiosamente se inclina para, solenemente, testemunhar, numa saudosa e sincera oração, a homenagem grata e patriótica da sua profunda veneração! A GAZETA São Paulo - Oscar Fausto
38
Santo Antônio
Santo Antônio! Fabricante de noivos sob encomenda, sob medida, fabricai um pra mim que de um me sinto carecida... Que seja assim - assim: nem muito bonito, nem muito simpático... (por causa da concorrência!) Oscar Fausto
casamento da irmã Yvette com A. Rehder em 17/06/1939
39
Confidência A mulher que eu amo... tem cabelos de sol, olhos azuis cor-do-céu e um semblante de luar. É boa como a terra, graciosa como as estrelas dentro de seu vestido verde-mar... Assinzinha mesmo: tão linda quanto a ilusão! A mulher que eu amo... Sol, céu, luar, terra, estrelas, mar... ilusão! É toda um mundo a vibrar dentro do meu coração... Oscar Fausto
Luiza Amarante e Fausto Prado Olyntho.
40
Entre Você e Deus Você é a única habitante do teu mundo interior. A minha preocupação constante neste mundo exterior. Por Você tenho sofrido e muito ainda hei de sofrer. Vivo magro, vivo abatido, tenho até medo de morrer. Porventura será Você culpada de minha alma viver inquieta? de todos martírios meus? Não. Esteja Você descansada, que o maior responsável é Deus que me deu esta alma de poeta!
Oscar Fausto
41
Presente de Rajá Hoje fui a um bazar e comprei um atraente presente para Você. Adivinhe o que e por quê?! É um elefantezinho de tromba para o ar, quase igual aos de verdade até na cor natural! O seu defeito é de ser feito de porcelana alemã... Você sabia que um elefantezinho assim (esse animal-simpatia), em casa, enfeita e traz felicidade (enquanto eu não lha possa dar...)? Por isto mesmo é que estou contente com o atraente presente que, com indizível prazer, vou fazer a Você, já, neste instante. Presente à altura! Em miniatura: esplêndido presente de rajá’! Oscar Fausto
42
Garimpeiro de Sol À José Honório de Syllos O dia, qual ambicioso garimpeiro, acorda cedinho, mune-se de peneiras de nuvens e se põe a batear ouro no riacho muito azul do céu. E vai bateando, bateando... De repente, um sorriso ilumina-lhe a face. É de satisfação. Porque as peneiras estão rendendo, rendendo, e já começam a fulgurar repletas de pepitas de sol! Oscar Fausto
43
Inconsciência - Meu bem, como vai a Mamãe? - A Mamãe está boa. Hoje chegou o Vovô, chegou a Titia... A Mamãe me deu um abraço, me deu um beijo... Ficou tão Alegre que começou a chorar. O Vovô que viu a Titia, que viu também, começaram a chorar atoa...
Gazeta de Rio Pardo Oscar Fausto
Josefina Amélia Xavier de Toledo Prado, mãe do poeta, aos 16 anos, noiva.
44
Infantilidade O menino foi com a mãe ver a vizinha que morreu. Depois, quando voltou, os outros irmãozlnhos perguntaram: -“Antoninho, o que foi que Você viu lá na casa de siá Maria?” -“Uma porção de gente chorando. A siá Maria deitada, dormindo no meio de quatro velas acesas, todinha vestida de roxo, com um sapato novinho...” Gazeta do Rio Pardo Oscar Fausto
45
Baile à Fantasia a Eduardo Ribeiro
Carnaval! O Relâmpago (um pierrô indiscreto) diz certa piada a que o Trovão (barrigudo polichinelo) solta retumbante gargalhada!... Vai estourar a fclia. Depois de animada batalha de confeti e de lança-perfume, em que toma parte saliente Dona Chuva (fantasiada de colombina) Surge de repente o Sol (romântico arlequim) e atira a serpentina do arco-íris - que faz meio círculo na sala azul do céu, bizarramente estilizada, e vai cair dependurada no lindo forro decorado de nuvens. Nisto, passa um jazz: bando de papagaios cantando um samba lá do morro...
Gazeta do Rio Pardo Oscar Fausto
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Aquecendo Meu Amor Fíto-a, caprichosa e compenetrada, as agulhas de metal sempre a trançar... Enternecido, quedo-me a obsevar... Agora, ela fez uma breve, breve parada, e os seus lindos olhos em mim pousou. Recomeça. O novelo de lã diminuindo... Um lindo pulôver cinza vai surgindo de sua infinita paciência de fazer tricô!
Oscar Fausto
47
Chuva de Pedra (2) As nuvens fecharam a carranca. Súbito, a chuva-de-pedra despencou e despiu a roupa verde pintadinha de amarelo do cafezal,.. Feito isto, foi-se embora, E os cafeeiros ficaram nuzinhos – debaixo de um céu de cobalto risonho, redondo e irônico – tremendo de frio, tremendo... e ‘quentando’ sol, coitadinhos! Gazeta do Rio Pardo Oscar Fausto
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Poemeto de um Dia de Chuva Por trás dos vidros embaciados da janela contemplo lá fora o dia côr-de-cinza... Chove. Uma chuvinha lenta, fina, e fria como uma lousa... As árvores estão úmidas, encorujadas. A alegria desertou da natureza! Tudo está diferente. Tudo está tristonho... - parece até o Dia da Tristeza! Gazeta do Rio Pardo Oscar Fausto
49
Psicologia a Manuel Vieira
Amor ? Sonho que viveu no coração, que morre como nasceu: - ilusão...
Gazeta do Rio Pardo Oscar Fausto
Fausto Prado Olyntho.
50
Tragédia O sol namorou a Terra o dia inteirinho... Foi quando chegou a Tarde louca de ciúmes e apunhalou o Sol... - que morreu todo ensanguentado no poente... Oscar Fausto
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Tarde Molhada A chuva veio correndo de vestido cinzento. Correndo e pulando os morros - monstros verde azulados deitados lá longe, de barriga para o ar... Depois levou um tombo e caiu ruidosamente em cima da cidade inteirinha. Nas ruas, gente pra-lá, pra-cá apressada, escondendo aqui, ali, acolá... com medo de se molhar. E a chuva choveu uma chuvarada! Daí um pouquinho, quando ela sossegou, as enxurradas cantaram, nas pedras das sarjetas, a tristonha balada da tarde toda molhada... Gazeta de Rio Pardo Oscar Fausto
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Diurno O sol, como um rapaz muito louro de luminosa cabeleira ouro, surgiu na esquina da rua Aurora e veio vindo, avenida Dia afora, namorar a menina Terra, que mora bem no meio do quarteirão. (Era na primavera.) Quando passou por ela, linda! Toda de verde na janela, ficou zenitentemente radiante e foi olhando pra-trás... Depois, já na outra esquina adiante, se corou todo vermelhinho, jogou um longo beijo de luz teatral! quente!... e se sumiu na rua do Poente... Gazeta do Rio Pardo Oscar Fausto
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Bando de Periquitos À Gláucia Dia Luminoso. O céu é um espelho de cristal azul. 0 Sol - um reflexo de ouro. A terra - u’a mulher vaidosa que mira e se remira nesse espelho... Daí a pouquinho um bando de periquitos passa... e faz um risoo verde no cristal do espelho! - Esperança. Fausto
Gláucia Prado Olyntho em 1937.
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Amável Coincidência Não atino por que amável coincidência que, sempre, ao passar por aquela ruazinha, me surpreende certo vulto, muito lindo e muito lírico, poetizando certo retângulo de janela qual estranho vaso de flores... Depois vou andando, distanciando... E o lindo vulto se resumindo... Puro engano meu! Pois em verdade não se resume não. Vai sim, e cada vez mais, crescendo... Resplandece como um sol nascente dentro do meu coração! Oscar Fausto
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Arrufos Impossível continuarmos assim. nessa eterna discussão. Eu a afirmar que sim, Você a teimar que não. Ou Você se convence, querida, que, na sua figurinha de diaba, se resume toda a minha vida, ou eu... não faço nada! Oscar Fausto
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Noturno nº 2 Noite de luar. Late o cão do vizinho, bobinho! Está na certa querendo dar uma impossível dentada em dona Lua. Assobiando um tango dolente alguém, alguém zé-ninguém, passa na rua. Lá fora tudo azul iluminado! Apenas uma leve aragem saci-perereira na folhagem do arvoredo no jardinzinho calado. Aqui dentro, no quarto, na cama espichado, leio quase enlevado versos de Ribeiro Couto. Desvio os olhos dos versos e olho um momento, já sonolento, a lâmpada luminosa repleta de mariposas silenciosas. Dlem... dlem... o sino da matriz pancada Doze horas! Ouço o tique-taque, reticências sonoras, que vem do relógio da varanda sossegada O cão do vizinho não late mais: cansou de querer pegar Dona Lua e adormeceu. Silêncio. Calma... Apago a luz. Agora o mesmo vou fazer eu. Gazeta do Rio Pardo Oscar Fausto
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Civilisação a Valêncio Bulcão. Quando o caboclo rasgou a mata-virgem verde, a estrada surgiu vermelha como um rastro de sangue escorrendo da terra. E pela primeira vez os veículos cruzaram a mata verde pela estrada vermelha. O barulho dos motores despertou os animais. E uma onça pintada veio pra beira da estrada ver que bichos desconhecidos eram aqueles que possuíam voz tão estranha. Noite. E a onça pintada ficou encantada com aqueles olhos luzentes - os faróis de um daqueles bichos desconhecidos que possuíam voz tão estranha - o automóvel. E assim foi que a onça pintada foi apresentada à CIVILIZAÇÃO. Gazeta do Rio Pardo Oscar Fausto
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Pingue-Pongue Ao Dr. Joaquim Aurélio Cardozo Pingue... pongue... pingue... pongue... A bolinha branca de celuloide salta a rede pra - cá, pra - lá pra - lá, pra – cá. Bate na raquete: pingue! Bate na mesa: pongue! Pingue... pongue... pingue... pongue... E quando bate pingue e não bate pongue o jogo pára! Depois recomeça! Pingue... pongue... pingue... pongue... (O nosso amor é como o jogo do pingue-pongue. Quando o meu coração bate: pingue e o seu não responde: pongue! - pára. Pra depois recomeçar! Pingue... pongue... pingue... pongue...) Gazeta do Rio Pardo Oscar Fausto
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Primavera
O Vento brinca nas folhas da mangueira que estão verdes de alegria sob a luz tépida do sol. Nas pontas dos galhos, as flores jades prometem frutos que serão belos e suaves na canícula do verão. Meus olhos tristes, ao contemplar esse brinquedo, se enternecem. Quem me dera o regresso de minha primavera para, numa exuberância vegetal, verdejar, florescer, frutificar... Gazeta do Rio Pardo Oscar Fausto
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Outono Silêncio... A paisagem convalesce. Uma folha (a última), como uma lágrima, se desprende de um galho e cai.... Oscar Fausto Gazeta do Rio Pardo
Ponte sobre o Rio Pardo.
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Futuro Passado Os brinquedos de crianças... A meiga menina de tranças... (Danças e contradanças) O par de alianças! Tempestades e bonanças... A mocidade vive de esperanças, e a velhice de lembranças... Oscar Fausto
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Teia de Aranha Aranha que tece, tece, que nasce e vive para tecer e que tece, tece até morrer... E, assim, iniciei esta canção: nesta vida cheia de espinhos, tu pareces uma aranha caprichosa envolvendo meu coração, com arte maravilhosa, na teia dos teus carinhos...
Oscar Fausto
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Poema das Bandeiras (presente-passado-futuro) a Guilherme de Almeida Bandeiras. São Paulo, dilatador de fronteiras, que nada teme. Onde avultou Fernão Dias Pais Leme! Bandeira tricolor! - preto - branco - vermelho escantilhado com a silhueta do Brasil, Com justo orgulho São Paulo - Terra de abnegação e de civismo, onde avulta a Epopeia de 9 de Julho! Bandeira tricolor! preto - branco – vermelho, onde há de avultar (porque São Paulo se vinga), escantilhada a silhueta sul americana, a República de São Paulo de Plratininga! Oscar Fausto
Batalhão Romão Gomes
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Cemitério das Saudades Não Pensem que é um livro de versos. Não. Nem suponham romance de Ardel6 ou Delly. Deus me livre! Chamo assim, liricamente, uma caixa de pinho do Paraná. Um día a vi na vitrine de um bazar entre um Juca Pato7 e uma Santa Terezinha. Achei-lhe um aspecto de sarcófago. Gostei. Trouxe-a para a gaveta desta mesa que fica para o lado do poente e onde assistem, além do mobiliário trivial de um quarto de rapaz, um nu de Almeida Junior, um São Francisco, e um bonzo8 jovial e nédio. Dias andados, houve a primeira Inumação: o cadáver de uma flor. Depois, um lenço de seda vermelha, u’a medalha, u’a mascarilha negra, uma liga cor de rosa... E, há sais meses, um frasco de perfume. Tantos defuntos, só num cemitério. Dai seu nome: Cemitério das Saudades... São José do Rio Pardo Fausto Gazeta do Rio Pardo
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Ardell Wray (1907-1983) – roteirista americana de filmes de terror nos anos 20-30. (NE, fonte Wikipedia) 7 Juca Pato é um personagem do caricaturista Benedito Carneiro Bastos Barreto (1896-1947) muito conhecido em São Paulo nos anos 30-40. (NE) 8 Bonzo – sacerdote budista.
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Retorno Dentro da manhã, beijada de sol aquela bananeira do brejo abana como um leque. Hoje sou um rapaz de escol com saudades de meu tempo de moleque. Ah! Se eu pudesse retornar àquele tempo todo liberdade e repleto de ilusões!... Não teria sofrido tantos contra-tempos nem teriam madrugado minhas desilusões. E que será, então, quando eu já velho olhar de novo este recanto olhando depois minhas rugas no espelho?... Como hei de chorar, chorar... chorar tanto!... Fausto
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Crônicas de Fausto Prado Olyntho
Vista Panorâmica de São José do Rio Pardo cerca de 1930
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Uma carta intima... Meu caro C. Penso que estava adormecido. A sua carta teve o efeito de um jato d’água no meu rosto. Estou agora acordado, sem privação de sentidos... Do que lhe escrevi não deixei cópia (infelizmente não tenho hábitos comerciais... e, confesso, já nem lembro do que ficou no papel num momento de lírica expansão...) Recordo-me da sua carta como de certos sonhos que ficam na cabeça confusamente. Mas tenho a impressão, entretanto, de que no mínimo, se não fui ridículo, fui lamentavelmente piegas... Sou de fato sentimental e, isto, há vinte e quatro anos... Embora com este defeito, sou também “cavalheiro dos prazeres efêmeros”... O meu coração é uma grande casa de apartamentos com muitas inquilinas... Poucas vezes (e por poucos minutos) os apartamentos têm tido uma única inquilina. E uma destas vezes foi agora... Mas o caso já não existe. Sou contra as exclusividades, os monopólios, os privilégios. E depois, nas viagens para o amor, ando sempre de bitola estreita, que é o ’’flirt”... o-O-o Olho em torno: estou mesmo acordado... Releio sua carta. Você não tem razão de pensar que encontrei, nas suas palavras, segundas intenções. Estranho (e com motivo) haver Você transmitido a ”única novidade” à míngua de outra cousa. Enfim, são modos de ver... De tudo resta... uma saudade longínqua... Você andou muito bem não contando aquelas (podemos dizer) minhas fraquezas, evitando assim que caísse sobre a ironia orgulhosa e me fulminasse o desdém vaidoso e convencido de Gioconda9. Que um dia, num sonho, pensei que fosse minha criatura predestinada. O livro da vida: viremos esta página... Abraços do assinado H. Gazeta do Rio Pardo (# 1002) 01/02/1929 Fausto
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La Gioconda ou Mona Lisa é um famoso quadro de Leonardo da Vinci. (NE)
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Do meu Diário
O luar está fora de moda. Tornou-se banal à força de ser cantado, metrificado, vulgarizado por dá cá aquela palha. Entretanto, não há nada mais delicioso entre os prazeres inocentes que ouvir, em noite de luar, um violino ao longe... Faz dormir e sonhar... O suave prazer de dormir só é perfeito (está a me dizer esta minha alma atávica de poeta) ao luar, em noite de verão, num jardim onde haja um lago e a tristeza de um cisne. À sua luz discreta e caridosa, uma luz de sonho que nos embala, as coisas familiares tomam um aspecto indefinido e estranho e os nossos olhos se fecham a custo, lentamente. Ainda agora, ali vai Dona Lua. Uma larga face humorística como essas outras que andam impressas nos cartazes de cerveja, a polvilhar os cirros como faces de pierrôs. Os gatos da minha vizinha, românticos como a sua dona (que já conta trinta castas primaveras), andam donjuanescos serenateando pelos telhados. E a minha gata (uma celerada de olhos esfingéticos) há pouco, aqui mesmo junto ao terraço, esteve incomparavelmente lírica, a ponto de perder todo sentimento de decoro. Não há que ver: é a alma de uma melindrosa que anda exilada nesse corpo de felino.
Gazeta do Rio Pardo (#1004) 15/02/1929 Fausto
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Boemia Diziam que o pintor Derius enlouquecera. Desde que num fim de inverno lhe morrera Mimi, Derius publicou em todo o bairro que ia pintar a sua própria alma. Daí por diante, em seu atelier, em frente de uma tela, principiou viver aquela obsessão que não o abandonava um instante. O tempo fugia e a moléstia parecia agravar-se. Pouco se alimentava. Nada dormia. As noites passava-as a errar pelo atelier, sombrio, o pensamento fixo na grande obra. Seu belo rosto de Deus adolescente encovara-se e os olhos, melancólicos e profundos, tornaram-se mais profundos e melancólicos. Emagrecia tisicamente. Deslumbrado, numa inquietude histérica, trabalhava incessantemente na realização ansiosa de seu magno desejo. Numa tarde outonal, toda opala, o sol poente, filtrando- se através as cortinas amarelecidas do atelier, arabescava nas paredes estranhas decorações. O artista, fraco, abatido, depois de um esforço inaudito, teve uma alegria repentina. Terminara a sua obra-prima, apoteose de uma vida de angústias. Vacilante, perplexo diante da tela estupenda, compreendeu que atingira a perfeição. Nela vivia a sua alma, a sua alucinação — um corpo nu de mulher, o corpo de Mimi, sinuoso e esgalgo, divino, incomparável... Naquela tarde outonal, toda opala, Derius abraçou a tela e morreu... Brasílio Gandaia. São José, 13/12/1929
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O Último Don Juan Conheci-o no remoto ano de 1922, o do centenário, quando, ainda muito jovem, ele iniciava, nos arraiais daquele bairro, a sua odisseia de cavalheiro dos prazeres efêmeros. De porte era franzino, uma compleição delicada de donzela, mas os olhos, uns belos olhos grandes e oblíquos de guerreiro tártaro e um buço leve e áspero, emprestavamlhe ao todo a insolência de um espadachim. Os dias gastava-os todos a dormir sobre os divãs amplos e acolhedores, entre almofadões búlgaros, ou, com a lentidão de um sacerdote que celebra um rito solene, preparava a sua toilette com os requintes mais apurados que os de uma cortesã. Depois, à noite, quer fosse inverno ou verão, com passos coleantes, taciturnamente, esgueirava-se na treva. À luz mortiça dos combustores de gás, se lhe ensejava ocasião, urdia finos madrigais, frases de uma taciturna alada, como feitas de sonho, leves qual uma renda de Bruges. Em certas noites, quando a lua alta, branca, tudo enlividecia como o pó de arroz do luar, ele, o meu amigo D. Juan, acordava nas ruas desertas a sua voz harmoniosa adulçorando o silêncio e pondo em sobressalto os corações adolescentes. Recolhia-se, às vezes, exausto, o corpo contundido, a face e os membros lacerados, após tremendas brigas, onde exercitava toda a potência de seus músculos destros, realizando proezas dignas de um Scaramuccia10. Mais de cem corações teve, palpitantes, a seus pés, rendidos pela sua graça, pela sua elegância brummelesca. Colhido o amor, displicentemente, abandonava-o como uma flor murchecida, da qual houvessem haurido todo o aroma. Pobre amigo, ontem, acompanhei-o à sepultura. Lá ficou no jardim, ao lado do repuxo, à sombra de uma roseira que, por coincidência, nesse dia vermelhejava toda em rosas. O meu pobre amigo, o último D. Juan, foi talvez o único gato que em toda a sua complicada vida de conquistador, nunca fez chorar uma gata. Brasílio Gandaia São José, 08/01/1930 GRP 1050
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Scaramuccia ou Scaramouche - palhaço espadachim da Commedia Dell’Arte. (NE)
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Noturno que eu vivi Enquanto lúgubre o vento ulula lá fora na rua erma, para evocar amores d’outrora, Dona Insônia senta-se á minha cabeceira. Faz-me acender a lâmpada e um cigarro. Põe depois nos meus os seus olhos dolentes, e, baixinho, começa a confidência. Na parede, em ciranda, passam silhuetas de sombra de minhas antigas namoradas. De uma recordo-me o nome romântico e sonoro, de outra a luminosa cabeleira loura, um sorriso meigo, uma frase bonita, um suspiro longo... De algumas... De algumas não me recordo nada... Todas me olham: e em seus olhos nostálgicos vejo quão bela foi a minha mocidade... Brasilio Gandaia. São José, 26/05/1930 GRP 1071
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Como Ali-Babá Tal qual n'um sonho eu te vi num lampejo... Forçava a porta da inspiração quando, a tua lembrança, ela se abriu magicamente como aquela caverna das «Mil e Uma Noites», deixando-me entrever o tesouro do teu corpo. Suavemente a pena correu sobre o papel. Plagiei-te ‘kodakizando’ nas frases a exuberância das tuas formas. Ora a linha corria sinuosa num cântico de curvas, ora se alteava em cômoros e colinas... Na cabeça, aureolada de cabelos fulvos, de cútis auroreal, os olhos de esmeralda, profundos, lembram duas Vapabuçús 11misteriosas, tão fascinantes qual a de Fernão Paes Leme. A boca, sorridente, vermelhejava rubis emoldurando pérolas... Aqui dois picos rosicleres; lá, mais abaixo, em tons d’alvorada, azulores tênues opalizam, empalidecem, roseiam diafanizando a escultura venusina dos teus membros. A tua imagem, que se me antolha policroma, de um fulgor tropical, sugere-me a lendária Ophir12. E eu, cronista sem assunto, alucinado diante tanto esplendor e riqueza, sucumbo, como Ali-Babá, sob o alfanje de uma afasia exasperante, na ânsia inútil de transcreverte integralmente nesta crônica. Brasílio Gandaia São José, 03/01/1930 GRP # 1049
11 12
Lagoa de Vapabuçú ficava no caminho das esmeraldas de Fernão Dias Pais Leme. (NE) Porto bíblico famoso por suas riquezas. (NE)
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Filme O cinema repleto. A plateia regorgita e espera, fazendo toda sorte de comentários, que as luzes se apaguem. Namorados juntinhos, xifópagos. Outros, longe. Outros, tímidos, acrobatizando olhares. Ansiedade enorme. Também, tanto reclame! Cartazes, cartazes e cartazes lambuzando tudo. Programas, muitos programas. E na rua, num caminhão: bum, bum, bum... num bumbo velho. Escandaloso, um menino estentora pela trompa amolgada de uma antiga grafonola, promovida a megafone. A campainha estrila. Escuridão! O orifício da cabine se ilumina. Flecha na sala um fio de luz e esparrama-se na tela. As epígrafes. Os atores. Ela - cabelos alucinados, olhos crepusculares e a boca... Uma taça de veneno. Ele - uma alma de criança num corpo de atleta. Com o clássico bigode, a destilar sarcasmos e atitudes felinas: o Cínico. Depois; a pantomima vulgar, ianque, muito ianque. Atenção! Atenção! A orquestra assurdina um tango... Ele, o galã, a envolve, dá uma chamada, semicerra os olhos e, num furor de antropófago, devora-a num beijo. O beijo. Ainda o beijo. Cinco minutos. o-O-o - Tire a mão daí, seu atrevido! Brasílio Gandaia São José, O7/1929 Gazeta do Rio Pardo (#1O24)
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Relógio --”Manuel, sim, o Manuel Salustiano”, disse o garoto. O povo aglomerado fazia comentários: --”Mas como foi?” --”O homem comprou um relógio há, mais ou menos, dois meses. Cento e cinquenta mil réis ali na nota. Uma beleza. Nunca vi um roskopf13 mais bonito. Grandalhão assim, desses que a gente não vê mais.” --“E depois?” -”Depois, o relógio começou a atrasar. Trouxe-o ao relojoeiro. Um dia de espera, mil e quinhentos e estava pronto. Mas qual! O diabo agora adiantava. Outro conserto, outros mil e quinhentos. Seu Salustiano, isto não é nada. Um cabelinho embaraçando.” Começava a faltar-lhe a paciência. Tinha esperança de ser a última. -- ”O relógio começou de novo a atrasar?” -- “Não. Parou. O Salustiano quis dar corda. Foi a conta: a corda arrebentou. Um homem tão de bem... Quem havia de dizer! Até parece cousa feita. Ficou fulo. Veio à relojoaria. Não era nada. Entortara a espiral. Três dentes do tambor quebrados. O cabelo estava amassado. Faltava um rubi... Salustiano tremia que nem vara verde. Amarelou. Parecia estar sofrendo do fígado. O relojoeiro foi continuando: A coroa escapou. A mola, a âncora e o eixo quebrados. O martelo dos segundos precisava ser substituído. A árvore de carga, a bride, também quebradas. O balancier saiu do centro . O ponteiro dos minutos pegando no mostrador. O mostrador...” ”O Salustiano, louco varrido, arrancou a trochada e descarregou os dois canos: Pum! Pum! A parede branca de cal ficou salpicada com a mioleira do relojoeiro.” São José do Rio Pardo O7/1929 Brasílio Gandaia Gazeta do Rio Pardo (# 1O26)
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Georges F. Roskopf (1813-1889) foi um famoso produtor de relógios de bolso na Suiça.
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Loucura Sentimental (Para COLMEIA)
Identifiquei o perfume — Caresse d’amour. Algumas pétalas rubras sobre o tapete rustido, a um canto, amarrotados, uns papeis. O taxi corria. Entrevia-se ao longe a silhueta nova-iorquina da cidade esfuminhada na garoa. Tomei os papeis. O mesmo perfume. Desamarrotei-os. Eram folhas de um tom fanado de rosa murcha com monograma gótico em azul. Fui lendo. Meu canalha, Quando acordares, não me verás mais junto de ti. Agora mesmo, exausto, adormeceste. Como dormes serenamente. No teu rosto, onde, entreaberta, a tua boca sugere uma flor sanguínea, há vestígios de um sorriso remoto. Talvez sonhes, talvez revejas em sonho a tua última aventura de pirata elegante — um novo triunfo a assinalar nos teus armoriais de cavaleiro dos prazeres efêmeros. Tu, meu estroina, meu volúvel rebuscador de inédito, já sofres a nostalgia dessas carnações morenas que eu detesto, desses olhos negros que eu abomino, já não dissimulas o tédio ante a minha beleza frágil de «fausse-maigre», ante esta minha cabeça alucinada, a qual dizias uma pira de fulvas labaredas. Conquistar uma mulher, a mais afetuosa, tatear-lhe a carne e haurir-lhe o capitoso perfume, para, em seguida, a esquecer saciado, corresponde, na tua lógica impassível de mundano — fumar um abdula e, depois pousar no cinzeiro a ponta inútil. Meu amor foi para ti um gozo doido e fugaz — uma fumaça, uma espiral de fumo que deleitou teu paladar... E agora o que resta? Um carvão apagado e cinzento... Por isso, deixo-te. Fujo para não mais suportar teus carinhos artificiais, a camuflagem dos teus delírios, a farsa grotesca do teu amor. Terás saudades? Terás remorsos? Não sei. Mas se um dia, por extravagância visitares a estela sem inscrição sob a qual repousarei, uma multidão de reminiscências te occorrerá ao cérebro. Uma «chispada» de auto, numa noite cálida, sob a carícia do luar; o cabaré, em certa madrugada, o champanhe a espumejar na taça e um tango milonga, num bandoneon em surdina, melancolizando... Tu mayor placer és gozar La desdicha de una mujer... Depois aquele vestido, criação Lanvin, cor de folha morta — lembra-te? — e, sobre tudo, o meu perfume predileto, desvario de um mago da «rue de la Paix», que 76
aspiravas desesperadamente numa volúpia de intoxicado, como se fosse o subtil veneno branco... Nos dias vazios, às tardes, quando, filtrada pelos stores cor de tabaco, a luz tiver a perplexa suavidade de um amanhecer idílico, sozinho, em tete-à-tete com o silêncio, sentirás por certo o pungir vago de um desejo, de alguma cousa, de alguém que não verás jamais... Disse um poeta — não se evapora o que fica de alguém, porque na alma é que fica... Deixo-te e deixo de mim na tua vida a imagem... Adeus meu cínico, meu algoz, meu amor... Mimi Finalizei a leitura. O taxi estacara na Esplanada. A cidade acordava em luz nos colares das luas eléctricas. Antes de partir perguntei ao chofer quem antes de mim, ocupara o carro. — Um rapaz todo de luto, alto e pálido. Sobraçava um buquê de cravos vermelhos. Levei-o ao Cemitério da Consolação. Fausto Prado Olyntho
Primeiro exemplar da revista Colmeia onde este crônica foi publicada.
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Almoço de Poetas (Teatrinho. Interiorano à moda de Júlio Dantas)
CENÁRIO Salão pequeno. Meia dúzia de mesas quadradas com toalhas brancas. A um canto almoça em silêncio respeitável família. Do outro lado um médico, entre garfadas, discute futebol com o rapazola. Dois estrangeiros discutem tintas e máquinas. Acolá um rapaz, de olhos compridos e bigodes a Adolphe Menjou, conversa com um moreno de testa ampla, roupas claras, e pronúncia acentuada de nordestino. Apressado corre o garçom estabanado, moreno de rosto redondo, poucos dentes e pouca prosa, entrega uma garrafinha a uma senhorita elegante e sisuda. Há outras senhoritas pela sala. Mas este caso é de rapazes, os três sentados juntos, morenos: o que parece mais moço, de bigodinho bem cuidado, olhar doce e voz pausada, Basílio Gandaia, poeta vindo de terras longínquas; outro sorridente tem sardas no rosto, João Pinheiro; o terceiro, de vasta cabeleira revolta, gesticulação abundante, voz forte e desembaraçada, Paulo Tatuí. João Pinheiro, crítico, é inteligente e conquistador. Tatuí sem predicados. B. - Feliz coincidência, reunidos nós três em torno à mesa repetiremos com certeza, sem presumir imprudência, a Ceia dos Cardiais... J. - Você quer? É justo, mas que ninguém veja. Ó! Maneco! traz... T. - ...uma cerveja. B. - Uma cerveja ?! Êh, colega, a um vinho o Pinheiro não se nega... T. - Vinho... Esse bálsamo sublime que toda a felicidade resume e a noss’alma vigor imprime Quando nos sobe o tapume... J. (levantando-se) - Vinho, o vinho... Sim, Maneco. Pois é toda minha vida. Por ele, peco. 78
B. - O vinho é sonho... Como Disse a Colombina. T. - (falando ao tenente): O vinho é ovo pequeno De galinha... Nisto, o Maneco perde a linha e vai de costas ao chão, entornando na mocinha a panela de feijão. Depois do desastre e correrias naturais, reapruma-se, limpa, desculpa-se das más vias. Volta o silêncio à trinca. B. (em tom confidencial): Nenhum de nós tem o coração deserto. Porque não mostrá-lo agora aberto... Contando nossos amores com franqueza? T. – Ó! Maneco! Salta a sobremesa. J. (para Tatuí): Não interrompa o Gandaia. (Sonhando): É tão bom falar de rabo de saia... (Zangado): Até Você tem também uma estória, Aposto! ... T. (pensando): Talvez, mas não ousaria contar... E desta conversa eu não gosto! J.- Não gosta? Pois há de ouvir. (Ao garçom): Vamos. Repete o presunto. B. - Voltando outra vez ao assunto. 79
E para trazer mais calor, Começo falando sobre o amor... T. (murmurando): Desta vez vou pro beleléu. Só aguento por amor ao pitéu... J. – Sim! Sim! Descreva-o em minúcia. B. - Para amar é preciso ter argúcia. O amor definhado morreria Se não houvesse a poesia... Amar é para todos. Saber amar. , No entanto... T. - Não gosto de tolice quando janto! B. - Saber amar não é para pateta. Saber amar exige ser poeta, Mais ama quem mais verseja... T. - Mais verseja, quanto mais cerveja... Berros, João Pinheiro intervém e acalma os ânimos. B. - Ela é loira como são loiros os trigais, É meiga como o canto de madrigais, É linda, linda como a rosa... T. — Nunca vi tamanha prosa... B. - Foi num domingo de manhã. Fazia frio. O casaquinho de lã, Para aumentar meu desgosto, Cobria-lhe parte do rosto. Segui-a. Passos apressados, Olhares de mil cuidados. Primeiro encontro. Cinema marcado. 80
Ela - a olhar a fita. Eu, pro lado... Nada! Nem ao menos namorado Fui. Mas vem o baile. A dança. Quem enlaça não se cansa... E cochichei-lhe ao ouvido O meu verso mais querido. Era assim: "O elefante que te dei. Juro! não o roubei..." (Como terminava? Não me lembro nada!...) Mas com o verso, ficou enamorada. Depois, nunca mais nela pensei, Nem ela se lembrou de mim, Pois eu - como todo mundo - sei Que o amor tem sempre um fim... J. - Eu também tive o meu amor..., T. (ao estrangeiro da outra mesa) Como vai a máquina? É a vapor? J. - Não me atrapalhe a memória: Estou contando a minha estória, a história daquele amor ardente que nos consumia o coração, ó, gente: a minha tão querida pequena era uma menina puxada a morena. Morava perto de casa, lá no bairro da Agua Rasa. Moreninha linda. Feiticeira. Nem dava confiança à família inteira. Adversário mesmo, só o irmão que nada entende de coração. Mas logo cedeu comovido quando ela tentou um tiro no ouvido. Naturalmente, pratiquei valentias: Esbofeteei o pai, a mãe e as tias! Ao irmão, com auxílio amigo, Esmaguei como a um figo. Só então o amor entrou em plenitude 81
- o mais feliz de minha juventude! Porém, levado ao paroxismo, Não resisti a um galicismo Imperdoável em normalista - que inda agora me contrista E violenta a cerebral entranha. Acabamos na Central. Sorte estranha... E nunca mais a vi. Cochila o Tatui. João Pinheiro e Basílio o sacodem e indagam em coro: - Em que pensa, Tatuí? T. - Nas besteiras que ouvi. Tumulto. Restabelecido o silêncio, volta Tatuí. T. - Lembro-me. Eu me lembro. Era rapaz. Estava na escola e naquele instante; com o pedantismo natural do estudante, quis conhecer meu coração de quanto era capaz. Mergulhei na aventura certo da vitória, sonhando atingir os paramos da glória, e derrotado fui... Derrotado. Juro! Cada vez mais apaixonado... Pelo chope claro e pelo escuro. J. — Ê o mais forte amor que vi... B. - De nós, o único que inda ama... Reconheço reverente... É o Tatuí.
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Chegada O trem ia correndo dentro da tarde tépida de outubro. Ia correndo e desenrolando panoramicamente, o maravilhoso novelo fita lamê do Rio Pardo emoldurando colinas verdes. Ondulantes. Pinceladas policrômicas, pintalgavam, manchando daqui e de lá, todo aquele verde simétrico, e igualzinho. A locomotiva possante silvou um longo silvo estrídulo anunciando, numa curva, a chegada. E entrou, cansada, a resfolegar com-pa-ssa-da-men-te. Lá adiante, com o dístico suspenso: SÃO JOSÉ DO RIO PARDO, A estaçãozlnha bonita, surgiu, esperando. O trem foi resfolegando. Chegando. E parou de repente, com o entrechocar metálico dos engates. Desembarquei. A gare em movimento. Gente apressada. Fisionomias indecisas. Assaltos carregados. Depois tomei a praça ampla; repleta de autos de aluguel e fui subindo a ladeira Íngreme. Um lindo dia fulgurante. Um céu todo azul turquesa, e um sol de ouro derramando luz. A cidade, as casas, as árvores, os muros, tudo como enorme cartaz vivo em festa de cores! o-O-o Por isso mesmo, que São José do Rio Pardo desperta em todos que chegam uma suave emoção de cidade-riso, de cidade-simpatia, na alegria espontânea da sua claridade, na graça nacional da sua paisagem. o-O-o Já em casa, burguesmente refestelado na cadeira de balanço, tomei uma xícara de café bem gostoso. o-O-o E assim foi que eu vi, retentlvei, e depois escrevi, esta deliciosa impressão de chegada! Oscar Fausto
São José do Rio Pardo – estação de trem
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Descendo a Ladeira Descendo a ladeira, uma porção de gente alegre, de roupa nova de ver Deus. Depois, a avenida pitoresca fazendo uma curva graciosa. A gente ia andando, descia uma escada, fazia uma visitazinha àquele mimo de brasilidade, precioso como uma joia, hoje resguardado num abrigo, mas ainda a evocar a gênese d’Os Sertões. Um momento contemplava o rio correntoso, de águas borbulhantes. Mas adiante atravessava uma pontezinha simples. Em seguida entrava na ponte-pensil. Era uma sensação de ponta a ponta. Dados os últimos balouços agradáveis, a gente pisava na ilha de São Pedro, todinha vestida de árvores. Dava uma volta, ia-se sentar nas pedras, ouvir as águas... Que encanto! Regressava depois satisfeito, revendo tudo aquilo, tão bonito... Chegando em casa, refastelava-se na cadeira de balanço, orgulhoso... Desfrutara o dia de ouvir missa gostosamente. Agora já não é assim. Todo aquele nosso patrimônio de belezas vai caindo no esquecimento. Porquê ? Havia lá um pavilhão para festas e o fogo queimou. A ponte-pensil, dos balouços agradáveis, o rio roubou. Vai caindo no esquecimento, é verdade, mas não do povo que tem saudades, muitas saudades... Fausto GRP # 1042
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Sem título Não pude disfarçar o fervor e a satisfação íntima quando, outro dia, em companhia de alguns amigos, tive o prazer de contemplar, ali na vitrine da Casa Braghetta, o quadro dos jovens rio-pardenses que concluem o curso do primeiro Grupo Escolar. Aqueles rapazinhos e aquelas moçoilas, bem postos, de olhos alegres, fizeram-me pensar com otimismo no Brasil futuro, num tempo em que, por obra do professor primário, os brasileiros que colonizam nossas fazendas e que habitam nos sertões distantes já não serão simples criaturas embrutecidas e escravizadas pela ignorância. Nessa idade pragmática, que eu antevejo não muito distante, os retóricos, os revolucionários, os idealistas utópicos, estarão recolhidos aos museus, animais raros, espécies de uma fauna extinta como o megatherium e o mastodonte. Teremos uma instrução profissional mais difundida e, quiçá, os membros de certa classe muito numerosa entre nós não carecerão mais de comissões de técnicos para ensiná-los princípios rudimentares de uma profissão que, apesar de se criarem nela, até hoje não a sabem exercer com eficiência. Justo é, pois, que rendamos homenagem ao nosso professorado, mormente aos professores rurais que, para levar o alfabeto aos humildes caboclinhos, abdicam todo o conforto dos centros civilizados e arrostam, entre mil dificuldades, a hostilidade de pais estúpidos e, não raras vezes, de patrões egoístas. Cabe perfeitamente repetirmos aqui uma frase de Bilac no «Professor Primário»: «Na sua cadeira de educador, o mestre recebe a visita de um Deus: é a Pátria que se instala no seu espirito.»
Fausto, GRP # 1043
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Manhã Azulíssima Naquela manhã azulíssima, um sol muito louro penetrava impetuosamente pelas janelas da igreja. Um silêncio chocho inundava o templo. Passos rascantes de quando em quando acordavam sua calma macia, anulando-se depois. Bancos arranhados, místicos, perfilavam se religiosamente como seminaristas, ocupados aqui e ali. Um toque de sineta, enérgico, estridulou... O padre, paramentado, deixou a sacristia, galgou os degraus do altar. Todos se ajoelharam. ...Toda aquela gente se levantou. Foi saindo demoradamente, impregnando o ambiente dum rumor arenoso de arrastar de passos preguiçosos. A nave pouco a pouco ficou deserta. Havia terminado a missa e Amadeu Amaral recebido gratas homenagens. Naquele momento lembrei-me de um verso de Alberto de Oliveira: —Oh! A saudade, poeta, é uma ressurreição!
Fausto GRP #1044
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A Cronicazinha que trouxe uma grande Verdade Estou aqui procurando rabiscar para «Gazeta», em cujas colunas sou sempre bem acolhido, uma cronicazinha que sabia interessante. Mas não me aparece ideia alguma, que mereça este epíteto, e muito menos razão, para ir sem mais nem menos macular a brancura do papel. Já rebusquei o cérebro, onde, somente, achei pensamentos vagos, o que vale por dizer que nada achei. Hoje, está-me faltando aquilo a que chamam — veia. A caneta e a pena associadas em mútuo bom humor, obedecem docilmente a mão, que por sua vez, presta obediência à cabeça, que não me quer obedecer nenhumamente. O tinteiro ali adiante, espera, oferecendo com uma espontaneidade admirável, a tinta azul que nele contém. E’ inútil tentar. Não sai nada mesmo... Esperem um pouquinho ! Está bailando uma ideia qualquer... parece que vai chegar. Está-se esboçando. Concretizando... Pronto ! Agora já sei o que é. Um pensamento bom me passou pela cabeça. Um conselho útil. Nasceu bem lá no fundo. Talvez, na alma. E tão verdadeiro, (já refleti,) que vou difundi-lo. Não sou egoísta, e, não ficarei com ele só para mim, não. Vou contar. Foi assim, primeiro surgiu uma vozinha, remota perguntando: Você quer saber de um remédio infalível para ser-se feliz? Naturalmente que quero, sim? Não pense nunca na felicidade. E foi-se embora. Oscar Fausto
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Fisionomia da Cidade Como as crianças as cidades novas não tem fisionomia. A princípio são os traços vulgares próprios a todas vilas — uma centena de casinhas brancas em torno de um campanário. Depois estendem se as ruas, rasgam-se as praças, a vila entra a jactar-se do seu progresso e a exigir foros de cidade. Não há estética, não, há gosto. Predomina o útil. Uma cidade é sempre alguma coisa mais do que alinhamento de ruas e renques de casas. Uma cidade é uma alma: síntese de milhares de almas que nela amaram e sofreram. Ela só forma lentamente, em pormenores imperceptíveis, registando as horas de sofrimento que padece, as horas alegres que rejubila e que ficarão, para poetizá-la, enchê-la do vago encanto das velhas cidades, impressas na sua face. A nossa cidade é assim: não tem pompas arquitetônicas, nem gosto artístico: ainda balbucia, mas já tem alma. Alguém houve por bem agraciá-la com o lisonjeiro epíteto «princesa dos olhos encantados». E’ muita bondade. Quando muito ela é uma moçoila republicana e tão republicana, que não há em suas ruas e praças um nome que nos lembra o antigo regime. A rua Ananias Barbosa lembra-nos sempre o movimento revolucionário de 13 de Novembro, que precedeu de três dias a proclamação da república. A praça principal da cidade é a 15 de Novembro. Depois temos nas ruas todos os fundadores da República: Marechal Deodoro, Floriano Peixoto, Benjamin Constant, Silva Jardim, etc. Essa é a sua fisionomia capital, sendo, entretanto, a beleza dos seus jardins o que mais a caracteriza e distingue. Os vastos gramados lembram aristocráticos parques ingleses, menos artificiais, cheios de luz sob um céu de turquesa, exuberantes deste verde, que só se encontra na paisagem tropical. Quem não sentiu ainda o encantamento do rio Pardo, águas soluçantes que passam laceradas nas rochas? Aí ao pé dessas águas marulhosas, quantas evocações! A casinha humilde, mimo de brasilidade, antigamente aconchegada ao tronco vetusto, e hoje resguardada num abrigo, parece que nos fala, n’um tom carinhoso, da alma torturada de Euclydes da Cunha. Não é só nos aspectos naturais e urbanos que se acentua a fisionomia da cidade. O povo teima ainda em dar-lhe um cunho especial, todo seu. Pergunte a um rio-pardense onde fica a rua João Theodoro. Ninguém sabe. Pergunte pela rua do Buracão e todos dirão. A rua Silva Jardim é a patusca rua das Flores, seresteira, ex-amiga da pancadaria e da polícia. A rua Américo de Campos, atualmente João Pessoa, é dita dos «Calabreses». Eis, imperfeita indecisa, a fisionomia da cidade. Talvez, na transição dos tempos, essa fisionomia se conclua. Talvez desapareça, dando logo às aspirações moderadas, ou talvez n’um futuro não muito remoto, venha a ser de fato a «princesa dos olhos encantados»... 88
E que os Santos digam — Amém! Oscar Fausto
Vista Panorâmica de São José do Rio Pardo cerca de 1930
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Cinema Olhos pregados na tela dinamizada, os espectadores procuram adivinhar o desnovelar do filme. Um filme de amor Depois de um punhado de peripécias, na sala escura, semblantes transmutam-se repentinamente. Corre um frêmito na sombra. Os estrelos beijam-se magistralmente Fim. A sala clareia. E a multidão vai saindo sussurrante. Satisfeita, Persiste nela a última sensação. Ninguém disfarça um arzinho de contentamento como ela, ter sido tão deliciosa. Principalmente, os namorados... que precipitaram o seu desfecho. Os estrelos, lá da tela, apenas... — plagiaram os namorados!...
Oscar Fausto
IDEAL – Jornal onde foi publicada a crônica “Cinema”
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Poesias de Waldemar Prado Olyntho14
Waldemar Prado Olyntho
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Waldemar (1901-1932) era 10 anos mais velho do que Fausto. Morreu de tuberculose em São José dos Campos aos 31 anos de idade. Como poeta, prezava a forma e a rima. Muito mais conservador do que o ebuliente Fausto. (NE)
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Soneto Banal
Olho da janela. Em baixo a calçada Alva, branca brilha ao sol do meio dia... Solidão. Anda na rua erma e calada aguda crise de monotonia... A brisa sopra suave, embalsamada, Frufulam sedas... leve e fugidia a tua silhueta vem numa rajada de perfumes, de cores, de alegria. Minúscula, irreal, aos poucos cresces, Avultas, vens e passas displicente, para na sombra esvanecer depois. Indiferente vais, sem que te apresses, eu volto para dentro indiferente, como se nada houvesse entre nos dois. São José do Rio Pardo 1930 Waldemar Prado Olyntho
Waldemar Prado Olyntho
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Num Álbum à Gláucia
Estive a tirar os espinhos das rosas que colhi hoje, e agora, diante delas, penso que tem sido esta a minha tarefa em toda a vida....
São José do Rio Pardo 07/08/1930 Waldemar Prado Olyntho
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Bonecas Vivas Quando com seu chapéu verde, sapatos verdes, vestido verde, toda verde, primavera, a vejo, pela rua, misteriosa e esquiva, faço a mim mesmo a confissão sincera: gosto muito dessa boneca viva e feiticeira que, numa fuga imprevista, fugiu ao certo de uma tela futurista... *** Vi-a uma vez. Lembrei-me ao vê-la d’uma artista de cinema, Sua imagem ficou-me n’alma como uma paisagem n’agua vítrea de um lago... E um sorriso, misterioso e vago, daquela boca em flor ainda perfuma a suave lembrança, a lembrança suavíssima da expressão melancólica dos seus grandes olhos verdes, cheios de magia, que recordam paisagens refletidas n’água. Walther Barion15
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Walther Barion é um pseudônimo de Waldemar Prado Olyntho. (NE)
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Modo de Dizer À Srta. Feliceta Angerame Não quero o verso nobre, de alto estilo, tom épico de tuba clangorosa. Prefiro, ao de esmeralda e de berilo, o verso solto e simples como prosa. Quero gravar na estrofe que burilo a diáfana emoção, doce, radiosa, - o sonho vago de um viver tranquilo entre beijos e pétalas de rosa. Quero simples narrar lance por lance uns amores que tive de brinquedo com proporções estranhas de romance. Os teus beijos são a trama deste enredo de amor... Destes amores sem alcance que nascem rindo e que terminam cedo... 1930 Waldemar Prado Olyntho
Waldemar Prado Olyntho na Ilha de São Pedro, SJRP.
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Do Meu Quarto Do meu quarto, onde convalesço estendo o olhar vadio pela janela... Lá fora, luz um céu sem mácula e -- ó suave emoção! – sobre o muro, numa roseira folhuda, uma rosa pálida. Essa flor, talvez doente, talvez, como eu, convalescente, sugere-me por um momento a presença de u’a mulher multo melga que entrasse no meu quarto sorrindo... São José dos Campos Inverno, 1931 Waldemar Prado Olyntho
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Finados Já tanto amei! Já sofri tanto! Olhos meus, porque estais molhados? Porque choro ao ouvir-te o canto, sino que dobras a finados? Pobres amores sem destino, soltos ao vento, dizimados! Inda vos choro... e como um sino meu coração dobra a finados. São José dos Campos, 1931 Waldemar Prado Olyntho
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I Há um moinho que braceja ao vento uma nesga de céu indefinido o campo verdoengo onde lento um velho boi rumina distraído. Pelo caminho louro e poeirento caminha, loira, vinho no vestido, uma campônia de olhar cismarento como um longo crepúsculo dolorido. A paisagem é de Holanda. O contemplá-la recorda-me os teus olhos, violeta triste como uma alameda solitária Só falta a exaltação de tua fala teu andar vago e sutil de borboleta para termos aquarela extraordinária.
Goyen, Jan van - Windmill by a River
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IV É mister que te adore, ó minha amada, que perene, de joelhos, a todo instante, da negra noite à límpida alvorada te celebre e à divina graça cante. Tu és doce, franzina e delicada como uma haste de vime vacilante, a doçura do Éden embalsamante tens suspensa na boca suplicante. Chega-te a mim. A tua mão nervosa depões na minha e teu lábio toca -- como um botão que desabrocha em rosa -da luz meridiana de um sorriso que eu quero, ao ver-te assim, na tua boca gozas as sensações do paraíso. Waldemar Olyntho
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APÊNDICES
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CRONOLOGIA DE TARQUÍNIO COBRA OLYNTHO Notas de Tarquínio José Barboza de Oliveira 07/11/1870 - nascimento em Pouso Alegre, MG, o segundo de 8 irmãos filhos do Dr. Adolpho Augusto Olyntho e de Da. Emiliana Adelina Meyer Cobra. 1877-1881 - Itajubá, Colégio Delly e colégio Caraça em Humanidades com o irmão mais velho Emiliano Cobra Ollyntho. 1882-1886 - Preparatórios no Rio para a Faculdade de Medicina. 1889 – primeiro ano de medicina no Rio de Janeiro. Membro do batalhão de estudantes na proclamação da República. 1890 - segundo ano de medicina no Rio de Janeiro. 1891-1892 - Ouro Preto, MG: cursa, com o irmão Emiliano, a Escola de Farmácia (3º e 4º anos). Formou-se em 1892 com láurea em Botânica. 1893 - São José do Rio Pardo: fundou a farmácia Tarquínio. 18/05/1893 - casamento com Josefina Xavier do Prado, em Alfenas, MG. 30/05/1893 - São José do Rio Pardo, SP - Tarquínio Cobra Olyntho e D. Josefina se instalam na rua Saldanha Marinho, fundando a Farmácia Tarquínio 19/03/1894 - nascimento da primeira filha, Antonieta. 09/04/1896 - nascimento da segunda filha, Maria. 30/04/1896 – O pai, Adolfo Augusto Olyntho, do Tribunal da Relação de Minas, é nomeado para o Supemo Tribunal Federal e muda-se para o Rio de janeiro. 30/04/1897 - nascimento da terceira filha, Noêmia. 12/08/1898 – falecimento de seu pai, Ministro do Supremo Tribunal Federal, Dr. Adolpho Augusto Olyntho, no Rio de Janeiro. 16/04/1899 - nascimento da quarta filha, Adolfina 1900 - eleito vereador de São José do Rio Pardo e fundou a primeira Sta. Casa de Misericórdia de São José do Rio Pardo. 08/07/1901 - nascimento do quinto filho, Waldemar. 08/10/1903 - nascimento do sexto filho, Norival; Tarquínio adoeceu de febre amarela. 27/08/1904 - nascimento da sétima filha, Áurea. 25/03/1907 - falecimento da filha Áurea aos 3 anos de idade. 02/07/1908 - nascimento do oitavo filho, Mário. 05/12/1911 - nascimento do nono filho, Fausto. 18/05/1913 - nascimento da décima filha, Gláucia, musa dos irmãos poetas. 30/09/1913 - casamento de Antonieta com José Barboza de Oliveira (Zuza). 1914 - eleito vereador de São José do Rio Pardo. Eclosão da 1º Guerra Mundial. 05/08/1914 - nascimento da primeira neta Eugênia Maria (Geni), filha de Antonieta e Zuza. 18/09/1915 - nascimento do primeiro neto, Tarquínio José, filho de Antonieta e Zuza 07/12/1915 - casamento de Noêmia com o médico Pedro Paulo Autran Dourado 30/01/1916 - falecimento do genro Pedro Paulo Autran Dourado, marido de Noêmia. 07/03/1916 - nascimento da décima primeira e última filha: Yvette. 1918 - Epidemia de gripe espanhola em São José do Rio Pardo. Tarquínio lidera a mobilização e fez de sua residência um pronto socorro. Recebe Emílio Ribas. 101
18/09/1918 – Segundo casamento de Noêmia com Manuel Carlos de Siqueira, advogado de Mocóca. 1920 - colaborou na fundação da Escola Normal de Casa Branca. 1920 – 1923 - eleito juiz de paz. março/1922 – Mário começa a trabalhar no Banco Francês-Italiano local. Os filhos Valdemar e Norival deixam a casa paterna para trabalhar respectivamente nas firmas "William Simonsen" e "Brasil Warrant" 28/06/1922 - casamento da filha Maria com Antônio Ribeiro Nogueira (Nhô Ribeiro). 06/05/1922 - falecimento de Da. Emiliana Meyer Cobra no Rio de Janeiro, mãe de Tarquínio. 1924 – 1927 - reeleito juiz de paz. 05/07/1924 - O engº José Barboza de Oliveira (Zuza) era chefe da 9ª Residência ferroviária com sede em Santo Anastácio. Após a tomada de Santo Anastácio, pelas tropas legalistas, o engº Barboza de Oliveira, que se manteve em seu posto no cumprimento do dever, é preso e transferido para São Paulo com toda a família. 05/07/1925 - Norival, solteiro, adoeceu e morreu de tuberculose em São José do Rio Pardo. 08/12/1927 - casamento de Adolfina com Jorge Augusto de Andrade Junqueira. 01/03/1928 - Fundação do 2º Grupo Escolar hoje chamado "Tarquínio Cobra Olyntho". março/1930 - Mário começa a trabalhar no Banespa, em São Paulo. Ditadura Vargas. 24/08/1931 - falecimento da esposa, Josefina Prado Cobra, em São José do Rio Pardo. 06/02/1932 - falecimento do filho solteiro Waldemar Prado Olyntho de tuberculose em São José dos Campos. 09/07/1932 – Mário e Fausto se alistam no Batalhão Romão Gomes para lutar contra a ditadura Vargas por São Paulo. 11/05/1933 - falecimento de Tarquínio Cobra Olyntho às 11 h. março/1937 - Mário transferido para a contabilidade da 4ª agência Banespa, em Avaré. abril de 1937 – casamento de Gláucia Prado Olyntho com Olavo Cabral Ramos 05/06/1937 - falecimento do poeta boêmio Fausto Prado Olyntho, solteiro, em São José do Rio Pardo, de tuberculose. 03/03/1938 – nascimento de Olavo, filho mais velho de Gláucia e Olavo. 1940 – Mário Prado Olyntho se casa com Inah César de Castro em Avaré. 24/10/1941 - falecimento de José Barboza de Oliveira (Zuza) marido de Antonieta em São Paulo. 1947 – falecimento de Inah, primeira esposa de Mário Prado Olyntho, deixando-lhe dois filhos: Luiz Antônio de Castro Olyntho e Marco Antônio. 21/03/1950 - Mário Prado Olyntho é transferido para São Paulo, subchefe da Inspetoria do Banespa. 23/12/1961 - falecimento de Adolfina Prado Olyntho. 29/09/1971 - falecimento de Antonieta Prado Olyntho no Rio de Janeiro. 26/12/1980 – falecimento de Tarquínio José Barboza de Oliveira (Tarquininho) em Ouro Preto, de câncer. 03/08/2002 – falecimento de Gláucia Prado Olyntho Ramos, no Rio de Janeiro.
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Obituário de Tarquínio Cobra Olyntho Resenha 25/05/1933 Atingindo a idade de 64 anos, chegou para o distinto cidadão Tarquínio Cobra Olyntho, às 11 horas, do dia 11 a noite que não tem aurora na terra. Conquanto esperado, o desenlace fatal causou geral consternação a sua família, a seus inúmeros amigos e à população, que o veneravam como um benemérito. Durante 40 anos decorreu a sua existência a nesta cidade, onde exerceu a atividade de farmacêutico e clínico da pobreza, devotando-se como sacerdócio a obras de caridade, fazendo o bem indiferentemente a todos, com um sentimento de fraternidade, que muito o enobrecia e o fazia distinto na sociedade. O seu amor pela humanidade e uma dedicação em aliviar as dores alheias granjearamlhe grande estima e veneração, colocando-o como figura marcante entre os filantropos, e dando-lhe notável destaque em nosso mundo político. Apesar de nos divergirmos, mesmo afastados de sua direção e de seu pensamento político, jamais, porem deixámos de tributar-lhe justiça, reconhecendo a sua inteligência, seus préstimos, sua caridade e elegância moral no seio de sua estimada família. Notas Biográficas Nasceu o pranteado cidadão em Pouso Alegre, a 13 de Novembro de 1869 16. Filho legítimo do ilustre magistrado, ulteriormente ministro do Supremo Tribunal Federal, Dr. Adolfo Augusto Olyntho e Exma. Sra. D. Emiliana Adelina Meyer Cobra Olyntho, já falecidos, a principio formou a intenção de conquistar o titulo científico de médico, matriculando-se na Academia de Medicina do Rio de Janeiro, frequentando os dois primeiros anos do curso de Farmácia. Patriota cheio de civismo que encheu seu coração e seu espírito tomou parte na revolução da armada, incorporando-se no batalhão Acadêmico, que tantos louros conquistou. Da Academia de Medicina transferiu-se para a Escola de Farmácia onde se diplomou, distinguiu-se nos estudos de Botânica e foi um dos quatro únicos baixareis em Ciências Naturais que tiveram tal titulo. Logo depois, em 1893 abriu o seu estabelecimento farmacêutico nesta cidade, casando-se com d. Josefina Prado, virtuosa esposa e mãe de família, falecida há perto de dois anos. Aliando a sua ação de homem probo e trabalhador aos nobres atos de caridade, foi o médico da pobreza que lastima o seu desaparecimento e lhe consagra saudades. Arrebatado para o turbilhão da política, competiu-lhe posições de destaque e prestigio popular. Em 1900, um acordo político entre os dois partidos que disputavam as posições municipais, foi eleito vereador, servindo em diversas comissões da Câmara. Surgindo partido municipal em 1914, ocupou de novamente uma cadeira na Câmara Municipal ocupado durante mais de um ano o lugar de Secretário e exercendo o cargo de Inspetor Escolar.
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Na verdade, Tarquínio nasceu aos 07/11/1870
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Eleito 1° Juiz de Paz para o triênio de 1920 a 1923, foi reeleito para o triénio de 19241927, cumprindo-lhe o ministério de Juiz do Casamento Civil, em que se manteve em perfeita linha ética. As diversas funções públicas, que exerceu, e o seu devotamento à caridade, atraíram lhe muitas amizades e dedicações. Não abandonou os estudos científicos e reuniu os seus estudos de Botânica, dando publicidade das observações clínicas feitas sobre as plantas terapêuticas da Flora indígena, em pequenos artigos, em uma das folhas desta cidade, sendo para desejar a continuação de publicidade. Dirigindo-lhe das colunas da nossa modesta folha o adeus de saudade, apresentando aos seus filhos e mais pessoas de sua família sentidas condolências.
Adolpho Augusto Olyntho
Emiliana Adelaide Meyer Cobra
Tristão Luiz do Prado
Tarquínio Cobra Olyntho
Delfina Xavier de Toledo do Prado
Josefina Xavier de Toledo do Prado
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Ele Abominaria essa filosofia que pôs o lucro no lugar do homem No dia 7 de novembro a Escola Estadual de 1º Grau Tarquínio Cobra Olyntho comemorou o 115.o aniversário de nascimento do patrono da Escola com uma festa que contou com a participação de professores, alunos, convidados, e do bispo D. Thomaz Vaquero. A oradora foi a professora Maria José Pereira Martins de Andrade Junqueira que impressionou a plateia com um pronunciamento sobre o comportamento de Tarquínio Cobra Olyntho. A íntegra do discurso é a seguinte: Coube a mim, Professora da Casa, falar sobre Tarquínio Cobra Olyntho, nesse dia a ele dedicado. A tarefa, a princípio, se me apresentou um tanto difícil. Na posição de esposa de um de seus netos, tive receio de ser mais subjetiva do que o momento poderia permitir. Entretanto, a vida de nosso patrono fala por si. Sua biografia relata fatos incontestáveis, realizações cujas consequências sentimos até hoje à nossa volta. Então percebi que, por mais que o coração quisesse interferir, exagerando na expressão dos sentimentos, um homem não se torna menos ou mais herói porque seus descendentes assim o desejam. As realizações de um homem são fatos objetivos. Os fatos revestidos de subjetividade são anulados pelo tempo. E a obra de Tarquínio Cobra Olyntho não foi anulada pelo tempo: ele semeou o Bem e o Bem frutifica sempre. É, sobretudo, aos jovens que esta fala se dirige. Eles indagam: quem foi esse homem que dá nome a nossa escola. Quem é esse homem que vive no coração da cidade e na saudade do povo? Para responder, é preciso retroceder no tempo, virar as densas páginas da história de Tarquínio Cobra Olyntho e voltar até 1869, quando ele nasceu em Pouso Alegre, MG. Por motivos de saúde, instalou-se em São José do Rio Pardo; aqui constituiu numerosa família. De seus muitos filhos, vivem Mário Prado Olyntho, residente em São Paulo e Gláucia Olyntho Ramos, no Rio. Dos outros filhos, falecidos, alguns deles repousando em nossa cidade, quero fazer especial menção a Adolphina Prado Olyntho, a doce avó de nossos filhos e saudosa genitora de Dona Heloísa Olyntho Junqueira Dias, Professora neste estabelecimento. É sabido que Tarquínio Cobra Olyntho teve por toda sua vida uma farmácia que existe até hoje, nesta rua que acaba justamente no prédio de nossa escola. Ele foi, portanto farmacêutico. O que tem um farmacêutico a ver com Educação a ponto de dar nome a uma instituição escolar? Qual a relação? Consta nos anais da cidade que Tarquínio Cobra Olyntho foi político atuante, ocupando por duas legislaturas a cadeira de vereador cargo que considerou com a máxima dignidade e com a mesma responsabilidade com que aviava as receitas em seu laboratório. E um político, o que tem a ver com Educação? — poderão perguntar alguns de nossos alunos. O fato é que o nome de Tarquínio Cobra Olyntho está indelevelmente ligado à obra da Educação em nossa cidade. 105
Efetivamente, ele dá nome a uma escola não porque, em certa época, tenha ocupado o cargo de Inspetor Escolar. Não porque, ao lado de outros políticos da região, tenha contribuído para a instalação da Escola Normal em Casa Branca, escola esta, até hoje, monumento da vizinha cidade, motivo de justo orgulho para os casa-branquenses. Dá nome a uma escola não porque, ao lado de Elisário Dias e de outros rio-pardenses incansáveis, tenha trabalhado para a instalação da Santa Casa, local. Tarquínio Cobra Olyntho dá nome a uma escola não porque, estudioso inveterado, teria publicado trabalhos sobre Botânica, fruto de suas pesquisas como ex-aluno de Medicina e afeiçoado à farmacologia. Dá nome a uma escola, não porque, republicano lúcido, se tenha alinhado com aqueles que desejaram a Democracia como o regime político que melhor se coaduna com o homem, em todos os tempos e em todos os lugares. Tarquínio Cobra Olyntho dá nome a uma escola pelo somatório de todas as ações de sua frutuosa vida. Porque foi um lutador. Vamos encontrá-lo em todos os movimentos reivindicatórios que se fizeram em nossa, região. Era um liberal. Tinha a visão de um verdadeiro humanista. O HOMEM era seu objetivo, sua meta, seu farol. Nunca ele perdeu de vista este fim — o bem do ser humano. Este princípio o norteou por toda a sua vida. No desempenho de suas atribuições como farmacêutico, vamos encontrá-lo socorrendo a pobreza de São José do Rio Pardo, a ponto de comprometer a própria situação econômica. Ficou na memória do povo pelo seu espírito caridoso, tendo morrido pobre, apesar de uma vida inteira de trabalho. Podemos imaginar a estatura deste homem e sua perplexidade diante do poderoso traste dos laboratórios internacionais, insensíveis à população doente, indiferentes face ao HOMEM, visando ao lucro, tão somente ao lucro. Ele, na sua ótica humanitária, na, firmeza de seu caráter, na determinação de seus atos, abominaria essa filosofia que pôs o lucro no lugar do HOMEM. É por isso Senhores, que a vida de Tarquínio Cobra Olyntho é oferecida a nossos alunos, corno modelo de conduta. Pesa sua atuação como profissional. Pesa sua atuação como político. Pesa, sobretudo, sua existência como humanista, na inteira acepção do termo, o que mostra que Tarquínio Cobra Olyntho ultrapassou seu tempo, projetando-se neste final de século e milênio, quando se fala tanto de direitos humanos e nunca o HOMEM foi tão aviltado. 07/11/1984 Maria José Pereira Martins de Andrade
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04/08/2017
Descendentes de Tarquínio Cobra Olyntho
1. Tarquínio Cobra Olyntho (b.11/07/1870;d.11/05/1933) sp: Josefina Amélia Xavier do Prado (b.17/01/1875;m.18/05/1893;d.24/08/1931) 2. Antonieta Prado Olyntho (Nieta) (b.19/03/1894;d.29/09/1971ou72) sp: eng. José Barboza de Oliveira (Zuza) (b.30/09/1886;m.30/09/1913;d.24/10/1941) 3. Eugênia Maria Barbosa de Oliveira (Geny) (b.05/08/1914;d.24/06/2002) sp: Jacyntho Coelho Branco (b.05/04/1915;m.03/05/1944;d.27/09/1975) 3. Bel. Tarquínio José Barboza de Oliveira (b.18/09/1915;d.26/12/1980) sp: Margarida Maria Barbosa de Oliveira (b.23/09/1915;m.15/07/1941;d.28/07/2003) 3. Lucy Maria Barbosa de Oliveira (b.17/11/1917;d.Abt 03/05/1980) sp: Bel. Mário Arantes de Moraes (b.09/12/1916;m.30/12/1939;d.18/11/1975) 3. Roberto José Barboza de Oliveira (b.19/09/1919;d.08/09/2013) sp: Maria Lúcia Martins (m.12/07/1947;d.22/07/2010) 3. Maria José Barbosa de Oliveira (