ERNANI .~ORNARI
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BIBLIOTECA DO EXERCITO
ERNANI FORNARI (DADOS BIOGRÀFICOS) Ernani IGuaragna) Fornari nasceu na cida...
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ERNANI .~ORNARI
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BIBLIOTECA DO EXERCITO
ERNANI FORNARI (DADOS BIOGRÀFICOS) Ernani IGuaragna) Fornari nasceu na cidade de Rio Grande (RS) a 15 de setembro de 1899, filho de Aristides Fornari e Maria do Carmo Guaragna Fornari, sendo o mais velho de quatro irmãos (Ernani, Otelo, Fausto e Norma). Extremamente pobre em seus primeiros anos, fez com dificuldade os primeiros estudos, iniciados na cidade onde nasceu e conc1u idos em Garibaldi e Porto Alegre. Posteriormente matriculou-se na Faculdade de Direito de Pelotas, cujo curso não logrou concluir. Antes de ingressar na imprensa como jornalista - onde deu seus primeiros passos n3 literatura - Ernani Fornari dedicou-se ao desenho e à ilustração, assinando seus trabalhos profissionais com os pseudônimos de Xisto, Fabius e Neno leste último, seu apelido familiar). Em 1923, quando estava para incorporar-se à equipe redacional do Correio Mercantil, de Pelotas, onde dirigiu a Biblioteca PÚblica, Fornari publicou seu primeiro livro de poesias, em Porto Alegre - O Missal da Ternura e da Humildade - logo saudado como revelação pela critica literária rio-grandense. Mais tarde, entre 1925 e 1935, dirigiu, na capital do Estado, a revista Máscara, e trabalhou em diversas revistas e jornais gaúchos, como O Diário, Revista do Mês, Diário de Noticias, Jornal da Manhã, Revista do Globo etc. No dia 30 de abril de 1925 casou-se com a srta. Lorena de Aguiar Pereira, de Santa Vitória do Palmar, que lhe deu dois filhos: Zoé 11926) e Claudio Rubens (1927). Em julho de 1935 Ernani Fornari mudou-se para o Rio de Janeiro. Na então Capital da República, paralelamente com as funções de Secretário da Agência Nacional, cola-
o"INCRíVB~' PIDRB LINDBLL DBMOVRI SEGUNDA EDIÇAO
BIBLIOTECA DO ExERCITO EDITORA
Publ icação 537
COLEÇAO GENERAL BENfclO
Volume
224
Chefe da Seção de Publicações Sebastião Castro © Lorena Pereira Fornari Porto Alegre - RS CAPA: Maria Luiza Ferguson REVISÃO: José Carlos da Silva (Reg. Prof. n9 4.026) Josefina Helena de T. Carneiro· (Reg. Prof. n9 29.838) DIAGRAMAÇAO: Hyrmo F. Costa ARTE-FINAL: J. Ricardo R. Costa
M929f
Fornari, Ernani - 1899 - 1964 O "Incrível" Padre Landell de Moura: história triste de um inventor brasileiro / Ernani Fornari. - 2 a ed. - Rio de Janeiro - Biblioteca do Exército, 1984. p.: iI. - (Bib.lioteca do Exército; 537. Coleção General Benício; v. 224) ISBN 857011 082 O 1. Moura, Roberto Landell de, 1861-1928. COO 925 CDU 92
Direitos cedidos à Biblioteca do Exército para esta edição Impresso no Brasil 2
ERNANI FORNARI
o INCRíVE~J PADRE LANDELL DEMOUBA II
SEGUNDA EDiÇÃO
m BIBLIOTECA DO EXÉRCITO EDITORA
Rio de Janeiro - RJ 1984
BIBLIOTECA
DO
EXI:RCITO
FUNDADOR, em 17 de dezembro de 1881 •
Franklin Américo de Menezes Dôria, Barão de Loreto REORGANIZADOR, em 26 de junho de 1937. e fundador da Seção Editorial
Gen Valentim a.nleio da Silva DIRETOR
Cei Inl Aldilio Sarmento Xavier SUBDIRETDR CIII Art Sady Nunes CONSELHO EDITORIAL
Militares: Ten Brig Ref Nelson Freire Lavenere-Wanderley nomeado em 17 de abril de 1980 Gen Di... Ref Francisco de Paula e Azevedo Pondê nomeado em 10 de outubro de 1973
Gen Di... Ref Jonas de Morais Correia Filho nomeado em 10 de outubro de 1973
Cei Prof Celso José Pires (Relator deste Livrol nomeado em 7 de fevereiro de 1980
CMG R/Rm Max Justo Guedes nomeado em 17 de abril de 1980
Ten Cei Inl Pedro Schirm8r nomeado em 11 de outubro de 1977
Ten Cei R·' Carlos de Souza Scheliga nomeado em 25 de abril de 1975
Civis: Prof Pedro Calmon Moniz de Bittencourt nomeado em 28 dê maio de 1975 Prof Francisco de Souza Brasil nomeado em 10 de outubro de 1973 Prof Ruy Vieira da Cunha nomeado em 10 de outubro de 1973 Biblioteca do Exército - Palácio Duque de Caxias - Praça Duque de Caxias. 25 _ Ala Marcrlio Dias - 39 andar - Centro - RJ - CEP 20455 - Tels.: 283-0773. 283-3881 e 283-2078 - Endereço Telegráfico "BIBlIEX"
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APRESENTAÇÁO Injustiçado e incompreendido a seu tempo, como sói acontecer com tantos outros grandes vultos da humanidade, ao Padre Landell de Moura cabe preeminente posição na galeria dos homens ilustres deste pa ís. Não obstante, pouco se divulgou até hoje Sobre a importância de sua contribuição à causa científica brasileira, onde foi extremamente expressiva sua ação pioneira no campo da eletrônica e das telecomunicações. Por este motivo, além do valor intrínseco como trabalho de pesquisa biográfica, cumpre inestimável papel esta obra de Ernani Fornari, resgatando, às novas gerações, a saga do grande jesu íta gaúcho. Em verdade, sobrepaira à história da vida de Landell de Moura uma obstinada perseverança em trilhar os difíceis e fascinantes caminhos do inédito. Há 80 anos, Landell de Moura foi tido como lunático ao prever que "as transmissões poderão ser feitas através de um feixe luminoso". Menos de 70 anos mais tarde, entraram em funcionamento os sistemas de comunicação por raio laser, utilizando diodos emissores e, para condução de luz, fios de fibra ótica. Muito antes de Marconi, o padre brasileiro já havia testado o telégrafo sem fio, operando uma transmissão de oito quilômetros ligando dois pontos na Capital paulista. Foi também o precursor da válvula eletrônica, componente essencial para o desenvolvimento da radiodifusão. Ninguém mais indicado que Fornari para traçar a epopéia de Landell de Moura, não só por tê-lo conhecido pessoalmente, mas por ter se tornado, ao longo dos anos, um entusiasta de seu trabalho e imensa criatividade. Não foi por menos que Fornari, ao ver a silhueta esguia e o olhar profundo de Landell, declarou: "Aí vai um homem que viveu, por certo, um romance, ou sofreu uma tragédia, ou carrega consigo o cadáver de um sonho". Mas, na realidade, Landell de Moura não sonhou em vão. Deixou uma obra e um exemplo, e alargou caminhos. São estes caminhos que as comunicações brasileiras nos últimos anos têm procurado sedimentar, ampliando as facilidades que a tecnologia mais atual proporciona para tornar a vida melhor e mais confortável.
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Foram mUitos os desafios enfrentados por Landell de Moura. Assim também são os daqueles a quem compete criar instrumentos e políticas para o desenvolvimento das comunicações - cujas fronteiras são quase ilimitadas -, infra-estrutura fundamental para o crescimento das nações e o bem-estar da sociedade humana. Numa justa e merecida homenagem, embora modesta, a maior instituição de pesquisa científica e tecnológica na área da eletrônica do país - o Centro de Pesquisa e Desenvolvimento da Telebrás, em Campinas, denomina-se Padre Roberto Landell de Moura. HAROLDO CORRIÕA DE MATTOS Ministro das Comunicações
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NOTA PARA ESTA EDiÇÃO A expectativa de um livro e o que representa como participação do seu autor em qualquer campo' do saber humano pode traduzir-se pela época do seu surgimento, como também pode consagrar-se pelo reconhecimento do seu valor nos tempos mais distantes. ~ preciso destacar o que corresponde no processo de criatividade ao trabalho intelectual de um pesquisador e criador. Não há limites para a inteligência, desde que o momento reflexiva do homem esteja dentro do que possa ser definido e não no indefinido. Esta obra - O "Incrível" Padre Landell de Moura - se alicerça e se consubstancia no aspecto da originalidade e na configuração de uma nova realidade, onde, muitas vezes, se confundem o gênio criador e a sensibilidade do sábio que, no rumo da descoberta, se situa como órgão transmissor da genialidade e pelo que expressa para o bem comum. Ernani Fornari nos apresenta um livro cujo tema prinCipal vem a ser a própria obra tecnológica daquele Sacerdote, quase anônimo no seu país, perfeitamente identificado com o subtítulo da Editora Globo de Porto Alegre - "História triste de um inventor brasileiro". Representou, na verdade, uma grande omissão no quadro da ciência brasileira ao exaltar pouco esse nobre pesquisador. A sua qualificação erudita e científica o dignificou pela seriedade do seu acervo de homem superior, ao patentear, nos Estados Unidos, o telefone e a telegrafia sem fio, o transmissor de ondas e os excelentes estudos nessa área, desde 1B93 e repetidas em 1933, neste último ano já no Brasil. As datas transcritas representam mais um título da glória que prevalece na sua contribuição inteligente, bem anterior ao iluminado Marconi. Fornari, utilizando-se de uma linguagem despojada de artifícios tangenciais, faz nascer uma narrativa clara, direta, registrando dados, fatos, fenômenos, comportamentos, num verdadeiro caleidoscópio da luta da vida simples e eficaz de Landell de Moura contra o inconsciente da incultura. As impressões do autor são marcadas, como revivência de
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julgamento, para poder, no momento presente, resgatar a figura humana daquele que mostrou ao Mundo os indeléveis primeiros passos no evoluir da técnica das comunicações. Nesse posicionamento o biógrafo aproximou-se da máxima de Santo Tomás de Aquino: a justiça da ordem e a ordem da justiça, pelo reconhecimento através deste brilhante estudo, que equacionou e demonstrou de modo inequ (voco a vida meritória do personagem central do livro, numa demonstração de que a autenticidade autoriza o dom(nlo integral do saber. O livro é acompanhado de gravuras, esquemas, patentes diversas em fac-símile, em testemunho da autenticidade das citações, consideradas primordiais, levando crédito às fontes e por se tratar da possibilidade de transmitir sons inteligentes, emoldurados pela utilização de um feixe luminoso. Esta obra é, ao mesmo tempo, de caráter épico e de eflúvios afetivos, além de exprimir paradigmaticamente os anúncios das "imprevisíveis perspectivas à civilização e às relações entre os povos", credibilidade já estabelecida e exortada pelas premissas conjunturais deste século. A narrativa episódica, mesmo entremeada dos temas de núcleo científico, não se afasta da redescoberta reconhecida daquele patrício ilustre, muito à frente de seus coevos no alargamento da visão para iluminar o futuro. E o mundo de hoje, no imediatismo dos seus objetivos, parece esquecer que, mesmo na era cibernética, nuclear, tecnotrônica, as tendências da materialização fogem da plenitude de que a matriz da ciência está no pensamento e no desenvolver crescente espiritual do homem, sempre na procura perene de afirmar· a sua criatividade. Talvez ai esteja impl(cita a explicação que distingue os sábios dos sabidos. Preocupa-se o escritor "com devotado empenho querer restituir ao grande sábio rio-grandense - Monsenhor Roberto Landell de Moura - a instância da sua luminosa personalidade". Nobre foi a preocupação da Bibliex em procurar oferecer ao grande público nacional, não somente notícias sobre os inventos de Landell de Moura, mas, fundamentalmente, homenagear a todos os técnicos, pela admiração das técnicas precursoras do sacerdote. Com a publicação deste livro presentifica-se a grandeza dos trabalhos de um sábio brasileiro, humilde e ungido como
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servo de Deus, neste fim de século - primaz da informática sem dúvida, nascente e nutriente das prim(cias dos estudos desenvolvidos em tempos remotos, sugerindo sempre novas perguntas, novas respostas e, sobretudo, permitindo a unidade da cultura, ciência, técnica e tecnologia.
CELSO PIRES
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Monsenhor Roberto Landel! de Moura, aos 54 anos de idade
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à GUISA DE INTRODUÇAO Cabe a um ilustre brasileiro, o Pe, Roberto Landell de Moura. a glória de haver sido o pioneiro da telecomunicação. Nascido em Porto Alegre a 21 de janeiro de 1861. e tendo estudado em São Leopoldo e na Universidade Gregoriana de Roma, vamos encontrá-lo em 1892 no Estado de São Paulo, como pároco de Campinas, onde se dedicava simultaneamente ao seu ministério sacerdotal e aos estudos científicos. Foi ali que deduziu o seguinte princípio: "Todo movimento vibratório tende a transmitir-se na ra· zão di reta de sua intensidade, constância e uniformidade de seus movimentos ondulatórios. e na razão inversa dos obstáculos que se opuserem à sua marcha e produção." Daí partiu para o grande postulado: "Dai-me um movimento vibratório tão extenso quanto a distância que nos separa desses outros mundos que rolam sobre nossa cabeça. ou sob nossos pés, e eu farei chegar minha voz até lá." Pode-se imaginar o escândalo que teria provocado a insólita e audaciosa afirmação no meio inculto em que foi lançada. Entre os anos de 1893 e 1894. vindo de Campinas. apareceu Landell de Moura em São Paulo a sobraçar misteriosos embrulhos em que trazia as peças de um aparelho de sua invenção e fabricação e com O qual. segundo afirmava. poderia falar. sem se utilizar de fios. com outra pessoa a quilômetros de distância. Constituiu um sucesso a transmissão e recepção, sem fio. da palavra falada. a que se seguiu, como noticiou o Jornal do Commercio, do Rio, nova e sensacional demonstração feita do alto da Avenida Paulista para o Alto de Sant'Ana. numa distância de cerca de oito quilômetros, com a presença. entre outras testemunhas. do Consul C. P. Lupton. da Inglaterra. fê de se notar que tal ocorreu mais de um ano antes da primeira e rudimentaríssima experiência de Guglielmo Marconi na primavera de 1895 e seis anos antes do seu primeiro radiograma. Landell de Moura transmitia sons em 1893; Marconi começou a transmitir apenas sinais em 1894; Landell fez suas primeiras transmissões a uma distância de oito quilômetros emissor-receptor; Marconi transmitiu sinais fracos a uma distância de cem metros.
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Desconcertante, porém, a reação popular. Impostor, mistificador, louco, bruxo, padre renegado, herege - foram alguns dos ep itetos que recebeu. Chegou a ser arrombada a porta da sua casa, sendo destru idos o seu laboratório, todos os seus aparelhos e suas "máquinas infernais", como diziam os vândalos fanáticos. Todavia, reconstruindo a sua oficina, consegue obter a patente brasileira n9 3279 "para um aparelho apropriado à transmissão da palavra à distância, com ou sem fios, através do espaço, da terra e da água". Vai, depois, aos Estados Un idos, onde também pretendia patentear os seus principais inventos: a telefonia e o telégrafo sem fios e o transmissor de ondas. Tão revolucionárias eram consideradas, porém, as suas invenções que não se lhe concederiam as patentes desejadas sem a apresentação de um modelo para demonstrações práticas. Foi obrigado, pois, a permanecer três anos nos Estados Unidos, e com grandes dissabores e dificuldades financeiras, para afinal conseguir a 11 de outubro de 1904 a patente do transmissor de ondas (n9 771 917) e a 22 de novembro a do telefone sem fio e do telégrafo sem fio (n9 S 775337 e 775846), cujos fac-similes· este livro publica. Rejeitando sedutoras propostas nos Estados Unidos, regressa ao Brasil para entregar ao nosso governo os seus inventos. Chegado ao Rio, escreve ao Presidente Rodrigues Alves solicitando dois navios da esquadra para uma demonstração pública de seus inventos. Manda ter com ele o Presidente um de seus assistentes a fim de saber a que distância desejava que ficasse um navio do outro dentro da Guanabara. - Distância? Dentro da baía?! ... Não, doutor! Fora da baía, em alto-mar, e à distância máxima que for possível. Assombra-se o enviado palaciano. - Quantas milhas, por exemplo, reverendo? - As que quiserem, ou puderem - afirma com decisão. Meus aparelhos podem estabelecer comunicação com quaisquer pontos da Terra, por mais afastados que estejam uns dos outros. Isto, presentemente, porque, futuramente, servirão até mesmo para comunicações interplanetárias.
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Olhando-o espantado. retruca o oficial-de-gabinete: - Muito bem. reverendo. Farei S. Exa. ciente do que me diz. Chegado ao Palácio. transmite sua impressão ao Presidente da República: - Excelência. o tal padre é positivamente maluco. Imagine que ele chegou a falar-me na possibilidade de conversar, um dia. com outros mundos... No dia seguinte um telegrama gentil da Presidência da República informou ao grande brasileiro não ser possível, no momento. lamentavelmente. atender ao seu pedido, devendo ele. para isso. aguardar a oportunidadel. Era demais! Diante da negativa mal disfarçada e da campanha de descrédito que se lhe moveu, profundamente abalado e desiludido, num impeto insopitável, quebra os seus aparelhos, encaixota os seus livros, cadernos e documentos, e vai dedicarse exclusivamente ao seu sacerdócio no interior do país. Decorrido o prazo de 17 anos, que marca a lei das Patentes, põem os estadunidenses em prática as teorias do sábio brasileiro... Houvesse o Presidente Rodrigues Alves atendido ao pedido de Landell de Moura!. .. Um navio de guerra brasileiro ancoradO na Guanabara e outro em alto-mar, bem longe - como ele queria - a permutarem, pela primeira vez, mensagens pelo rádio! Que sucesso! Que glória para o Brasill Mas não me devo alongar. Isto e muito mais encontraremos nas paginas deste livro admirável com o qual Ernani Fornari tirou do esquecimento em que por tanto tempo esteve a memória do pioneiro da telecomunicação. E que meditemos com atenção as narrativas e os comentários do Autor, sobretudo no que concerne à grandeza moral, aos sofrimentos atrozes que heroicamente suportou o homem-pincaro que foi Roberto Landell de Moura. EURI"PIDES CARDOSO DE MENEZES
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Aos eminentes homens de ciência CEL ARY MAURELL LÓBO, VI CE-ALMIRANTE ENGENHEIRO MÁRIO DE OLIVEIRA PENNA
e Dr. FLÁVIO NUNES DA SILVA FARO,
o Autor, reconhecido, dedica este livro.
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PREFACIO
Vinte anos de buscas em empoeirados arquivos; vinte anos de fatigantes investigações em São Paulo, no Rio Grande do Sul e no Rio de Janeiro; vinte anos de estudos especializados e de consultas a jornais velhos e revistas antigas; vinte anos a cansar os olhos e os nervos na decifração de documentos, rascunhos e apontamentos quase ilegfveis, deteriorados pelas traças, ou des· botados pela ação da umidade e dos anos - eis quanto exigiu de nós a elaboração desta monografia. E ainda não está completa, infel izmente. O principal, porém, o mais diHcil, aqui está, finalmente, feio to e, de alguma forma, concatenado e exposto. Fizemos o que nos foi poss(vel. O resto virá a seu tempo. Outros investigadores, estamos certos disso, irão completando·a, de agora em diante, da· das as dezenas de documentos relativos às atividades cientrficas do Padre Landell de Moura ainda existentes em mãos de particu· lares e a que, por desconfiança ou excessivo zelo de seus deposi· tários (esses documentos, já agora, devem pertencer à Nação), não tivemos acesso, bem como o crescente interesse que, de uns anos a esta parte, o assunto principiou a despertar nos meios cien· trficos e nacionalistas do Pa (s. Principalmente, depois da publicação de nossos artigos a respeito. Se é bem verdade que, de in (cio, não foram pequenas as nossas decepções diante da indiferença" da incompreensão e, mesmo, da descrença de alguns cientistas e técnicos ilustres em relação às descobertas e invenções daquele clérigo; menores não foram, em compensação, as satisfações que tivemos, mais tarde, com o apoio, os esclarecimentos e a colaboração que passaram a prestar·nos outros técnicos e cientistas igualmente ilustres e de não menor renome e proficiência, entre os quais avultam esses cujos nomes tivemos, com as expressões de nosso reconhecimen· to, a honra de gravar no pórtico deste livro. E se, muitas vezes, vimos, com a assinat,ura de outros, reedi· tado, quase ipsis litteris (e sem citação da fonte, está·se a ver... l, o material que (amos tão laboriosamente colhendo e publicando, ainda a( nos sentimos de alguma maneira recompensados e tam· bém agradecidos. E que compreendemos que, divulgando, embo· 15
ra como resultado de investigações próprias ou de outrem, a vida e as obras do Padre Landell de Moura, esses prestimosos articulistas estavam, a seu modo, colaborando conosco, no sentido de chamar a atenção de nossos patrrcios para o esquecido e genial trsico brasileiro, e, assim, contribuindo para o reconhecimento de seus direitos e maior glória de seu nome. E isso é o que importa, verdadeiramente.
*** Neste ponto, como um corredor que já cumpriu a parte do percurso que lhe cabia na maratona, passamos o archote às mãos de quem queira substituir-nos. ERNANI FORNARI
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INDICE Apresentação. . . . . . Nota para esta edição. À guisa de introdução. Dedicatória . . . . . . . Prefácio. . . . . . . . . .
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PRIMEIRA PARTE Três notícias e um artigo reveladores. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ..
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A verdade começa a aparecer através da mentira consagrada. . . . . ..
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O homem, o padre e o cientista - seu nascimento e o nascimento de suss teorias. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ..
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As primeiras experiências. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ..
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Na América do Norte. . . . . . . . . . . . . . . . • . . . • . . . . • . . . • .. O patriotismo do Padre Landell . . . . . . . . . . . . . . . . . • • . . . • .. O triste destino dos inventores nacionais. . . . . . . . . . . . . . . . . ..
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O sistema de Ruhmer e o sistema de Landell. . . . . . . . . . . . . . . .. Conseqüências de uma recusa e de uma campanha difamatória. . . .. Dois episódios de uma mesma luta. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ..
65 71 75
SEGUNDA PARTE O telefone sem fio , , , . . . . . . . . . . . .. Uma experiência de 1893 repetida em 1933 , . . . . • . . . . . . .. Telegrafia sem fio , , . . . • . . . . . . . . . ..
81 95 101
Transmissor de ondas. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ..
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TERCEIRA PARTE Outros trabalhos do Padre Landell de Moura. . . . . . . . . • . . . . . .. A - Sobre o Elemento R .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. 8 - O Perianto. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ..
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Sobre a influência da circulação em relação a certos estados anormais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. Sobre a mudança da personalidade. . . . . . . . . . . . . . . . . . ..
129 132
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Sobre o fenômeno da reversibilidade sensorial. . . . . . . . . . . .. Sobre a causa das perturbações da vida psíquica ou de relação.. Sobre a enfermidade de Estado, ou nevrose dos dirigentes. Sobre as principais modalidades ou espécies de caráter . Sobre os estados anormais. . . . . . . . . . . . . . . . . . Sobre a analogia existente entre a estenicidade, ou o Elemento R ,e a eletricidade. . . . . . . . . . . . . . . Sobre a indução estênica e a analogia que existe entre ela e a eletricidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. Sobre os efeitos da estenicidade à distância. . . . . . . . . . . . .. Sobre a capacidade dos nossos sentidos e pequenez dos nossos conhecimentos em r~lação ao mundo exterior. . . . . . . O Elemento Universal. ..
A repercussão dos inventos e o reconhecimento ao autor. ....... ......... Obras do mesmo autor. .
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PRIMEI RA PARTE TRI:S NOTl-CIAS E UM ARTIGO REVELADORES Na tarde de 8 de novembro de 1937, ao abrirmos a última edição de A Noite, do Rio de Janeiro, deparou-se-nos o seguinte telegrama, impresso destacadamente, em negrito, corpo 10: PRODIGIOSO! NOVA YORK, 8 (A. P.) - O Com A. T. Brown, do paquete Britannic, pertencente à "Cunard-White Star", comunicou que recebeu com sucesso, em alto-mar, transmissões conjugadas radiofónicas e de televisão. O Com Brown declarou acreditar que tenham sido as primeiras experiências no gênero coroadas de êxito, havendo sua realização tido lugar nos dias 29, 30 e 31 de outubro, depois de o vapor haver deixado Londres, a trinta milhas da terra. Dirigiram as experiências os técnicos da "British Broadcasting Corporation", recebendo em aparelho "Vicant Cadin" e obtendo, com extraordinária clareza, tanto o som quanto a impressão visual. Por feliz acaso, trnhamos sobre nossa mesa de trabalho um outro jornal, esse já bem antigo, La Voz de Espana, que se publicava em São Paulo, em princ(pios deste século. Esse velho exemplar, que trazia o número 28 e era datado de 16 de dezembro de 1900, estampava em suas colunas longo e sensacional artigo assinado pelo Dr. J. Rodrigo Botet, artigo esse que, por tratar de certo misterioso padre, cujos inventos maravilhosos estavam, naquela ocasião, levantando forte celeuma, não só na Capital bandeirante mas ainda na própria Capital Federal, vamos traduzir e transcrever aqui, na (ntegra: O GOURAUDFONIO Um jornal da Capital Federal atribuiu a invenção 19
desse aparelho, que tem a propriedade de transmiti r a voz humana a uma distância de oito, dez ou doze quilómetros sem necessidade de fios metálicos, ao engenheiro inglês Sr. Brighton. O diário a que me refiro está mal-informado. Nem a invenção do sistema de transmitir a palavra à distância é recente nem foi um inglês o primeiro sábio que resolveu satisfatoriamente esse árduo problema, que envolve os mais intrincados prindpios Hsico-qu (micos que podem oferecer-se à ciência humana. O que primeiro penetrou e descobriu os grandes segredos da telúrica etérea com glória e proveito, faz pouco mais ou menos um ano, foi um brasileiro, foi o meu nobre e sábio amigo o Rev. Padre Roberto Landell. Porque acompanhei passo a passo o estudo de seus inventos sobre telegrafia e telefonia, com e sem fios; porque fui testemunha presencial de várias experiências, todas de prodigiosos resultados; e porque tive a honra de me ocupar do sábio e de suas eminentes obras em dois artigos publicados em EI Diario Espano/' de São Paulo, artigos que mereceram a honra de ser reproduzidos no Rio em o Jornal do Commercio; por tudo isto, julgo-me obrigado, agora, a sair em defesa do direito de prioridade que assiste ao benemérito brasileiro Rev. Padre Roberto Landell, no que tange à transmissão da palavra falada sem necessidade de fios. Antes desse virtuos(ssimo apóstolo da religião e da ciência, ninguém, absolutamente ninguém, fez algo de prático em telefonia aérea sem cabos, servindo-se só e só de t.tores aquosos, terráqueos e aéreos. O Rev. Padre Landell foi o primeiro a construir seu magnifico telefônio, sem precisão de fios, para transmitir a voz, as notas musicais e os ru(dos apenas sens(veis ao ouvido, tais como O tique-taque do relógio, a grandes distâncias. A telefonia aquática e subterrânea, e bem assim o Teletiton, espécie de telegrafia fonética, sem emprego de fios metálicos, são obras de imarcesdvel glória, e a prioridade delas pertence ao referido sábio brasileiro.
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A segunda página do jornal La Voz de Espana, na qual se vê, assinalado, o artigo do Dr. J. Rodrigo Borer. As correções que constam do mesmo são do próprio ounho do P. Landell de Moura.
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o Telauxiofônio, a quinta-essência da telefonia com fios em virtude do vigor e da clareza com que transmite a voz articulada a grandes distâncias, os físicos europeus e norte-americanos transformaram-no num poderos(ssimo auxiliar do "Teatrofônio", ou seja: do "Telefônio Alto-falante". Mas é de mister advertir que eles adotam um aparelho receptor da .nota musical ou som articulado para cada instrumento dos que compõem a orquestra, enquanto o sábio brasileiro, deixando muito atrás os seus colegas estadunidenses, só precisa de um aparelho receptor, ainda que sejam muitos os instrumentos musicais e as vozes cantantes em concerto. . O mérito cresce de ponto, em se considerando que os inventores europeus e americanos dispõem de operários mecânicos inteligentrssimos, e de fábricas e laboratórios onde escolher as peças que a feitura de seus mecanismos requer. O Rev. Padre Landell tem de conceber e executar ele mesmo os aparelhos, sendo a um só tempo o sábio que inventa, o engenheiro que calcula e o operário que forja e ajusta todas as peças de complicad(ssimos mecanismos. Essa última conquista cientrfica, que, fazendo prod (gios de habilidade e dando provas da mais remontada sabedoria, conseguiu alcançar o Rev. Padre Landell, constitui notabil (ssimo cap(tulo de progressos frsico-mecânicos, capaz de eternizar o nome de seu inventor. Mas acontece que o humilde sacerdote se fecha em sua modéstia habitual, e - em vez de dormir sobre os louros que, por justos e bem merecidos, lhe tributam os poucos amigos e admiradores que tem a seu lado, capazes de compreender o sábio e avaliar o valor de seus inventos - trabalha sem cessar, para honrar cientificamente a Pátria e glorificar O nome que carrega. Bem haja o grande frsico-qu(mico brasileiro, que deu ao estudo e à resolução dos mais profundos problemas frsico-qu(micos o fruto inteiro de sua vida, e aos 39 anos de idade descobre novas leis relativas a esse fluido lev(ssimo que enche o espaço universal, enfeixando-as e ordenando-as com precisão matemática den22
tro de sua soberba e bel (ssima teoria, por ele mesmo denominada "telúrico etérea", como resultância de seu ass(duo estudo acerca da "unidade das forças trsicas". Dessa descoberta fez derivar o sábio brasileiro as surpreendentes invenções que há pouco citei, e a' História desta terra, um dia, o consagrará, quando o tempo e os fatos justificarem o imenso mérito de suas obras maravilhosas. Seja-me permitido, agora, consignar nestas colunas os mui felizes resultados que obteve, faz seis meses, meu Rev. amigo Padre Landell, experimentando no Alto de Sant'Ana, na presença do Cônsul britânico, Sr. C. P. Lupton e outras muitas pessoas, diversos aparelhos de telefonia e telegrafia com e sem fios, tudo como constam das "várias" do Jornal do Commercio, do Rio, dos dias 10 e 16 de iulho deste ano. Mas quantos e que cruéis sacritrcios de tempo, de dinheiro e de saúde custam ao Rev. Padre Landell as suas invejáveis conquistas cientrficas! Quantas e que amargas decepções experimentou, ao ver que o Governo e a Imprensa de seu PaIs, em lugar de o alentarem com o aplauso, incentivando-o a prosseguir na carreira triunfal, fizeram pouco ou nenhum caso de seus notáveis inventos! Se o Rev. Padre Landell houvesse nascido na Inglaterra, Alemanha ou Estados Unidos, tão logo as suas tentativas de telefonia' sem fio demonstraram o bom caminho em que o sábio inventor havia colocado os termos resolutivos de seu grande problema, Governo, Imprensa, banquei ros e Povo, como sucedeu na Espanha há alguns anos com o submarino Peral, ter-se-iam apressado em prestar-lhe todo o gênero de recursos, até que chegassem a uma feliz conclusão as suas descobertas cientrficas. Mas o Rev. Padre Landell é brasileiro, e do Brasil já disse o famoso naturalista Agassiz que "tudo é grande, menos os homens", frase que, ao pronunciá-Ia eu perante ele, em tom de queixa, pelo esquecimento ou pouca atenção que os compatriotas prestavam a seus prodigiosos inventos, foi imediatamente contestada, com a bondade angel ical que o caracteriza,
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e com a expansão franca e cordial tão peculiar aos filhos do Rio Grande do Sul, mais ou menos nestes termos: - "Não, meu amigo, não é de todo certa a apreciação do naturalista, e ainda meno~ aplicando-a no meu caso pessoal. Asseguro-Ihe que não só o Brasil é grande pelas galas e riquezas que Deus lhe deu, mas também seus filhos o são. Acontece que os brasileiros, com raras exceções, não têm toda a capacidade cientrfica necessária para me acompanhar nas diversas fases que revestem o estudo e a resolução dos complicados problemas que tenho nas mãos. E óbvio que aqueles que não compreendam bem uma razão cientrfica não possam enquadrá-Ia em seu justo mérito, nem tampouco aplaudir-me e ajudar-me com recursos para prosseguir no estudo e no trabalho. Com certeza, supõem que vivo sonhando entre utopias cientrficils de utilidade aparente. Tenho, entretanto, a consoladora esperança de que, em curto interstrcio, minhas obras cientrficas brilharão como o sol do meio-dia, em virtude da sorte de outros inventores que, mais afortunados do que eu, irão descobrindo os meus próprios inventos, concebidos e executados por minhas próprias mãos no silêncio de minha pobre e reduzida oficina, onde a ciência manda e a experiência executa, antes de os sábios da ~uropa e da América darem forma tang(vel, útil, e aplicação pública a obras iguais ou similares ãs minhas. Bem sei que, em coisas de ciência, o que avança em relação ã sua época, não deve esperar justiça dos contemporâneos. O que desejo é que o fruto de meus estudos se traduza em proveito e glória de minha Pátria, e em holocausto ao Deus Supremo, que me inspira em minhas investigações e me ilumina com suas divinas luzes para penetrar e ordenar, ã minha maneira, esses fatores interessantfssimos da Criação, que nos ligam aos outros planetas, estabelecendo comunicação entre as esferas mais remotas e as entranhas da terra que pisamos. Só por isso, dou-me por bem recompensado das pesadas vigOias, do contrnuo trabalho e das infinitas
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penúrias que me custam as invenções que você e alguns íntimos amigos conhecem pormenorizadamente, e o público somente por alto." Julgue o Brasil, agora, seu eminente filho e avalie suas notáveis obras. Ainda que a pessoa e a fama do Padre Landell de Moura fama um tanto confusa e lendária, diga-se em tempo - não nos fossem desconhecidas, a leitura desse artigo deixou-nos vivamente impressionados, e, ao cotejá·lo com o texto do telegrama inicialmente transcrito, sentimo-nos subitamente assaltados por um pensamento inquietante: Estariam o Padre Landell de Moura e o Brasil sendo furtados em sua glória? Já agora, cheios de ansiedade, di rigimo-nos imediatamente ao arquivo do Jornal do Commercio e, excitados, pusemo-nos a manusear a coleção relativa ao ano de 1900. E lá estavam efetivamente, nos dias 10 e 16 de junho (não "de julho", como consta do artigo), as "várias" citadas pelo en· tusiasta e indignado Dr. Botet, confirmando o êxito das demonstrações cientrficas do padre, que, possivelmente por ser espanhol o correspondente desse jornal, em São Paulo (talvez o próprio Dr. Botet), é mencionado apenas com o sobrenome materno: Landell. Assim está redigida a "vária" do dia 10: "No domingo próximo passado, no Alto de Sant' Ana, cidade de São Paulo, o Padre Roberto Landell fez uma experiência particular com vários aparelhos de sua invenção, no intuito de demonstrar algumas leis por ele descobertas no estudo da propagação do som, da luz e da eletricidade, através do espaço, da terra e do elemento aquoso, as quais foram coroadas de brilhante êxito. Estes aparelhos, eminentemente práticos, são, como tantos corolários, deduzidos das leis supracitadas. Assistiram a esta prova, entre outras pessoas, o Sr. P. C. P. Lupton, representante do Governo Britânico, e sua família." Diz a "vária" do dia 16 de junho:
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"Ao Sr. P. C. P. Lupton dirigiu o Padre Roberto Landell a seguinte carta: "Conquanto sejam muitos os aparelhos que tenho imaginado para demonstrar algumas leis, em parte desconhecidas pelo mundo científico, as quais foram por mim descobertas no estudo da propagação do som, da luz e da eletricidade, através do espaço, da terra e do elemento aquoso, todavia, por falta de recursos e de bons mecânicos de minha inteira confiança, apenas cinco serão exibidos, a saber: o 'Telauxiofono', o 'Caleofono', o 'Anematofono', o 'Teletiton' e o 'Edifono', todos deduzidos, como tantos corolários; das leis supracitadas. "Estes aparelhos são eminentemente práticos e podem desde já prestar bons serviços. "O 'Telauxiofono'* é a última palavra, a meu ver, sobre telefonia com fio, não só pelo vigor e inteligibilidade com que transmite a palavra, mas também porque, com ele, se obtêm todos os efeitos do telefone 'alto-parlatore' e do 'teatrofone', com esta notável diferença, que, tratando-se da teatrofonia, é bastante um só transmissor por maior que seja o número dos concertantes.* * Além disso, com o 'Telauxiofono', o problema da telefonia ilimitada tornar-se-á uma realidade prática e económica. "O 'Caleofono', como o precedente, trabalha também com fio, e é original porque, em vez de tocar a campainha para chamar, faz ouvir o som articulado ou instrumental. E mu ito apropriado para os escritórios. ***
"O 'Anematofono', com o qual, sem fio, obtêm-se todos os efeitos da telefonia comum, porém com muito mais nitidez e segurança, visto funcionar ainda mesmo com vento e mau tempo. E admirável este aparelho, pelas leis inteiramente novas que revela, .. Nesta mesma "vária", este aparelho aparece com as denominações de "Telouxiafono". "Teloxiafono" e 'Telauxiofone". .... O moderno microfone! lO . . .
O atual "Telespeaker"!
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como, outrossim, o que se segue. "O 'Teletiton', sorte de telegrafia fonética com o qual, sem fio, duas pessoas podem-se comunicar, sem que sejam ouvidas por outra. Creio que com este meu sistema poder-se-á transmitir, a grandes distâncias e com muita economia, a energia elétrica, sem que seja preciso usar-se de fio ou cabo condutor. (O grifo é nosso.) "Disse 'com este meu sistema' porque não faço uso de nenhum dos aparelhos ou das peças até hoje imaginadas para este fim como bem para a cabal resolução do magno problema da telegrafia sem fio. "O 'Edifono', finalmente, serve para dulcificar e depurar das vibrações parasitas a voz fonografada, reproduzindo-a ao natural. Este aparelho tornar-se-á o amigo inseparável dos músicos compositores e dos oradores. "São estes os aparelhos que ~erei a subida honra de apresentar a V. Ex~, os quais cederei de bom grado a quem mais vantagens me oferecer; caso, porém, as propostas que porventura me forem feitas não compensem os imensos sacrifrcios que tenho feito, nem sejam adequadas aos lucros que os proponentes poderão haurir destes aparelhos, desde já declaro oficialmente a V, Ex~ que farei deles doação ao Governo Britânico ou a qualquer Instituição Universitária, a fim de que, com o fruto da exploração dos mesmos, abram, na Inglaterra, duas casas para amparo e educação dos filhos e das filhas desses bravos que têm sucumbido nos campos dessa terrlvel pugna anglo-transvaaliana, com a condição que me dêem o necessário para viver e para continuar com os meus estudos e experiências cientificas." Embora com a leitura dessas duas "várias" e do artigo do Sr. Botet, parte de nossas dúvidas se tivesse dissipado de nossa mente, com relação à existência real dos aparelhos mencionados, ficaram-nos ainda, em virtude de nosso total desconhecimento da matéria, muitas e muitas outras, teimosas ou tlmidas, relativamente à prioridade dos inventos enunciados e à autenti27
cidade das leis por ele formuladas. Afinal de contas, até aquele momento, tudo, ali, não passava de simples notícias e artigos de jornais apenas informativos sem nenhuma autoridade científica, não obstante a austeridade dos órgãos que os estampavam e a honestidade e a sabedoria, por nós não ignoradas, do signatário da surpreendente carta. Tudo isso, entretanto, se, pelo lado histórico-científico, estava a exigir de nós investigação aprofundada daquela affaire, pelo lado afetivo e humano, a curiosidade e o respeito que votáva· mos à sua memória pediam-nos uma explicação para a duplicidade de atitudes existente entre as palavras que o Sr. Botet atribu ía ao Padre Landell de Moura, no final de seu artigo, e as que constavam da segunda parte da carta endereçada ao Sr. Lupton. Em verdade, na carta de junho, em cujas entrelinhas transparece, senão irritação, um grande desencanto da terra natal, víamos um Cientista-Padre oferecer, mediante condições, a um país estrangeiro, cinco de seus inventos; no artigo do Sr. Botet, escrito cerca de sete meses após, víamos um Padre-Cientista, desprendido, cheio de cordura, de compreensão e de piedade, numa comovente profissão de fé patriótica, dar-se "por bem recompensado" por Deus, e desejar que o fruto de seus estudos se traduzisse em proveito e glória de sua Pátria. Que teria arrastado o generoso Padre Landell de Moura a tomar a decisão - desesperada, diríamos nós - de despojar-se de seus próprios inventos e ir doá-los a um país estrangeiro ou às suas instituições? Que fatos posteriores t~riam determinado a não entrega dos mesmos? O desinteresse da Inglaterra pela doação? Pouco compensadoras as propostas recebidas? Falta de licitantes para seus aparelhos? A reconsideração de seu gesto, com a retirada pura e simples da oferta? Por quê? Caíra em si o bom padre e arrependera-se em tempo? Somente o conhecimento completo e profundo de sua vida e de suas obras, de seu caráter e de sua sensibilidade, dos acontecimentos em que se vira envolvido e as circunstâncias em que os mesmos se haviam desenrolado, poderiam dar-nos resposta satisfatória a tantas perguntas intranqüilas. E decidimos, então, de aí em diante, interessar-nos, com real e fervoroso empenho, pelo Padre Landell de Moura, no sentido de averiguar, definitivamente, e em primeiro lugar, o que
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havia de verdade verdadeira em todas as fabulosas histórias que, sobre sua pessoa e prodigiosos inventos, nos habituáramos, desde menino, a ver comentadas e debatidas, não apenas nos serões familiares, mas também nas rodas de Café de nossa cidade natal, num desafio à nossa curiosidade sempre adiada.
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A VERDADE COMEÇA A APARECER ATRAVEs DA MENTIRA CONSAGRADA
Hav ramos conhecido de perto o Padre Roberto Landell de Moura. Muitas e muitas vezes, ao vê-lo, soturno, o poncho-pala claro enrolado ao pescoço fino, mãos nos bolsos da leve batina bem talhada, passar naquele seu andar de assombração pela calçada oposta à de nossa casa (no inverno, o sol batia somente na calçada oposta, e o magérrimo padre gostava de lagartear), atravessáramos a rua, a correr, para tomar-lhe a bênção em troca de "santinhos' . Mais tarde, já em 1921, palestramos várias vezes em grupinhos polrticos e literários, e fizemo-nos amigos. A despeito disso, porém, nunca pudéramos arrancar-lhe qualquer palavra acerca dos boatos que corriam a seu respeito, nas diver' sas ocasiões em que tentáramos fazê-lo. Ele esboçava um gesto indefinrvel, com a mão comprida e descarnada, e encerrava o assunto com esta frase cortante: - Aguas passadas... E mais não dizia. Foi somente depois de ele haver batizado nossa filha que prometemos a nós mesmos (mu.ito vagamente, aliás) violar, um dia, seu teimoso silêncio, fazendo com que aquelas misteriosas "águas passadas" retornassem ao antigo manancial, para, captadas e canaltzadas, irem irrigar o seco 'e tão vilipendiado campo cientrfico do Brasil, e alimentar novas fontes para os sequiosos de saber. Esse dia chegou, finalmente. Embora há muito já lhe tenha a morte selado os lábios para sempre (para sempre?), havemos de fazer com que sua voz seja ouvida por todos os brasileiros, principalmente pelos jovens, para que seu exemplo de renúncia, de dedicação ao trabalho, de amor ao estudo, de sacritrcio à ciência e de devoção a Deus e à humanidade, seja estrmulo, força impulsionadora para quantos, desajudados da fortuna, negados pelos ignorantes, perseguidos pelos invejosos, ironizados pelos medrocres, infamados pelos pseudo-eruditos, ou crucificados pelos estúpidos, fanáticos e incréus, tenham coragem bastante e a necessária força de vontade de desejarem ser grandes, úteis, altru rstas e sábios. Estimulados por tais propósitos, metemos mãos à obra e 31
passamos a mover céus e terras, na caça fatigante de documentos, no penoso trabalho de localizar testemunhas idôneas e informações fidedignas que nos ajudassem a descobrir aquele segredo que se ocultava sob uma crosta de quase cinqüenta anos de silêncio. Depois de uma interminável série de indagações, pesquisas e até súplicas e impertinências, eis que a sorte nos brinda com uma surpresa: membros da família do Padre Landell de Moura, sabedores de nosso intento, confiam-nos o que ainda resta de seu precioso arquivo. E aqui nos encontramos hoje, para revelar uma das mais gloriosas e tristes histórias que já houve em nossa Pátria tão desagradecida. .
••• Mas - perguntar-se-á - quem era, finalmente e em real i· dade, esse Padre Roberto Landell de Moura, que conseguia inspirar a um técnico estrangeiro, a par de tão exaltada admiração, tão amargas e pessimistas considerações, e censuras tão candentes aos brasileiros que se negavam a reconhecer-lhe o valor? Que é feito desses inventos de que falam o tal artigo e as "várias" do Jornal do Commercio de 1900? A pergunta não surpreende. Pouqu íssimos jovens brasileiros, em nossos ginásios, ignoram quem foi Guilherme Marconi. Entretanto, não há, talvez, dois milhares de brasileiros adultos que saibam, ex ata ou aproximadamente, quem foi o Padre Roberto Landell de Moura, ou já tenham, mesmo, algum dia, ouvido ou lido esse nome. E um anônimo entre milhões de patrícios anônimos. Um nome que a maldade e a incompreensão procuraram apagar da terra, que tanto foi beneficiada pelo seu altíssimo gênio. Esse nome, no entanto, já foi um dia conhecido e vitoriado nos meios científicos de vários países estrangeiros, como o de um dos maiores benfeitores que a humanidade já teve. Chegou o momento, porém, de fazer justiça e de resgatar esse crime de lesa-pátria que o passado nos legou como vergonhosa herança. Estamos numa hora de renovação nacional, em que o Gigante deitado já se espreguiça e procura levantar-se de seu berço esplêndido. Já o prestígio das coisas importadas vai
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perdendo um tanto do valor absoluto, quase supersticioso, que sempre lhes emprestamos, e vamos vendo-as dentro de sua realidade relativa, dentro de seus méritos contingentes, condicionais. Chegada, pois, a ocasião de arrancar do esquecimento e da ingratidão dos homens - principalmente da ingratidão dos brasileiros - a memória do Padre Roberto Landell de Moura, reivindicamos para nós, para o Rio Grande do Sul, para o Brasil, algumas das maiores conquistas cientificas dos tempos modernos, no campo da eletricidade: a Lâmpada de 3 electr6dios, a Telefonia sem fio e a Telegrafia sem fio, afora outras de menor importância, como o Microfone moderno, o Telespeaker etc. Não faltará quem veja nessa nossa afirmação, de tão repentina e categórica que ela é, senão uma ris (vel manifestação chauvinista, pelo menos um produto de rematada ingenuidade, quando não de leviandade e ignorância, pois é por demais sabido que foi o italiano Guilherme Marconi o primeiro a transmitir, sem fios, mensagens à distância. Isso é o que quase todos garantem. No entanto, não é bem assim. Bastante contestável é a prioridade de Marconi em transmissões desse gênero, et pour cause. mais discutlvel ainda a originalidade de sua descoberta, baseada toda ela, como se sabe, nas ondas elétricas de Hertz. Não levando em conta as experiências de Henry, Hertz, sir Lodge, Branly, Righi (o mestre de Marconi e, possivelmente, causa da ida precipitada de seu disc(pulo para a Inglaterra, onde foi patentear "sua" invenção, depois de seu pa(s ter-se recusado a aceitá-Ia... l. antes de Marconi um outro já havia transmitido mensagens a distância, e sem fios, com resultados práticos positivos: o nosso patr(cio Padre Roberto Landell de Moura! Realmente, não. obstante explorar um campo diferente o das ondas luminosas - foi o desconhecido cientista brasileiro Padre Roberto Landell de Moura - reafirmamos - o primeiro e o verdadeiro realizador do T. S. F., além de haver sido o mais original. Longe de querermos apequenar o "concurso" de Guilherme Marconi nesse setor - o que seria tarefa inglória a par de vã, já agora - manda a verdade que se diga que ele foi apenas o primeiro a patentear o Telégrafo sem fio (e com que presteza o
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fezl), realização essa que, ainda a negar-se ser de Landell de Moura, não só pela data das patentes, mas também em virtude dos sistemas empregados por este, ainda assim não seria exclusivamente de Marconi. A glória dessa extraordinária realização deverá ser, de justiça, dividida, principalmente, com o grande f(sico francês Edouard Branly. Que estudioso dos fenômenos electromagnéticos desconhece, hoje, que Branly fez, em 1885, na Universidade Católica de Paris, as primeiras experiências sobre os efeitos das centelhas em circuitos fechados? Quem ignora que Marconi, aproveitando-se sagazmente dessas experiências, como utilizando-se do radiocondutor, ou coesor, descoberto pelo mesmo Branly em 1890, quando este o comunicou à Academia de Ciência, de Paris (e sem o qual teria sido imposs(vel a realização do Telégrafo sem fio), bem como do gerador de Hertz e do receptor de Popoff, ampliou apenas o raio de ação das transmissões sem fio, dando-lhe a aplicação prática da transmissão e recepção dos sinais elétricos - seu essencial e grande mérito - resultado, aliás, a que fatalmente teria chegado o próprio Branly, não fora a rapidez um tanto suspeitosa com que Marconi patenteou seu aparelho. Ora, sabe-se que foi somente em 1895, com a idade de 21 anos apenas, que Marconi fez a primeira dissertação sobre telegrafia sem fio. Sabe-se que o ainda quase adolescente f(sico italiano patenteou sua descoberta (Patente nC? 12039) logo no ano seguinte, a 12 de setembro de 1896, na Inglaterra, para onde, como já foi dito, tão inteligentemente sé transferira. Sabe-se também que seu célebre primeiro radiograma, passado em março de 1899 - ou seja cerca de três anos após a obtenção da pàtente! foi dirigido precisamente a Edouard Branly, em reconhecimento à "contribuição" do velho sábio francês à sua portentosa invenção, que, em verdade, consistia apenas em um pequeno dispositivo detector magnético, substitu (do, de resto, três meses depois de seu aparecimento, pelo detector electrolrtico, de origem alemã ... Sabem-se, finalmente, os termos dessa mensagem, em cujas entrelinhas mal se disfarça certo sentimento de culpa tentando sufocar o grito da consciência: Marconi envia a "Mon-
sieur" Branly seus respeitosos cumprimentos, através da Mancha, sendo estes brilhantes resultados devidos em parte à sua obra.
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Isto esclarecido, saiba-se agora que as primeiras experiências de transmissão e recepção sem fio, efetuadas com pleno êxito pelo nosso patr(cio Padre Roberto Landell de Moura, experiências essas baseadas nas ondas landellianas, de que falaremos mais adiante, tiveram lugar entre os anos de 1893 e 1894! Saiba-se mais que, se seus inventos só foram patenteados, um em 1900, e outros mais tarde - o que lhe tirou apenas a prioridade cientifico-oficial - deve-se isso exclusivamente às desumanas perseguições de que foi vitima aquele eminente clérigo, e às sérias dificuldades financeiras com que lutou em toda a sua existência. Entretanto, para que se tenha uma idéia do quanto os conhecimentos do Padre Landell de Moura, já nessa época, estavam avançados no campo da telecomunicação, é suficiente saber-se que de sua Patente submetida ao julgamento do The Patent Office, de Washington, em 1901, já consta, como demonstraremos na segunda parte deste livro, a recomendação do emprego das ondas curtas para aumentar a distância das transmissões! E Guilherme Marconi, a tudo isso? Ah! este insistia em declará-Ias completamenté inúteis na prática, para somente vinte anos mais tarde, em 1924, reconsi· derar seu enorme errO (tanto maior quanto quem o cometia era um sábio tido e havido como o inventor do Telégrafo sem fio). dando o que, nos meios radiofônicos, se conhece pelo célebre passo atrás de Marconi. .. Mas, afinal de contas - insistirão os leitores, com justificada curiosidade - quando se dirá quem foi esse tão louvado e ilustre desconhecido Padre Roberto Landell de Moura? Como era ele? Onde nasceu? Onde estudou? Como viveu e de que maneira morreu? E, sobretudo, que resta de .todos os seus propalados inventos? Um pouco de paciência, e lá chegaremos.
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o HOMEM, O PADRE
E O CrENTISTA SEU NASCIMENTO E O NASCIMENTO DE SUAS TEORIAS Em junho de 1933, o Jornal da Manhã, de Porto Alegre, ao iniciar a publicação da tradução parcial das três Patentes obtidas na América do Norte pelo Padre Landell de Moura, tradução essa feita pelo ilustre professor da Universidade Técnica do Rio Grande do Sul, Dr. Egydio Hervé, encabeçava-a com estas expressivas palavras do escritor gaúcho De Souza Júnior, que transcrevemos por bem caracterizarem não s6 sua bizarra figura (diremos mesmo, quase excêntrica figura), mas ainda o clima de lenda e de mistério que envolvia sua marcante e inconfund ível personalidade, e sua vida excepcional de idealista e realizador. Dizia o jornal rio-grandense:
Poucas pessoas, em Porto Alegre, terão deixado de conhecer a figura esguia, enxuta de carnes, que a batina fazia mais alta e mais magra, do Padre Landel! de Moura. Viam-no atravessar as ruas mais centrais da cidade, um pouco curvo, as mãos nos bolsos da batina, o olhar perdido, como num sonho. Mas poucos sabiam e poucos suspeitavam que ali ia um sábio que a América do Norte já consagrara, empare· Ihando-o com Marconi, com Brighton e com Ruhmer. O que todos sabiam é que o ilustre sacerdote tinha "esquisitices". Que andava sempre às voltas com inventos, com estudos complicados e que, do púlpito onde pregava, aos domingos, na Igreja do Rosário, de que era vigário, dizia verdades duras, que não levantavam celeuma, mas que eram verdades e, por isso mesmo, contundiam. Algumas pessoas afirmavam ter ouvido dizer que ele era o inventor do fonógrafo, e não Edison; mas que o sábio americano, só por ser americano, é que passava por autor do grande invento. Diziam outros que a invenção do Padre Landel! de Moura não era o fonógrafo e sim o Telégrafo sem fio, que ele descobrira antes de Marconi. E outras afirmações eram feitas, todas, porém, vagas, em determinados circulas da cidade. Assim também o descreveu o conhecido escritor e poeta porto-alegrense Reynaldo Moura, ex-diretor da Biblioteca PÚblica, de Porto Alegre:
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Aquela batina esguia como a sombra de um duende, aquele deslizar silencioso e m/stico pelos recantos da velha cidade, ou na cripta do templo tranqüilo como uma visão do mundo pacfficante do incenso, davam, à primeira vista, uma impressão forte, mas fugidia 'como a saudade de um romance morto. E assim era, efetivamente. Roberto Landell de Moura não podia passar diante dos olhos de quem quer que fosse, sem neles deixar impressa para sempre a marca visual de sua passagem. Sua figura, singular e sugestiva, riscava indelevelmente o cérebro dos que o contemplavam, atritando imaginações, sugerindo hipóteses fablllosas ou provocando conjeturas melancólicas. Vendo-o, uma só vez que fosse, era-se obrigado a pensar: - Aí vai um homem que viveu, por certo, um romance, ou sofreu uma tragédia, ou carrega consigo o cadáver de um sonho. E era verdade. Vejamos seu sonho, seu romance e sua tragédia: Nasceu Roberto Landell de Moura no dia 21 de janeiro de 1861, na cidade de Porto Alegre, Rio Grande. do Sul, na então Rua de Bragança, hoje Marechal Floriano, numa casa que fazia esquina com a antiga Praça do Mercado, tendo sido batfzado, conjuntamente com sua irmã Rosa, a 19 de fevereiro de 1863, na Igreja do Rosário, de cuja freguesia, anos mais tarde, e até ao falecer, viria a ser o vigário. Era ele o quarto de doze irmãos, sendo seus pais o Sr. Inácio José Ferreira de Moura e D. Sara Mariana Landell de Moura, ambos descendentes de tradicionais famílias sul-rio-grandenses. Remediados e muito religiosos, colocaram-no seus pais no Colégio dos Jesu ítas, em São Leopoldo, localidade próxima da Capital gaúcha, onde' fez os primeiros estudos. Terminado que foi o curso de humanidades, tirado todo ele com excepcional brilhantismo, por volta de 1879 transferiu-se o jovem Roberto para a Corte, onde, segundo uns, se matriculou na Escola Politécnica, e, segundo outros. se empregou num ·armazém de secos e molhados, como caixeiro de balcão. Esse pormenor, sem dúvida importante, foi-nos impossível esclarecer. O que é certo, porém, é que ele já se encontrava, havia alguns meses, na Capital do Império, quando seu irmão
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Guilherme, que ia seguir a carreira eclesiástica, passou pelo Rio de Janeiro, em trânsito para Roma. Essa visita de Guilherme foi decisiva na vida de Roberto. Por influência daquele, Roberto, que era também dotado de fervoroso esp (rito m fstico, decidiu, de repente, abandonar o comércio (ou a Escola Politécnica) e abraçar o sacerdócio - o que ia, de resto, ao encontro dos desejos de seus pais, que sonhavam vê-lo padre. Homem de resoluções prontas e firmes, Roberto segue imediatamente para Roma, em companhia do irmão. Ali ingressa no Colégio Pio Americano, e passa, concomitantemente, a freqüentar a Universidade Gregoriana, na qualidade de aluno de trsica e qu (mica, para o estudo de cujas matérias manifestara, desde criança, a mais pronunciada' incl inação. Diante, porém, de tão repentina deliberação, não é ilógico supor-se que, embora fosse ele sincero na escolha da nova carreira e verdadeira sua vocação para o sacerdócio, Roberto jamais teria ido para Roma se, ao lado do Colégio Pio Americano, não funcionasse uma Universidade Gregoriana. A ciência e a religião, por intermédio da voz de Guilherme, teriam falado Roberto a mesma linguagem sedutora - se é que a primeira não tenha falado mais eloqüentemente. Foi em Roma que o jovem seminarista principiou a conceber as primeiras idéias em torno de suá teoria sobre a Unidade das forças físicas e a harmonia do Universo. Ordenado sacerdote a 28 de novembro de 1886, e, "já de volta para o Brasil, quando viajava de Roma para Paris, um fenômeno muito comum que se observa naquelas regiões, durante o estio, veio confirmar-lhe ainda mais fundamente o ponto de vista que, pouco mais tarde, o levaria às suas prodigiosas descobertas e invenções. Esse fenômeno é o mesmo que se verifica muitas vezes em nosso pa(s, especialmente em nossas cordilheiras, quando o ar, aquecido, parece galopar no espaço - fenômeno esse que também se observa na combustão dos campos". De retorno ao Rio de Janeiro, onde logo se espalhou seu nome comó trsico de valor, foi residir em uma casa de padres então existente no hoje desaparecido Morro do Castelo. Ali permaneceu ele cerca de dois meses, durante os quais, conforme confidenciou, certa ocasião, ao conhecido jornalista porto-ale-
a
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grense Sr. Arquimedes Fortini, nas vezes em que, por motivo de enfermidades do coadjutor do capelão do Paço Imperial, seu amigo, ali servira a pedido deste, mantivera longas palestras de caráter científico com D. Pedro II, que "desde 1856 seguia atento o trabalho dos sábios sobre a transmissão do som": e, dez anos antes, na Exposição de Filadélfia, havia feito a notoriedade e, com isso, a fortuna de Graham Bell, então passando por ser o inventor de um aparelho telefônico... já antes inventado e patenteado por 'Elisha Gray, como o reconheceu, em 1888, o Tribunal Superior dos Estados Unidos... Depois dessa curta estada na Corte, a 28 de fevereiro de 1887, foi o Padre Landell de Moura nomeado capelão do Bonfim e lente de História Universal do vetusto Seminário Episcopal, de Porto Alegre, cargo esse que desempenhou com invulgar capacidade e eficiência. Nomeado em 1891 vigário paroquial em Uruguaiana, demorou-se menos de um ano naquela cidade fronteiriça, sendo, em 1892, transferido para o Estado de São Paulo, onde, em conseqüência, talvez, de seu temperamento de bravo que não recuava diante de insolentes e valentões, de sua palavra candente como um cáustico de brasa sobre as chagas do pecado, do abuso e da impenitência, e de suas atitudes destemerosas contra os maus, os hipócritas e os falsos profetas (a exemplo de Jesus, o Padre Landell de Moura não vacilava em empunhar o azorrague para expulsar os vendilhões do templo), foi, sucessivamente, no curto período de sete anos, vigário em Santos, Campinas e San!'Ana. Era então o Padre Landell de Moura, em realidade, homem violento, destabocado, vaidosp e atrabiliário, como queriam algumas "ovelhas negras" incomodadas com a vigilância do pastor? Não. Era, apenas, um Sacerdote um tanto fora dos padrões comuns. De caráter forte e esp(rito combativo, mas movido de fé consciente e corajosa, forrado de imensa bondade, ele próprio parece retratar-se quando, em um de seus velhos manuscritos, dissertando sobre a orientação que devem seguir os confessores em relação aos penitentes favorecidos por Deus com O dom • Pedro Calmon -
O Rei Filósofo.
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extraordinário da oração de unlao mrstica, assim os descreve: "1) Estas pessoas não pecam mortalmente, nem mesmo venial-
mente, de modo franco e voluntário; 2) embora, às vezes, pareçam soberbas, cheias de si, devido ao seu temperamento e educação, quando se trata da própria pessoa ou são elogiadas por algum motivo, aliás justo, geralmente recebem isso com um certo tal qual indiferentismo se não redundar em proveito das almas ou da glória de Deus, ou se mostram constrangidas; 3) elas não têm apego às honrarias nem às dignidades, embora, geralmente falando, sejam cheias de uma edificante e respeitosa dignidade; não têm amor ao dinheiro nem aos bens caducos desta terra; são sóbrias no comer, no beber e no ocupar-se de sua própria personalidade ou de suas obras; 4) são simples, mansas, delicadas, amorosas, condescendentes, porém cheias de energia e fortaleza quando se trata de combater o erro, a mentira, a sedução, a corrupção e a imoralidade; 5) conquanto amem a modéstia e a humildade, são terrrveis quando se levantam contra a prepotência, o servilismo e o abuso de autoridade; 6) não conservam rancor, perdoam facilmente as injúrias e sentem proful1damente quando, em cumprimento de seu dever, têm de magoar ou contrariar o próximo etc." Assim era ele.
* * * Foi em Campinas, nessa época burgo tranqüilo e devoto, proprcio ao estudo e à meditação, que o Padre Landell de Moura positivou, ou melhor: deu forma definitiva às suas teorias, sobre as quais, aliás, não deixara de refletir um único momento. Ali, pois, atirou-se afoitamente ao trabalho de investigação e apuro. Por fenômenos um pouco complicados que também ali observou, mas de cuja natureza, infelizmente, não nos deixou maiores esclarecimentos (ou perderam-se?), deduziu o seguinte princrpio: Todo movimento vibratório que até hoje, como no
futuro, pode ser transmitido através de um condutor, poderá ser transmitido através de um feixe luminoso; e, por esse mesmo fato, poderá ser transmitido sem o concurso desse agente. Estabelecido este então absurdo princrpio, deduziu imedia41
tamente a lei seguinte: Todo movimento vibratório tende a transmitir-se na razão direta de sua intensidade, constância e uniformidade de seus movimentos ondulatórias, e na razão inversa dos obstáculos que se opuserem à sua marcha e produção. Mas não parou aí o ousado padre. Espírito incontentado, sempre em busca do "mais além", formula então, audaciosamente, o seguinte grande postulado, que foi, talvez, a causa principal de todos os seus sofrimentos, pelo grande escândalo que provocou entre seu inculto rebanho: Dai-me um movimento vibratório tão extenso quanto a distância que nos separa desses outros mundos que rolam sobre nossa cabeça, ou sób nossos pés, e eu farei chegar minha voz até lá. Como? Pois então havia um Ministro de Deus que insinuava a pluralidade dos mundos habitados, com os quais se poderia falar? Esse postulado, que pretendia ser um grande bem, foi o seu grande mal. Era necessário emudecer esse padre herético. Urgia fazê-lo caiar-sei Mas de que maneira? Estrangulando-lhe a voz, antes que ela pudesse chegar até lá. E foi o que procuraram fazer. O que não puderam impedir, entretanto, foi que ela fizesse, pelo menos, uma parte, do percurso. E aí estão hoje as estações de rádio a atestá-lo!
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AS PRIMEIRAS EXPERIÊNCIAS
Quatro anos antes de sua morte, no dia 3 de novembro de 1924, declarava o já então Cônego Penitenciário Landell de Moura a um redator do extinto órgão porto-alegrense Ultima Hora, o qual o entrevistara por motivo da anunciada instalação, pela Rádio Clube Paranaense, de uma emissora de grande potência, em Curitiba: "- Deus serviu-se de minha humilde pessoa para levantar o véu que encobre os segredos da natureza,. porquanto O sistema de radiotelefonia, atualmente em uso, é baseado no princípio da superposição dos movimentos ondulatórios elétricos e na aplicação de uma lâmpada semelhante à lâmpada de Croockes, de 3 electródios, um pouco modificada, e a qual serve tanto para transmitir quanto para receber mensagens telefônicas e telegráficas, sem fio condutor." Realmente, a descoberta desse princípio e a invenção e aplicação dessa lâmpada devem-se exclusivamente ao Padre Landell de Moura, e não somente para esses fins, mas também para outros, todos de grande alcance científico. Ninguém, em verdade, antes dele, jamais se utilizara das ondas (ondas landellianas) emitidas pela lâmpada supramencionada. A glória dessa extraordinária conquista cabe, inteira, integralmente, a ele, pois só em 1907 Lee De Forest apresentava ao mundo sua célebre "Lâmpada de 3 electródios". .. Prossigamos, porém, em nossa descrição: Um dia, vindo de Campinas, surge em São Paulo o Padre Landell de Moura, a sobraçar misteriosos embrulhos que continham as peças de um aparelho por ele inventado e com o qual segundo afirmava - poderia falar com outra pessoa colocada a quilômetros de distância, sem ser necessário fio algum. Apesar da dúvida com que foi acolhida tal afirmação, houve quem nela acreditasse, em princípio. Interessados, pediram-lhe provas. Deu-as o estranho padre - com seu aparelho ainda rudimentar, realizou várias experiências de transmissão e recepção sem fio da palavra falada, coroadas, todas elas, do mais completo e retumbante êxito. Verificou-se isso entre os anos de 1893 e 18941 Essas experiências, algumas das quais levadas a efeito com a 43
finalidade de 'interessar as autoridades e conseguir financiadores para o aperfeiçoamento e exploração industrial de seu invento, tiveram lugar, como já foi dito, na capital paulista, do alto da Avenida Paulista ao Alto de Sant'Ana, numa distância aproximada de oito quilómetros, em linha reta - mais de um ano antes, portanto, da primeira e elementaríssima experiência realizada, por intermédio das ondas hertzianas, por Guilherme Marconi, em Pontéquio, perto de Bolonha, na primavera de 1B95, e cerca de seis anos antes de seu primeiro radiograma...
* * * Vencera o Padre Landell de Moura as distâncias, finalmente, sem, todavia, a despeito de toda a evidência dos êxitos alcançados, conseguir vencer, mais que a incredulidade, a má vontade da maioria de seus patrícios, que, havia já algum tempo, vinham enxergando nele um feiticeiro perigoso. E o drama de sua renhida luta contra o espírito superstici0so e rotineiro da época, ganhou de intensidade e virulência. - Ele é um impostor, um mentiroso, um mistificador I ganiam uns. - E um louco e um bruxo! - vociferavam outros. - E um padre renegado, que tem partes com o Demónio! E, em suma, mais do que tudo isso, para um Sacerdote: - E um esp írita! Se, a princípio, o bondoso padre sorriu superiormente de todos esses disparates e acusações, deixou de sorrir, de repente, quando certa tarde, ao regressar de uma visita a um moribundo, a quem fora ministrar a extrema-unção, encontrou a porta da casa paroquial arrombada e seu interior em completa desordem. Ladrões? Antes tivessem sido ladrões, pois o que ali se passara s6 encontra paralelo nas cenas bárbaras verificadas na Idade Média, durante as perseguições aos feiticeiros: tendo repercutido na cidade a notícia de que havia o padre, dois dias antes, na capital bandeirante, conseguido, através de sua máquina infernal, conversar mais uma vez com pessoas colocadas a quilómetros de distância, meia dúzia de fiéis desvairados, como um bando de energúmenos, havia invadido seu modesto mas precioso laboratório e destruído todos os seus aparelhos, ferramentas e utensílios,
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E nesse trágico dia o sábio padre chorou - chorou "como Jeremias sobre a Jerusalém de tantos sonhos", como no soneto de Raimundo Corrêa, que ele sabia de cor e tanto gostava de recitar. Mas em breve refazia-se do abalo. Não era homem que se deixasse acovardar e vencer, ele que vencera os mistérios da natureza. Dos fios arrebentados, recolhidos aqui e ali, das peças ainda aproveitáveis, peças tão custosamente adquiridas, umas, tão penosamente por ele próprio fabricadas, outras, pôs-se, em segredo, com o aux(lio de alguns amigos fiéis, a reconstruir o seu maravilhoso aparelho, e a trabalhar, com mais afinco, em outras invenções. Em 1900, finalmente, sempre perseguido por toda sorte de vexames e dificuldades financeiras, consegue obter uma Patente brasileira, sob o número 3279, expressamente concedida "para um aparelho apropriado à transmissão da palavra à distância, com ou sem fios, através do espaço, da terra e da água". Terminaram ai suas atribulações? Não. Recrudesceram, embora, já agora, aumentasse à sua volta o número de amigos e admiradores esclarecidos, campineiros ilustres que se envergonhavam do espetáculo aviltante oferecido por um grupo de conterrâneos ignorantes. Mas se o Ministro de Deus perdoava, o sábio não se resignava. Ainda ressentido com a violência de que fora vitima, ainda inconformado com a destruição de seus caros aparelhos, em cuja construção gastara todos os seus minguados proventos e anos inteiros de estudo diuturno e de labor árduo e difrcil, magoado com a hostilidade de uns e a chacota de outros, além da suspeição e do indiferentismo com que era encarado pelas instituições culturais e cientificas, pelas autoridades governamentais e pela maioria dos jornais de seu pais, decide o desiludido sábio brasileiro, num momento de amargor e de indignação compreenslveis e que explicam sua carta de junho de 1900, doar seus inventos ao Gove~no Britânico, depois de uma espetacular demonstração pública de seus cinco inventos, entre os quais seu Telefone sem fio, com que transmitiu e recebeu a voz humana, numa distância aproximada, já agora, de 40 a 50 milhas. Não sabemos que receptividade encontrou nos meios oficiais ingleses o oferecimento feito pelo eminente rio-grandense, que, pelo lado materno, era de descendência escocesa - o que talvez, em parte, também explique o sentido de sua decisão. 45
Parentes e velhos amigos do padre, por nós consultados a esse respeito, disseram-nos, uns, que o Sr. Lupton, que era homem formá lista e de poucas luzes científicas, não chegara a levar o oferecimento do Padre Landell de Moura ao conhecimento da Inglaterra, por não acreditar na utilidade prática (e comerciai, principalmente) da Telefonia sem fio; outros, que o cônsul, tão deslumbrado ficara com invento tal, que prometia revolucionar totalmente a ciência contemporânea, o aconselhara a transferir-se em seguida para a Grâ-Bretanha, a fim de lá patentear seus inventos e, depois dessa formalidade necessária, doá-los então, diretamente, à ra'inha Vitória, para o que se prontificava a conseguir de seu Embaixador as credenciais que o recomendariam ao Governo de seu país - alvitre que o padre não aceitara por ter, para isso, de custear de seu bolso todas as despesas de passagem e manutenção; outros, ainda, com certa dose de ironia, que o oferecimento fora efetivamente encaminhado, mas que, por felicidade (ou infelicidade?). a burocracia anglo-saxônica era, como a nossa, tão emperrada, tarda e ramerraneira, que os papéis referentes ao mesmo, dez anos mais tarde, ainda deviam estar transitando pelos canais competentes... Seja como for, o fato é que, até hoje, nada se sabe a respeito. E foi bom que assim tivesse acontecido, pois que, seis meses mais tarde, o cientista e o sacerdote davam-se as mãos, entravam em acordo e faziam as pazes com o Brasil, como claramente se vê do final do artigo do Dr. Botet. Sim, Agassiz não tinha razão. O Brasil não tardaria a fazerlhe justiça, e a glória de seus inventos e descobertas ele só a daria à sua querida Pátria I Muito breve, entretanto, o pobre inventor teria de compreender a dolorosa verdade do provérbio que afirma ninguém ser profeta em sua terra. Esta continuava a olhá-lo com desconfiança. Mais do que isso: corri medo supersticioso. Não havia quem ainda mu rmu rasse ter ele pacto com o Demônio, como, de resto, já havia acontecido, em 1709, com outro padre, também brasileiro, Bartolomeu Lourenço de Gusmão, o Voador, inventor do aeróstato? Por essa atormentada época de sua vida (e, lamentavelmente, atormentada até por alguns padres de mentalidade tacanha!). não faltou quem, revoltado, o aconselhasse a abandonar a batina para dedicar-se inteiramente à ciência. Ele, porém, repeliu
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imediatamente o conselho. Não! Isso ele jamais o faria! - declarou - "não apenas pelo fato de ser de seu dever respeitar o voto sagrado que fizera, ou pela obrigação em que se encontrava de não desgostar seus pais, para os quais seu sacerdócio sempre fora a maior aspiração, mas ainda por ser.esse, realmente, seu destino e a verdadeira vocação de sua alma. Antes, preferiria renunciar a qualquer renome ou glória que pudesse conquistar com seus inventos, ou retirar-se por uns tempos do Brasil, para ser esquecido. Além do mais, não via em que a batina fosse um empecilho para servir-se a Deus, dentro de um laboratório ou oficina, como ele, com ela, O servia dentro do templo". E peremptório: "- Quero mostrar ao mundo que a Igreja Católica não é inimiga da Ciência e do progresso humano. Indivíduos, na Igreja, podem, neste ou naquele caso, haver-se oposto a esta verda· de; mas fizeram-no por cegueira. A verdadeira fé católica não a nega. Embora me tenham acusado de participante com o Diabo e interrompido meus estudos pela destruição dos meus aparelhos, hei de sempre afirmar: Isto é assim, e não pode ser de outro modo. .. - E com amargura: - Só agora compreendo Galileu exclamando: E pur si muove!"
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NA
AM~RICA
DO NORTE
Prevaleceu a idéia do afastamento temporário. Não na certeza de ser esquecido, senão na esperança de, valorizado lá fora, vir a ser, na volta, melhor compreendido e aceito pela sua terra. Percebera, finalmente, que, para ser-se levado a sério, no Brasil, se fazia mister uma viagem ao estrangeiro, como, desgraçadamente, ainda hoje acontece, embora em escala mais reduzida. E decidiu-se. Os Estados Unidos da América do Norte, como na atual idade, já era então a Meca dos inventores, motivo por que foi esse o pars escolhido pelo Padre Landell de Moura para seu banho de valor.
Deixando, pois, a terra nativa, que tão ingrata e adversa lhe vinha sendo, para lá se dirigiu o insigne cientista, em meados de 1901, sem aux(lio de quem quer que fosse. Era ele então, como o descreve um jornalista especializado norte-americano, pelas colunas do New York Herald de 12 de outubro de 1902, "um gentleman de uns quarenta anos de idade" e estava na plenitude de.seu gênio. Naquele pars, viveu o Padre Landell de Moura por espaço de três anos, durante os quais assombrou os meios cientrficos norte-americanos com seus numerosos e prodigiosos inventos, entre os quais os três da mais decisiva importância para o mundo: a Telefonia sem fio, o Telégrafo sem fio e o Transmissor de ondas.
Essa sua demora nos Estados Unidos, no entanto, também tem uma história: três meses após sua chegada à grande nação, em documento datado de 4 de outubro de 1901, requereu o Padre Landell de Moura a oficialização de seu primeiro invento - o Telefone sem fio - na crença um tanto ingénua de que, uma vez patenteado este (o que julgava poder conseguir em questão de semanas). os meses restantes seriam suficientes para obter o patenteamento dos demais inventos. The Patent Office at Washington, porém, não se satisfez com a exposição teórica de seu requerimento, de que consta a rubrica No model. "Eram tão revolucionárias suas teorias - foilhe declarado naquela repartição, segundo nos informaram seus irmãos Pedro e Dr. João Landell de Moura, pessoas bastante
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Em 1902, O Padre Landel! de Moura enchia páginas, com suas invenções, de grandes jornais estrangeiros, como o New Vork Herald.
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conhecidas em Porto Alegre, onde gozavam do mais alto conceito - que a Patente não poderia ser-lhe concedida sem a apresentação de um modelo do aparelho, para demonstrações práticas." Ora, como já foi dito, seus primeiros aparelhos haviam sido destru ídos, no interior de São Paulo, por um grupo de fanáticos em fúria; quanto aos últimos, não os havia levado consigo. Não teve pois o padre outro remédio senão demorar-se longo tempo na América do Norte, onde pretendia permanecer apenas seis meses - o que veio agravar ainda mais sua situação financeira, já então bem difícil. Dificílima, aliás. Em um dos cadernos que temos em nosso poder, nos quais o Padre Landell de Moura registrava suas observações, esquemas, resultados de suas experiências e apontamentos íntimos, encontramos, por sinal, uma curiosa previsão de orçamento para essa viagem. Pela sua leitura, podem conhecer-se os parcos recursos monetários de que ele dispunha, e ter uma idéia das tremendas dificuldades por que deve ter passado nos Estados Unidos. Vemos ali escrito, a lápis de cópia: Viagem de ida e volta Estada 6 meses 250$000 Roupa (preparativos). Extraord
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Um conto e quinhentos mil réis (mil e quinhentos cruzei' ros atuais)' para viver seis meses no pa rs dos dólares, mesmo naquele tempo de câmbio ao par, era bem pouco dinheiro, por modesta que fosse uma pessoa. Mas não faltavam ao bom padre coragem, fé em Deus e confiança em si próprio. Sem esmorecimento, pois, antes cheio de entusiasmo, apesar dos preju ízos morais e materiais que esse retardamento viria ocasionar-lhe, meteu mãos à obra na construção de novo aparelho. Foi no decurso desses três trabalhosos anos que ele requereu, em ofícios datados de 16 de janeiro de 1902 e 9 de fevereiro de 1903, respectivamente, o patenteamento de outros dois inventos: o Telégrafo sem fio e o Transmissor de ondas. 51
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Primeira pagina da Patente outorgada ao Padre Landell de Moura pelo Governo dos EUA, referente ao aparelho de Telefonia sem fio inventado pelo grande sábio brasileiro.
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Entretanto, ainda para esses, The Patent Office exigia os respectivos modelos. Fê-los. Uma vez apresentados estes, foramlhe concedidas, finalmente, as três Patentes, assim mesmo somente depois de repetidas e meticulosas provas e contraprovas, que consumiram dois anos. E que, dada a responsabilidade que aquela República assumiria perante o mundo, com a expedição do reconhecimento oficial de tão relevantes e grandiosos inventos, que, fatalmente, viriam imprimir novas e imprevisrveis perspectivas à civilização e às relações entre os povos, não seria aconselhável registrá-los sem, antes, ter tido provas materiais concludentes, positivas, da exatidão de suas teorias e da eficiência de seus aparelhos. Cumpridas essas formalidades, foram-lhe entregues as Patentes sob os números 771 917, de 11 de outubro de 1904 (Transmissor de ondas); 775337, de 22 de novembro de 1904 (Telefone sem fio), e 775 846, da mesma data (Telégrafo sem fio), conforme se prova com as fotografias, aqui apresentadas, de cada fac-srmile.
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PATRIOTISMO DO PADRE LANDELL
Em extensa crônica de viagem enviada de Nova York pelo Monsenhor Vicente Lustosa a 7 de maio de 1904, e publicada em o Jornal do Commercio do dia 19 de junho desse mesmo ano, assim se expressava aquele ilustre representante do clero brasileiro:
"Visitamos também o nosso patricia Padre Roberto Landel! de Moura, rio-grandense-do-sul, que há cinco anos foi vigário em Campinas de São Paulo, e que aqui reside há 3 anos, fazendo estudos sobre eletricidade. Montou um modesto gabinete e conseguiu descobrir novas e interessantes aplicações de eletricidade, e sobre a espécie já obteve do Governo americano dois privilégios, e está em vias de ak;ançar outros. Os jornais de Nova York já se ocuparam honrosamente de seu nome, publicando o seu retrato e diplomando-o de sábio. E distintos engenheiros, em sinal de apreço e consideração, ofereceram-lhe um jantar. (O grifo é nosso.) Entretanto, o Padre Landell de Moura está inteira-
mente abandonado de seus patricios, vive aqui com parcos recursos e sem poder alargar a esfera de sua atividade nos seus inventos e aplicações. Uma companhia exploradora já quis comprar por preço insignificante os seus privilégios, para rotular tudo como coisas americanas. O americano é muito cioso do seu gênio inventivo. "
Se de começo, porém, como revelou o Monsenhor Vicente Lustosa, houve quem quisesse fraudar a boa-fé do Padre Landell de Moura, apenas divulgada a notícia da concessão das três Patentes, diversos magnatas norte-americanos, vivamente interessados na exploração industrial de seus inventos, movimentaramse em cerrada disputa, desejosos de adquirir, por somas realmente fabulosas, os direitos de propriedade sobre eles. Mas o virtuoso sacerdote rio-grandense era, antes de tudo,
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tá montado um cilindro metálico (13), com uma das extremidades hemisféricas, na qual está disposto um espelho côncavo (14), feito preferencialmente de metal. No interior dessa estrutura, há um suporte isolado (15), e sobre ele um feixe de fios (16 e 18), em forma de coroa, tendo uma extremidade contraída para suportar uma célula de selênio (21), e as extremidades da coroa terminadas em pontas ou antenas (17 e 19), dobradas radialmente e em ângulos retos, na direção do eixo do cilindro. Um tubo de Crookes (20) e uma célula de vidro hermeticamente fechada (21), em que foi feito vácuo, não tendo essa peça nenhuma comunicação pneumática com a outra, estão previstos para ficar parcialmente envolvidos pelos fios (estes equivalem a caixas de Faraday). A célula de vidro hermeticamente fechada tem a forma hemisférica e é empregada para conter uma placa de selênio, como descrevi em meu outro requerimento. A célula de selênio é aqui indicada porque pode ser usada para telegrafar-se com luz intermitente, em conexão com a lâmpada 20, que exerce ação nas placas de selênio das estações transmissora e receptora. O fio 23 está Iiqado ao feixe de fios 16 e 18 e também ao 44 sozinho, para transmitir, e ao 46 sozinho, para receber. O interruptor 38 é aberto para a transmissão, mas fechado para a recepção. Os fios 46 e 25, e as peças 55, 58, 56 e 60 são providos de resistências convenientes. Estão previstas as conexões elétricas 24 e 25 para o tubo de Crookes, da maneira usual. Este é excitado, como habitualmente, por meio de um centelhador (D), que consiste em uma bateria (30), uma bobina de Ruhmkorff (31) - a ele ligada e controlada por um interruptor (32) - um condensador (33), um par de esferas polidas (34) e um fio de terra (35) munido de um interruptor (36) para quando se desejar tirar de função, como excitadores, as esferas polidas, e para ligar os fios à terra, como proteção contra relâmpagos ou acidentes. O fio 22 está ligado ao fio 37, que se acha munido de um comutador de terra (38), que deve ser fechado para receber, como foi dito. O interruptor 32 pode, às vezes, ser substitu (do em lugar da chave 41 - isto é, quando as conexões secundárias das bobinas 43 e 31 cooperam para aumentar a diferença de potenciai entre os terminais dos secundários da bobina 31. Então, estando 44 fora de ação, a conexão é feita somente com a antena, por meio de 23; 24 liga 23 e 22 a 25, e à sua outra extremi106
dade (22) liga-se apenas a 37; 37 liga-se a 38, e este a 45, pela terra. Neste caso, o interruptor 36 está ligado a 34, onde se produzem as descargas oscilantes, e as interrupções convencionais são feitas pela chave 32. Para transmitir por lampejas luminosos, uso o mesmo dispositivo, estando o interruptor 36 em posição neutra, assim como os terminais 34. Para receber por lampejas luminosos, uso os mesmos dispositivos descritos em meus já mencionados requerimentos anteriores. Ainda hão de ser especialmente assinalados: um dispositivo próprio de sinalização (F), consistente de uma bateria local (39), um interruptor (40), uma chave de Morse .(41), um condensador (42) e uma bobina de Ruhmkorff (43), munida de esferas polidas (44), de modelo comum. De uma dessas esferas, um fio (45) liga à terra, e outro fio (46) liga à coroa de fios 16 e 18. Essa coroa, que pode variar indefinidamente de forma, é usada na parte interior da peça C somente quando trabalha com ondas curtas e, então, somente quando se desejar usar a luz de 18 ou de C. O coesor 50 está ligado a uma bateria local (51), munida de um comutador (52), sendo este adaptado de modo a pôr em cantata a bateria, ora com 53, ora com 54. O descoesor está indicado imediatamente à esquerda do coesor, e consiste em um electroímã (55) munido de uma armadura (56), do modelo geralmente usado nos coesores, sendo a referida armadura adaptada para bater no tubo do coesor 50. O descoesor é ligado, pelo fio 57, ao fio 25, e 57 pode ligá-lo a 53, 59 e 54, por meio do comutador 52. O cantata 58, que está adaptado para estabelecer cantata com a armadura 56, está ligado ao fio 25'. O fio 59 serve para estabelecer comunicação entre a bateria 51 e a campainha 60. Um aparelho registrador Morse, de modelo comum e munido de todas as peças auxiliares que acompanham tal aparelho (61), é controlado por um interruptor (62), conectado, quando fechado, ao cantata 54 do interruptor 62. Do cantata 53, um fio (63) conduz ao primário (64) de uma bobina de indução, partindo, desse primário, um fio (65) para o receptor sonoro 66. Esse receptor está indicado com maiores detalhes na Fig. 4. Sobre a armação do receptor e~tão montados terminais (67), sendo que o parafuso do lado esquerdo é isolado, como está indicado. Um diafragma (68), protegido por um disco (70) de material isolante, está montado diretamente sobre a armação, e 107
sobre ele existe, espalhada, uma camada de carvão mordo (69). Esse carvão é mantido pelo botão de carvão 169a l. sobre o qual está montada uma caixa isolada (loa). Uma mola de lâmina (71) comprime normalmente o diafragma 68, suavemente, sobre o carvão mordo, e uma mola semelhante (72) comprime o botão 69 a para baixo. Uma peça, tronco-eônica (731. é toda perfurada em anéis concêntricos, destinando-se esses furos (74) à emissão de sinais fonéticos. Por sobre a armação está montado um diafragma (75) de ferro, e, conectados ao magneto 77 existem os terminais 76 e 78. Eis como se opera com o meu aparelho, empregando-se ondas curtas refletidas ou ondas luminosas: - o interruptor 36 é ligado ao fio 35, e o interruptor 32 é fechado~como mostra a Fig. 1; desse modo, excita-se o tubo de Crookes que entra a emitir raios catódicos. O manipulador 41 está agora disposto da maneira adequada em telegrafia Morse. Em conseqüência, a bo· bina de Ruhmkorff (43) faz com que salte a centelha entre as esferas. Estando o fio 45 ligado à terra, as antenas 17 e 19 emitem ondas etéreas, semelhantes às ondas hertzianas. Calcando a chave 41, o operador faz centelhar a bobina de Ruhmkorff (43) continuamente, interrompendo-se as centelhas todas as vezes que for a dita chave levantada. Os raios catódicos, produzidos pelo tubo de Crookes, são naturalmente refletidos pelo espelho (14) e seguem a direção geral do eixo da armação. Esses raios catódicos, como as ondas actrnicas e etéricas acima descritas, aparentemente se reforçam umas às outras, em seus efeitos, e o resultado é que o telégrafo é mais eficiente quando todas as radiações são empregadas. Os raios catódicos, emitidos em oscilação contrnua, não são controlados diretamente pela chave transmissora; eles apenas facultam a propagação das ondas hertzianas, controláveis pela citada chave. Quando o centelhador D está parado, os sinais telegráficos não são tão distintos como quando o mesmo está em ação. Agora, o funcionamento do receptor: ·as ondas que chegam da estação transmissora, produzindo efeitos nas coroas de fios 17 e 19 e na peça 10, que age como uma capacidade ligada às coroas de fios ou antenas, causam perturbações nos fios 23, 46, 38, 37 e 25, e vão ao coesor 50, por isto mesmo afetando a sua resistência. O resultado é que, quando o aparelho está na posição indicada na Fig. 1 em E, a bateria 51 envia corrente 108
por 50, 60, 59, 57, 56 e pelo fio 58, de volta à bateria. Em sendo excitado o coesor, a campainha toca. Advertido, o operador apenas move o comutador 52, para receber a mensagem: para baixo, de modo a empregar o contato 54 e fechar o interruptor 62, caso deseje recebê-Ia pelo aparelho Morse: P31ra cima, empregando o contato 53, se quiser utilizar o receptor fonético. Para receber as mensagens por meio de modificações produzidas em um som continuo, em concordância com os impulsos intermitentes enviados pelo transmissor, o contato 58 deve ser firmemente comprimido contra a armadura 56, o interruptor 62 deve ser aberto e o comutador '52 colocado sobre o contato 53. Sendo o coesor excitado pelo fechamento da chave, na estação distante, estabelece-se o seguinte circuito: 51, 50, 50, 66, 65, 64, 63, 57 (através de 52 por 53), 58, para a bateria. O primário 64, recebendo assim energia, excita o secundário 79 e estabelece uma corrente alternada secundária, local, através dos fios 80 e 81 (Fig. 4), e do magneto 77. Este, agindo sob a ação dessa corrente, faz o diafragma 75 vibrar violentamente. As vibrações do diafragma 75 fazem com que seja a coluna de ar da peça 73 alternadamente comprimida e rarefeita, e cQnseqüentemente vibre o diafragma 68 e varie a resistência de carvão mordo. O comprimento da coluna de ar deve ser tal que o diafragma 75 provoque a vibração do diafragma 70 dentro de certo espaço de tempo predeterminado, com o fim de amplificar as variações da corrente da bateria que atravessa o carvão mordo. Esse receptor fonético age, até certo ponto, como "relay" automático. E claro que a ação mecânica da coluna de ar em vibração pode ser aplicada para aumentar ou diminuir a resistência do carvão mordo, e, se isso for feito em momento oportuno, o efeito da corrente que passa através do carvão mordo pode ser aumentado. A vibração do diafragma 75, produzindo na peça 73 a condenSação e a rarefaçâo da coluna de ar já mencionada, faz com que os furos 74 emitam uma nota musical, que descobri ser semelhante a uma nota de flauta. O efeito geral é mais ou menos o mesmo que seria produzido se uma pessoa fizesse emitir um sinal Morse por uma flauta, representando uma nota curta - um ponto, e uma nota relativamente longa - uma linha. A ligação de um interruptor é necessária para os efeitos prolongados. 109
Tendo assim descrito minha invenção, reivindico, como novos, e desejo assegurar por Carta Patente: 1c.> - Um sistema de telégrafo sem fio, compreendendo: os meios de gerar duas ou mais espécies de ondas, de comprimentos diferentes ou de perrodos diferentes; os meios de dirigir as ditas ondas para uma estação distante, e de modificar uma ou mais das espécies, de acordo com um código; e mais os mei.os de, na estação distante tornada sensrvel por algumas das ondas, corresponder com mudanças ou modificações em outras, para assim reproduzir o sinal; 2c.> - num sistema de telegrafia sem fio, ou seja: um transmissor compreendendo um conjunto de antenas de ondas hertzianas, uma fonte de raios catódicos, uma fonte de ondas acHnicas, meios pelos quais as mudanças de um código preestabelecido possam ser impressas em um ou mais dos ditos sistemas de ondas, e meios para dirigir todas as ondas a uma estação distante; 39 - num sistema de telegrafia sem fio, ou seja: um receptor compreendendo elementos sensrveis a ondas etéreas, devidas à projeção da luz e às perturbações elétricas ou às descargas oscilatórias; meios para combinar os efeitos dos referidos elementos, e meios de efetuar o alinhamento com uma estação transmissora; 4c.> - num aparelho de telegrafia sem fio, ou seja: uma caixa em que estão internamente colocadas uma fonte de luz, uma fonte de raios catódicos, terminais de descarga para propagação das ondas hertzianas; meios de controlar a produção de ondas e de raios, e meios de dirigir a dita caixa para uma estação distante; 5c.> - um telégrafo sem fio, compreendendo um aparelho centelhador para produzir ondas hertzianas; meios para atuar, à vontade, sobre o dito aparelho centelhador, com o fim de produzir sinais; meios para produzir uma luz catódica substancialmente na passagem das ditas ondas hertzianas, e um receptor sensrvel às ditas ondas hertzianas, e colocado numa estação distante; 6c.> - um telégrafo sem fio, compreendendo um aparelho centelhador para transmitir ondas etéreas para o espaco; meios para atuar, à vontade, sobre o referido aparelho centelhador, a fim de produzir sinais; um tubo de Crookes para produzir raios 110
catódicos, essencialmente na passagem das referidas ondas etéreas, e um aparelho receptor distante, sensível às mencionadas ondas etéreas; 7C? - num aparelho de telegrafia sem fio, ou seja: uma caixa exterior tendo um refletor e uma fonte de raios violetas, dispondo, a parte interior da caixa, de pontas de descarga e de um elemento sensível às ondas de luz; meios de produzir variações nas ondas de luz ou nas ondas produzidas pelas descargas das pontas, e conexões do elemento sensível e das caixas para aproveitamento das ondas que chegam, ou de seus efeitos resultantes, a aparelhos receptores convenientes; BC? - um telégrafo sem fio, compreendendo um mecanismo para produzir raios catódicos; um aparelho centelhador para produzir ondas etéreas, essencialmente na passagem dos referidos raies catódicos; uma chave manual (manipulador) para controlar as referidas ondas etéreas, e um aparelho receptor, sensível às referidas ondas etéreas; 9C? - um telégrafo sem fio, compreendendo um aparelho centelhador, um tubo de Crookes por este atuado, um refletor adjacente ao mencionado tubo de Crookes; meios de gerar ondas etéreas no referido refletor; uma chave telegráfica para controlar a produção das referidas ondas, e um aparelho receptor, sensível às mencionadas ondas etéreas. Em testemunho do que, assinei meu nome nestas especificações, em presença de duas testemunhas abaixo assinadas. ROBERTO LANDELL DE MOURA
Testemunhas:
Walton Harrison. Everard B. Marshall. "
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TRANSMISSOR DE ONDAS Especificações que formam parte integrante da Carta Patente NÇl 771.917, datada de 11 de outubro de 1904. Requerimento de 9 de fevereiro de 1903 Série NO 142.440 "A quem interessar possa: Saibam que eu, Roberto Landell de Moura, cidadão da República do Brasil, residente no distrito de Manhattan da cidade de Nova York, Estado de Nova York, inventei um novo Transmissor de ondas, de que faço as seguintes especificações: Minha invenção relaciona-se à transmissão de mensagens, de um ponto a outro, sem auxflio de fios, ou, resumidamente, à sinalização através do espaço. Tem como objetivo produzir melhores resultados com aparelhos simplificados, utilizando certos princ(pios que eu mesmo descobri. Até agora, quando se tinham de transmitir sinais, a transmissão era feita por meio de aparelhos de funcionamento manual. Em alguns casos, estes foram substitu idos por mecanismos automáticos; mas o manejo de tais mecanismos, ou a manipulação de uma chave, requer certa habil idade e experiência do operador. De acordo com a minha invenção, produzo, primeiramente, oscilações elétricas e tremulações de luz, por meio de vibrações sonoras, que podem ser as da voz humana ou as de outros sons. Emprego, então, essas oscilações elétricas ou luminosas assim produzidas, para telefonar ou telegrafar através do espaço. Em tal transmissão, e especialmente telefonando, posso usar invenções semelhantes às que descrevi em meu requerimento anterior, protocolado a 4 de outubro de 1901, Série NÇl 77.576. Para produzir as duas espécies de oscilações mencionadas, inventei uma disposição de circuitos e de certos aparelhos que denominei "interruptor fonético". Meu interruptor fonético consiste, essencialmente, em um par de contatos capazes de reproduzir os tons da voz ou as vibrações partidas de qualquer fonte que possa controlar o ci rcuito primário de uma bobina de indução de alta-freqüência,
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primário este que está ligado ao primário de uma bobina de Ruhmkorff, para transmissão. As vibrações sonoras no interruptor são transformadas em ondas elétricas ou luminosas, as quais, passando para a estação-receptora, são a ( recebidas e atuam sobre aparelhos adequados, por meio dos quais podem elas tornar-se perceptrveis com o emprego de um receptor telefõnico, de uma lâmpada, de um registrador Morse, ou coisa semelhante. Minha invenção está detalhadamente descrita nas seguintes especificações, e ilustrada nos desenhos anexos: A Fig. 1 é um corte de meu interruptor-fonético com todas as partes representadas. A Fig. 2 representa uma chave-reguladora para o núcleo da bobina de indução. As Figs. 3 e 4 são diagramas que mostram as conexões do circuito primário do interruptor. A Fig. 5 é um diagrama dos circuitos-transmissores, com os aparelhos representados em seus lugares. A Fig. 6 é um diagrama semelhante, mostrando as ligações do aparelho, mais detalhadamente. Com relação à Fig. 1, A é uma caixa, ou invólucro não-condutor, e A' é uma tampa. Esta tampa é feita de modo a conter uma câmara ressonante, na base da qual existe um disco perfurado A 2, correspondente ao bocal do telefone comum e preenchendo as mesmas funções, quando a tampa A' é retirada. Por baixo do disco A 2, e sustentado pelo invólucro, está um diafragma (a), tendo em seu ponto central uma ligeira depressão (a'). Colocada no interior do invólucro e apoiada em saliências adequadas, há uma bobina de indução (O), que tem o enrolamento primário d e o secundário d', em volta de um núcleo de ferro doce (d 2 ). Esse núcleo é oco, e em seu interior existe um eixo central (8), suportado, em sua extremidade superior, pela extremidade perfurada do núcleo, e, em sua extremidade inferior, é fixado interiormente por meio da porca b atarraxada na extremidade inferior do núcleo, e da guia b 4 • O eixo tem uma cabeça (8'), pela qual pode ser manipulado. A função do ajustamento é permitir que a estreita abertura de ar, entre a extremidade do eixo, em b 2 , e o diafragma a, em a', seja de tal modo disposto que as vibrações da palavra articulada produzam um movimento contrnuo, rápido e regular, e interrompam o circuito. Por meio da chave K (representada na Fig. 2), a porca b pode ser aparafusada quando o 114
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