FUNDAc;:AO EDITORA DA UNESP Presidente do Conse/he Curador Marcos Macari Diretor-Presidente
Jose Castilho Morques Nefo Editor Executive
lezia
Hernani
Bomfim Gutierre
Pierre Bourdieu
(onse/ho Editorial Academico Antonio Celso Ferreira
Claudio Antonio Robello Coelho Elizobeth Berwerth Stucchi Kester Carraro Moria do Rosario Longo Mariotti Maria Encorna~60 Beltroe Sposito
Maria Helolso Martins Dios Mario Fernando Bolognesi
Pavlo Jose Branda Santilli
Roberto Andre Kroenkel
fditores Assistentes Anderson Nobara
OS USOS
sociois do ci€mcio
Por uma sociologia c1lnica do campo cientlfico
Denise Katchuian Dognini
Dido Bessana
Texto revisto pelo outor com 0 coloboro~6o de Patrick Champagne e Etienne Landais Conferencio e debote organizados pelo grupo Sciences en Questions, Paris, INRA, 11 de mar~a de 1997 Tradu~ao Denice Barbaro Catani
© 1997 Institut National de 10 Recherche Agronomique (INRA) Titulo original em frances: Les usages soc;oux de /0 science. Pour une socio/ogie c/;nique du chomp sr:ientjfique © 2003 do tradlH;oo brosileira: Fvndo~ao Ediloro do UNESP (FEU) Pro~ do se, 108 01001-900 - 560 Paulo -SP
Sum6rio
Tel., (Oxxll) 3242-7171 Fa", [Oxxll) 3242-7172 www.editoraunesp.com.br
[email protected] ClP-Brasil. Catalogo~ao no fante Sindicato Nacional das Editores de li.. .ros, RJ
8778u Bourdieu, Pierre, 1930-2002 Os usos sociais do ciencio: por umo sociologio cJinico do compo cientifico / Pierre 8ourdieu; texto re....isto pelo autor com 0 colabo· ro~oo de Patrick Champagne e Etienne landais; troduc;oo Denice Barbaro Cotani. - sao Paulo: Editoro UNESP. 2004. Troduc;ao de: Les usages socioux de 10 science: por une socioJogie du chomp scientifique "Conferencia e debate orgonizodos pelo grupo Sciences en Questions, Paris, lNRA, 11 de marc;o de 1997" Inclui bibliografia ISBN 85-7139-530-6 1. Ciencio - Aspectos sociois.
7
sociais cia ciencia - Por uma sociologia c11nica do campo cientffico 17 OS USOS
Introdu~ao
17
Os campos como microcosmos relativamente autonomos 18
As propriedades especificas dos campos cientfficos 30
l. Titulo.
04-1083.
Pref:l.cio - Patrick Champagne
CDD 306.45 CDU 316_74,5
As duas especies de capital cientifico 35
o espa~o dos pontos de vista
43
A situa~o particular do INRA 48 Ir alem clas aparencias e clas falsas antinomias Editoro afiliodo:
•••• A~
Btuilclta r-
A
1 Instirut National de la Statistique des Etudes Economiques (Instiruro Nacional de Estatisticas e Estudos Econ6micos). (N. TJ
,r'~ CA\Xl(2..
-A\litl Nb \'1\ ll.
'00 ~
~~"'g€ Pierre
Bour~
r-Y"'u
ON~~
po, sao mediatizadas pela 16gica do campo. Uma das manifesta\;oes mais vislveis da autonomia do campo e sua capacidade de refratar, retraduzindo sob uma forma especifica as pressoes ou as demandas externas. Como um fenomeno externo, uma catastrofe, uma calamidade (a peste negra da qual se procuram os efeitos na pintura), a doen9 da vaca-louca - que sei eu?vai se retraduzir num campo dado' Dizemos que quanto mais autonomo for um campo, maior sera 0 seu poder de refra,,"-o e mais as imposi\;6es externas serao transfiguradas, a ponto, freqiientemente, de se tomarem perfeitamente irreconhedveis.
a grau de autonomia de urn campo tem por indicador principal seu poder de refra,,"-o, de retradu\;ao. Inversamente, a heteronomia de um campo manifesta-se, essencialmente, pelo fato de que os problemas exteriores, em especial as problemas politicos, ai se exprimem diretamente. Isso significa que a "politiza\;ao" de uma disciplina nao e indicio de uma grande autonomia, e uma das maiores dificuldades encontradas pelas ciencias sociais para chegarem a autonomia e 0 fato de que pessoas pouco competentes, do ponto de vista de normas espedficas, possam sempre intervir em nome de prindpios heter6nomos sem serem imediatamenre desqualificadas. Se voce tentar dizer aos bi610gos que uma de suas descobenas e de esquerda ou de direita, cat6lica ou naocat6lica, voce suscitara uma franca hilaridade, mas nem sempre foi assim. Em sociologia, ainda se pode dizer esse tipo de coisas. Em economia, evidentemente, podese tambem dizer isso, ainda que as economistas se esforcem por fazer crer que isso nao e mais possive!. Todo campo, 0 campo cientifico por exemplo, e um campo de for\;as e um campo de lutas para conservar
.
" ...-
OS~ do ciencio
~ < t;x)t>1r N~
oU transformar esse campo de forps. Pode-se, num primeiro momento, descrever urn espa\;o cientifico ou um espa\;o religioso como um mundo fisico, comportando as rela\;oes de for\;a, as rela\;oes de domina,,"-o. as agentes - por exemplo, as empresas no caso do campo economico - criam 0 espa\;o, e 0 espa\;o s6 existe (de alguma maneira) pelos agentes e pelas rela~oes objetivas entre os agentes que ai se encontram. Uma grande empresa deforma todo 0 espal'o econ6mico conferindo-Ihe uma cena estrulUra. No campo cientifico, Einstein, tal como uma grande empresa, deformou todo 0 espa\;o em torno de si. Essa metafora "einsteiniana" a prop6sito do pr6prio Einstein significa que nao ha fisico, pequeno ou grande, em Brioude ou em Harvard que Cindependentemente de qualquer contato direto, de qualquer intera\;ao) nao tenha sido tocado, perturbado, marginalizado pela interven\;ao de Einstein, tanto quanto um grande estabelecimento que, ao baixar seus pre\;os, lan\;a fora do espa\;o economico toda uma popula\;ao de pequenos empresarios. Nessas condi\;oes, e imponante, em seguida, para a reflexao pratica, 0 que comanda os pontos de vista, o que comanda as interven\;oes cientificas, os lugares de publica\;ao, os temas que escolhemos, os objetos pelos quais nos interessamos etc. e a estrutura das rela~oes objetivas entre os diferentes agentes que sao, para empregar ainda a metafora "einsteiniana", os principios do campo. E a estrutura das relaf6es objetivas entre os agentes que determina 0 que eles podem e nao podem fazer. au, mais precisamente, e a posi,,"-o que eles ocupam nessa estrutura que determina ou orienta, pelo menos negativamente, suas tomadas de posi,,"-0. Isso significa que s6 compreendemos, verdadeiramente, 0 que e 00 l>1i rJI\~
~c:..o
~ ""R"M fOilAL
Ourra faror de inrerferencia, pelo menos aos olhos 0 que e cerro e que, quanto rnais a auronomia dos "juniores", que conrribui significarivamenre para adquirida por urn campo for limirada e imperfeira e mais fazer 0 capiral simb6lico (esse "ser percebido", percipi, as defasagens forem marcadas entre as hierarquias que depende da percep~ao e da aprecia~ao dos agen. remporais e as hierarquias cienrificas, mais os pode· tes engajados no campo) e 0 faro de que, como ja dis. res temporais que se fazem, com frequencia, os reo se, 0 crediro cienrifico pode conrinuamenre assegurar, rransmissores dos poderes externos poderao inrervir apesar de tudo, uma forma de crediro politico (a pala. em lutas especificas, especialmente medianre 0 contrale vra sendo sempre romada no senrido especifico), de sobre os postos, as subven,6es, os conrraros ere. que consagral;iio remporal que, em alguns conrexros, pode permitem a pequena oligarquia dos que permanecem ser urn faror de desencanramenro ou mesmo de des. nas comiss6es manrer suas clientelas. Como as diferen· credito (urn dos problemas dos inovadores, ao se con. tes disciplinas cienrificas tern necessidade de recursos sagrarem, sobrerudo em Iiterarura, e 0 de conservar 0 economicos para se manrer, em diferenres graus, alguns prestigio atribuido a ruptura heretica de vanguarda). pesquisadores, as vezes convertidos em administrado· Seria preciso analisar os efeitos dessa dualidade de res cientificos (mais ou menos direramenre associados poderes no funcionamenro do campo cientifico. 0 cam. a pesquisa), podem, por inrermedio do conrrale dos repo seria rna is eficiente cienrificamente se os mais cursos que the assegura 0 capiral social, exercer sobre presrigiados fossem tambem os mais poderasos? E su.' a pesquisa urn poder que se pode chamar de ridlnico pondo-se que Fosse rnais eficienre, seria necessariamen-' (no sentido de Pascal), uma vez que nao enconrra seu te rnais suportavel? principio na 16gica especifica do campo. Tudo leva a pensar que todo mundo (ou quase) se Assim, pelo fato de que sua auronomia com rela· beneficia com essa divisao de poderes e com esse com. ,ao aos poderes externos jamais e total e de que eles pramisso hfbrido que evira 0 que poderia haver de. sao 0 lugar de dois principios de domina,ao, rempo· assustador nessa especie de teocracia epistemocnitica I ral e espedfico, todos esses universos sao caracteridos "melhores", ou inversamente numa cisao comple.' zados por uma ambigliidade estrutural: os connitos in· ta dos dois poderes condenando os "melhores" a rnais : telecruais sao rambem, sempre, de algum aspecto, concompleta imporencia. Mas nao e posslvel deixar de! fliros de poder. Toda estrategia de urn erudito comlamenrar 0 que pode rer de "funcional", nao para 0: porra, ao mesmo tempo, uma dimensao polirica (espragresso da ciencia, mas para 0 conforro dos pesqui- pecifica) e uma dimensao cienrffica, e a explica,ao sadores menos ativos e os menos produtivos, 0 fato de !deve sempre levar em conra, simultaneamenre, esses que 0 poder temporal sobre 0 campo cienruico seja IdoiS aspectos. Enrreranro, 0 peso relativo de urn e de muito frequenremenre pani/hado com uma tecnocracia !outro vana muito segundo 0 campo e a posi~ao no da pesquisa, isto e, por pesquisadores que nao sao, !campo: quanro mais os campos sao heteronomos, necessariamenre, os melhores do ponro de vista dos imaior e a defasagem enrre a estrurura de distribui,ao criterios cienrificos. 'no campo dos poderes nao-especificos (poliricos); por
i
40
41
OS USO$
Pierre Bourdieu
urn lado, e por outro, a estrurura da distribui~ao dos. poderes especificos - 0 reconhecimento, 0 prestfgio
sociois do ciencio
te submetidas as imposi
Pierre 60urdieu
do a propria logica da pesquisa e nao da demanda). Esses problemas, a pesquisa dita aplicada e a pesquisa dita pura, para alem de todas as diferen0's que as separam, os tem em comum e poderiam trabalhar para encontrar solu,oes comuns para eles. o confronto de visoes antagonistas que opoe a autonomia dos pesquisadores ditos "puros" a heteronomia dos pesquisadores "aplicados" impede de ver que aquilo que se confronta; na realidade, sao duas formas, ambas relativamente autonomas de pesquisa, uma voltada, antes, pelo menos na inten,ao, para a inven,ao cientifica e participante Cbem ou mal) da 16gica do campo cientifico, a outra voltada, antes, para a inova,ao, mas igualmente independente, para 0 melhor e para 0 pior, das san,oes do mercado e capazes de designar, para si pr6pria, fins igualmente universais de servi,o publico e de pramo0io do interesse gera!. De onde, fora das associa,oes e de movimentos destituidos, mais frequentemenre, dos recursos cientificos necessarios para a defesa de sua causa, se falaria, se 0 INRA nao estivesse la para faze-Io, do patrimonio genetico representado pelas especies vegetais ou animais amea,adas, de prote,ao de ecossistemas ou ainda de defesa dos recursos nao-renovaveis? Evidentemente essa dualidade de fun,oes tem por efeito permitir a alguns fazer um jogo duplo e invocar consciente ou inconscientemente as exigencias de aplica,ao para esquivar-se das exigencias da inven0io e recipracamente. Denunciar essas falhas faz parte dessas finezas de semi-habeis as quais se sacrificam, de born . grado, os semi-soci6logos, imediaramente apravados . pelos administradores que se apoiam sobre suas falsas constata,Des pessimistas para dar uma forma de auta-
11
as usos sociois do ciencio
Mais diffcil, mais justa e mais necessaria e a compreensao da logica, sem duvida bastante misteriosa, dessa institui,ao que reune duas concep,oes da autonomia, duas concep'oes da pesquisa, duas concep,oes da inven,ao Ca inven,ao propriamente dita e a inova,ao) que, embora muito diferentes, repousam sobre 0 mesmo fundamento economico, a saber, a liberdade relativa com rela0io a pressao economica proporcionaOO pela assistencia do Estado e que sao perfeitamente compativeis e mesmo complementares.
Algumas proposi