SAM H A R R I S
Carta a uma nação cristã Tradução
Isa Mara Lando Prefácio
Richard Dawkins Is reimpressão
C OMPANHIA ...
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SAM H A R R I S
Carta a uma nação cristã Tradução
Isa Mara Lando Prefácio
Richard Dawkins Is reimpressão
C OMPANHIA D AS L ETRAS
Para minha esposa
Sumário
Prefácio — Richard Dawkins, 9 Nota ao leitor, 13 Carta a uma nação cristã, 19 Dez livros que recomendo, 87 Notas, 89
Prefácio Richard Dawkins
Sam Harris não é amigo de divagações sem rumo. Ele es- (rcve diretamente para o seu leitor cristão, chamando-o de "você", e lhe dá a honra de levar a sério as crenças que "você" defende:"[...] se um de nós está certo, o outro está errado [...] < ;m o decorrer do tempo, um dos dois lados vai realmente vencer essa discussão, e o outro lado realmente sairá derrotado". Mas você não precisa (como posso atestar pessoalmente) se encaixar no perfil desse "você" para desfrutar este maravilhoso livrinho. Cada palavra sai zunindo como uma elegante flecha, desferida de uma corda tensionada ao máximo, e voa veloz, traçando um gracioso arco e atingindo o alvo bem no centro, para grande satisfação do leitor. Se você faz parte do alvo, desafio-o a ler este livro. Será iim teste saudável para a sua fé. Se você conseguir sobreviver .1 barragem da argumentação de Sam Harris, poderá enfrentar o mundo inteiro com equanimidade. Mas perdoe-me se duvido: Harris nunca erra o alvo, nem
em uma única frase, e é por isso que este livro tão breve tem um poder
devastador tão desproporcional. Se você já compartilha das dúvidas de Harris, e minhas, acerca da fé religiosa e não faz parte desse alvo, este livro lhe dará armas poderosas para argumentar contra o outro lado. Ou talvez você seja cristão, mas não faça parte do alvo. Este livro reconhece que existem cristãos que adotam, segundo eles próprios crêem, uma visão mais nuan- çada:"[...] os cristãos liberais e moderados nem sempre vão reconhecer a si mesmos nesse cristão' a quem me dirijo. Mas com certeza reconhecerão muitos de seus vizinhos — e mais de 150 milhões de americanos". E este é o ponto principal. Foi a ameaça desses 150 milhões que motivou este livro. Se as crenças religiosas que você adota são tão vagas e nebulosas que até as flechadas mais certeiras ricocheteiam sem ser notadas, Harris não está escrevendo diretamente para você. Mesmo assim, você deveria se preocupar com essa situação de emergência que tanto preocupa a ele — e também a mim. Enquanto eu, como educador científico, fico desalentado ao constatar que 50% da população americana acredita que o mundo tem 6 mil anos de idade (o equivalente a acreditar que a distância entre Nova York e San Francisco é menor que um campo de crí- quete), Sam Harris se preocupa com outras crenças desses mesmos 50%: Portanto, não é exagero dizer que, se Londres, Sydney ou Nova York de repente virassem uma grande bola de fogo, uma porcentagem significativa da população americana veria um lado auspicioso na nuvem em forma de cogumelo que se seguiria. Para essas pessoas, seria o sinal de que a melhor coisa que jamais vai acontecer no mundo está prestes a acontecer: a volta de Jesus Cristo. Deveria ser óbvio e evidente que crenças desse tipo pouco ajudam a humanidade a criar para si mesma um futuro duradouro — seja na esfera
social,
económica,
ambiental
ou
geopolítica.
Imagine
as
consequências se algum componente significativo do governo americano
realmente acreditasse que o mundo está prestes a acabar, e que o fim do mundo será glorioso. O fato de que quase a metade da população americana acredita nisso, puramente com base em um dogma religioso, deve ser considerado uma emergência moral e intelectual.
A nação cristã para quem o livro foi originalmente escrito é, naturalmente, os Estados Unidos. Mas seria descaso e loucura se descartássemos a questão como se fosse apenas um problema americano. Os Estados Unidos ao menos são protegidos por uma esclarecida separação, colocada por Jefferson, entre Igreja e Estado. Já na Grã-Bretanha a religião faz parte, historicamente, do nosso establishment oficial; neste momento a liderança política do nosso país, a mais piedosa desde Gladstone, está decidida a apoiar as "escolas religiosas". E não são apenas as escolas cristãs tradicionais, note-se, pois nosso governo, açulado por um herdeiro ao trono que deseja ser conhecido como "Defensor da Fé", tem simpatia ati- va pelas outras "comunidades de fé" que vão balindo "nós também", ansiosas para obter uma doutrinação religiosa para seus filhos subsidiada pelo Estado. Seria possível conceber uma fórmula educacional mais capaz de gerar dissensão e discórdia? E, o mais importante, a única superpotência mundial da atualidade está perto de ser dominada por eleitores que acreditam que o universo inteiro começou depois da domesticação do cão. Acreditam também que serão pessoalmente "arrebatados" para as alturas celestiais ainda durante seu tempo de vida, fato que será seguido por um Armagedom muito bem-vindo como arauto do Segundo Advento de Cristo. Mesmo aqui do outro lado do Atlântico, a expressão de Sam Harris, "emergência moral e intelectual", já começa a parecer até moderada. Comecei dizendo que Sam Harris não é amigo de divagações sem rumo. Um dos seus argumentos é que nenhum de nós pode se dar a esse luxo. Carta a uma nação cristã vai perturbar você. Seja para incentivá-lo a
uma ação defensiva ou ofensiva, este livro com certeza vai exercer uma mudança em você, de alguma maneira. Leia, nem que seja a última coisa que vá fazer na vida. E com a esperança de que não seja a última.
Nota ao leitor
Desde a publicação do meu primeiro livro, The end of faith: Religion, terror, and the future of reason [O fim da fé: religião, terror e o futuro da razão], milhares de pessoas já me escreveram para dizer que
estou errado em não acreditar em Deus. As mensagens mais hostis vêm de cristãos. É uma ironia, pois os cristãos em geral imaginam que nenhuma religião transmite tão bem como a sua as virtudes do amor e do perdão. A verdade é que muitos que afirmam ter sido transformados pelo amor de Cristo são intolerantes à crítica — de uma intolerância profunda, até assassina. Podemos atribuir isso à natureza humana, mas é claro que tal ódio recebe considerável apoio da Bíblia. E como eu sei disso? Entre os meus correspondentes, os mais mentalmente perturbados sempre citam capítulos e versículos bíblicos. Embora se destine a pessoas de todas as religiões, este livro foi escrito sob a forma de uma carta aos cristãos dos Estados Unidos. Nele, respondo a muitos dos argumentos que os cristãos conservadores apresentam em defesa de suas crenças religiosas. Assim, o "cristão" a quem me dirijo ao longo do texto é um cristão em um sentido limitado da palavra. Uma pessoa assim acredita, pelo menos, que a Bíblia é a palavra de Deus, escrita por inspiração divina, e que apenas os que acreditam na divindade de Jesus Cristo terão a salvação depois da morte. Dezenas de pesquisas de opinião, realizadas de maneira científica, sugerem que mais da metade da população americana acredita nesses postulados.1 É claro que essas crenças metafísicas não se limitam a nenhuma nacionalidade e a nenhuma denominação especial do cristianismo. Os cristãos conservadores de todos os países e de todas as seitas — católicos, protestantes de linhas majoritárias, evangélicos, batistas, pentecostais, testemunhas-de-jeová e assim por diante — estão todos igualmente implicados na minha argumentação. Embora nenhum outro país desenvolvido se iguale aos Estados Unidos em termos de religiosidade, hoje todos os países precisam conviver com as consequências de tudo em que meus compatriotas americanos acreditam. Como é bem sabido, atualmente as crenças dos cristãos conservadores exercem uma influência extraordinária sobre o discurso
público neste país — em nossos tribunais, nossas escolas e em todas as esferas do governo. Se o propósito mais amplo do meu trabalho é dar munição aos secularistas de todas as sociedades contra seus opositores, cada vez mais fervorosos, em Carta a uma nação cristã me propus especificamente a demolir as pretensões intelectuais e morais do cristianismo em suas formas mais ardorosas. Assim, os cristãos liberais e moderados nem sempre vão reconhecer a si mesmos nesse "cristão" a quem me dirijo. Mas com certeza reconhecerão muitos de seus vizinhos — e mais de 150 milhões de americanos. Não tenho dúvida de que muitos cristãos que vivem fora dos Estados Unidos se sentirão tão perturbados como eu por essas bizarras convicções da direita cristã. É minha esperança, porém, que eles também comecem a perceber que o respeito que concedem às crenças religiosas em geral acaba por dar abrigo a extremistas de todas as religiões. Embora a maioria dos crentes não arremesse aviões contra edifícios, nem organize sua vida com base nas profecias apocalípticas, poucos questionam a legitimidade de criar e educar um filho de forma que ele acredite que é cristão, muçulmano ou judeu. Assim, até as religiões mais progressistas dão seu apoio táti- co para as divisões religiosas do nosso mundo. Contudo, em (larta a uma nação cristã me dirijo à cristandade em seu aspecto mais desagregador, destrutivo e retrógrado. Nesse aspec- to, tanto liberais e moderados como não-crentes podem reconhecer uma causa em comum.
Segundo uma pesquisa recente da Gallup, apenas 12% dos americanos acreditam que a vida na Terra evoluiu através de um processo natural, sem a interferência de uma divindade. Para 31%, a evolução foi "guiada por Deus".2 Se a nossa visão do mundo fosse submetida a um plebiscito, os conceitos de "design inteligente" derrotariam a ciência da biologia por quase três votos a um. E isso é perturbador, pois a natureza
não apresenta nenhuma prova convincente da existência de um "designer inteligente" e apresenta incontáveis exemplos de "design não-inteligente". Mas a atual polémica sobre o chamado "design inteligente" não deve nos impedir de perceber as verdadeiras dimensões da confusão e ignorância dos americanos religiosos no alvorecer do século xxi. A mesma pesquisa da Gallup revelou que 53% dos americanos são, na verdade, criacionistas. Isso significa que, apesar de um século inteiro de descobertas científicas que atestam como é antiga a vida na Terra, e mais antigo ainda o nosso planeta, mais da metade da população americana acredita que o cosmos inteiro foi criado há 6 mil anos. Diga-se de passagem que mil anos antes disso os sumérios já tinham inventado a cola. Os que têm o poder de eleger presidentes, deputados e senadores — e muitos dos que são eleitos — acreditam que os dinossauros sobreviveram aos pares na arca de Noé, que a luz de galáxias distantes foi criada a caminho da Terra e que os primeiros membros da nossa espécie foram modelados a partir do barro e do hálito divino, em um jardim com uma cobra falante, pela mão de um Deus invisível. Entre os países desenvolvidos, os Estados Unidos estão sozinhos ao adotar essas convicções. De fato, tenho a dolorosa consciência de que meu país hoje parece, como em nenhum outro momento da sua história, um gigante belicoso, desengonçado e mentalmente obtuso. Qualquer pessoa que se preocupe com o destino da civilização faria bem em reconhecer que a combinação de um grande poder com uma grande estupidez é simplesmente aterrorizante, até para os amigos. A verdade, porém, é que muitos de meus compatriotas talvez não se preocupem com o destino da civilização. Nada menos que 44% da população americana está convencida de que Jesus vai voltar para julgar os vivos e os mortos, em algum momento dos próximos cinquenta anos. E, segundo a interpretação mais comum da profecia bíblica, Jesus só vai voltar depois que as coisas derem errado — terrivelmente errado — aqui
na Terra. Portanto, não é exagero dizer que se Londres, Sydney ou Nova York de repente virassem uma grande bola de fogo, uma porcentagem significativa da população americana veria um lado auspicioso na nuvem em forma de cogumelo que se seguiria. Para essas pessoas, seria o sinal de que a melhor coisa que jamais vai acontecer no mundo está prestes a acontecer: a volta de Jesus Cristo. Deveria ser óbvio e evidente que crenças desse tipo pouco ajudam a humanidade a criar para si mesma um futuro duradouro — seja na esfera social, económica, ambiental ou geopolítica. Imagine as consequências se algum componente significativo do governo americano realmente acreditasse que o mundo está prestes a acabar e que o fim do mundo será glorioso. O fato de que quase a metade da população americana acredita nisso, puramente com base em um dogma religioso, deve ser considerado uma emergência moral e intelectual. O livro que você agora vai ler é minha resposta a essa situação de emergência. Meu sincero desejo é que para você ele seja útil.
Sam Harris 19 de novembro de 2006 Nova York
Carta a uma nação cristã Você acredita que a Bíblia é a palavra de Deus, que Jesus é o filho de Deus e que apenas aqueles que têm fé em Jesus alcançarão a salvação após a morte. Como cristão, você acredita nessas afirmações não porque elas o fazem sentir-se bem, mas porque crê que são verdadeiras. Antes de apontar alguns problemas que essas crenças apresentam, eu gostaria de reconhecer que há muitos pontos em que concordo com você. Nós concordamos, por exemplo, que se um de nós es- tá certo, o outro está errado. Ou a Bíblia é a palavra de Deus, ou não é. Ou Jesus oferece à humanidade o único verdadeiro caminho para a salvação
(João 14,6), ou não oferece. Concordamos que ser um bom cristão é acreditar que todas as ou- I i as religiões estão erradas, e profundamente erradas. Se o cris- i ianismo está correto, e eu persistir na minha descrença, devo esperar que um dia irei sofrer os tormentos do inferno. Pior .linda, já convenci outras pessoas, muitas delas próximas a mim, a rejeitar a própria idéia da existência de Deus. Elas também irão padecer no "fogo eterno" (Mateus 25,41). Se a doutrina básica do cristianismo está correta, então desperdicei a minha vida da pior maneira que se possa conceber. Eu reconheço isso, sem restrição alguma. O fato de que a minha rejeição do cristianismo, pública e contínua, não me preocupa nem um pouco já demonstra o quanto considero inadequadas as suas razões para ser cristão. É claro que há cristãos que não concordam nem comigo, nem com você. Há cristãos que vêem outras religiões como caminhos igualmente válidos para a salvação. Há cristãos que não têm medo do inferno e que não acreditam na ressurreição física de Jesus. Esses cristãos costumam se definir como "religiosos liberais" ou "religiosos moderados". Do ponto de vista deles, tanto você como eu não compreendemos corretamente o que significa ser uma pessoa de fé. Existe, pelo que eles nos garantem, um vasto e belo território entre o ateísmo e o fundamentalismo religioso que muitas gerações de cristãos ponderados já exploraram discretamente. Segundo os liberais e os moderados, a fé se baseia não só no mistério e no significado, mas também na comunidade e no amor. As pessoas elaboram a religião a partir de todo o tecido de suas vidas, e não apenas de suas crenças. Já escrevi em outros textos sobre os problemas que vejo no liberalismo religioso e na moderação religiosa. Aqui só precisamos observar que o problema é mais simples e, ao mesmo tempo, mais urgente do que os liberais e moderados costumam reconhecer. Ou a Bíblia é apenas um livro comum, escrito por mortais, ou não é. Ou Cristo era divino, ou não era. Se a Bíblia é um livro comum, e Cristo era
um homem ionium, então a doutrina básica do cristianismo é falsa. Se a Uíblia é um livro comum, e Cristo era um homem comum, então a história da teologia cristã é a história de homens es- ludiosos dissecando uma ilusão coletiva. E se os princípios básicos do cristianismo são verdadeiros, então há surpresas extremamente desagradáveis à espera de descrentes como cu. Isso você compreende. Pelo menos a metade da popula- c,.io americana compreende. Assim, sejamos honestos: com 0 decorrer do tempo, um dos dois lados vai realmente venccr essa discussão, e o outro lado realmente sairá derrotado.
Pense nisto: cada muçulmano devoto tem as mesmas razoes para ser muçulmano que você tem para ser cristão. E, no entanto, você não acha essas razões convincentes. O Corão declara repetidas vezes ser a palavra perfeita do criador do universo. Os muçulmanos acreditam nisso tão piamente quanto você acredita na definição da Bíblia sobre ela própria. I lá uma vasta literatura relatando a vida de Maomé que, do ponto de vista do islã, prova que ele foi o mais recente dos profetas de Deus. Maomé também garantiu aos seus seguidores que Jesus nãotra divino (Corão 5,71-75; 19,30-38), e lia de outra maneira — mas não é espantoso que você tenha conseguido discernir os verdadeiros ensinamentos do cris- l ianismo, enquanto os mais influentes pensadores na história «l.i religião cristã falharam nesse ponto? É claro que muitos < i islãos acreditam que uma pessoa inofensiva como Martin Luther King Jr. é o melhor exemplo da religião cristã. Mas isso apresenta um sério problema, pois a doutrina do jainis- mo é, objetivamente, uma orientação melhor do que a doutrina do cristianismo para quem deseja ser como Martin Luther King Jr. Não há dúvida de que King se considerava um cristão devoto, mas ele assumiu seu compromisso com a não- violência basicamente a partir dos escritos de Mohandas K. Gandhi. Em 1959, King até viajou para a índia a fim de aprender os princípios do protesto social não-violento diretamen- te com os discípulos de Gandhi. E com quem Gandhi, um hin- duísta, aprendeu a doutrina da não-violência? Com os jainistas. Se você acredita que Jesus ensinou apenas a Regra de Ouro e o amor ao próximo, deve reler o Novo Testamento. Preste atenção especial à moralidade que ficará em evidência quando Jesus voltar à terra, deixando um rastro de nuvens de glória: se, de fato, é justo para com Deus que ele dê em paga tribulação aos que vos atribulam [...] quando do céu se manifestar o Senhor Jesus com os anjos do seu poder, em chama de fogo, tomando vingança contra os que não conhecem a Deus e contra os que não obedecem ao evangelho de
nosso Senhor Jesus. Estes sofrerão penalidade de eterna destruição, banidos da face do Senhor e da glória do seu poder. 2 Tessalonicenses 1,6-9 Se alguém não permanecer em mim, será lançado fora, à semelhança do ramo, e secará; e o apanham, lançam no fogo e o queimam. João 15, 6
Se levarmos em conta a metade das afirmações de Jesus, podemos facilmente justificar as ações de são Francisco de Assis ou Martin Luther King Jr. Levando em conta a outra metade, podemos justificar a Inquisição. Qualquer pessoa que acredite que a Bíblia oferece a melhor orientação possível em assuntos de moralidade tem idéias muito estranhas — ou sobre orientação, ou sobre moralidade.
Ao avaliar a sabedoria moral da Bíblia, é útil considerar questões morais que já foram resolvidas para satisfação geral. Considere a questão da escravidão. Hoje, o mundo civilizado inteiro concorda que escravidão é uma abominação. (.Hie instrução moral recebemos do Deus de Abraão a esse respeito? Consulte a Bíblia e você descobrirá que o criador do universo espera, claramente, que nós tenhamos escravos: Quanto aos escravos ou escravas que tiverdes, virão das nações ao vosso derredor; delas comprareis escravos e escravas. Também os comprareis dos filhos dos forasteiros que peregrinam entre vós, deles e das suas famílias que estiverem convosco, que nasceram na vossa terra; e A'os serão por possessão. Deixá-los-eis por herança para vossos filhos depois de vós, para os haverem como possessão; perpetuamente os fareis servir, mas sobre vossos irmãos, os filhos de Israel, não vos assenhoreareis com tirania, um sobre os outros. Levítico 25,44-46
A Bíblia também deixa claro que todo homem tem liberdade de vender sua filha como escrava sexual — apesar de que nesse caso se aplicam certas restrições sutis: Se um homem vender sua filha para ser escrava, esta não lhe sairá como saem os escravos. Se ela não agradar ao seu senhor, que se comprometeu a desposá-la, ele terá de permitir-lhe o resgate; não poderá vendê-la a um povo estranho, pois será isso deslealdade para com ela. Mas, se a casar com seu filho, tratá-la-á como se tratam as filhas. Se ele der ao filho outra mulher, não diminuirá o mantimento da primeira, nem os seus vestidos, nem os seus direitos conjugais. Se não lhe fizer estas três coisas, ela sairá sem retribuição, nem pagamento em dinheiro. Êxodo 21,7-11
A única verdadeira restrição que Deus aconselha acerca da escravidão é que não devemos bater nos nossos escravos tão severamente a ponto de ferir seus olhos ou seus dentes (Êxodo 21, 26-27). Nem é preciso dizer que esse não é o tipo de orientação moral que conseguiu abolir a escravidão nos Estados Unidos. Em nenhum ponto do Novo Testamento Jesus faz obje- ção à prática da escravidão. São Paulo até exorta os escravos a servirem bem aos seus senhores — e especialmente bem aos seus senhores cristãos: Quanto a vós outros, servos, obedecei a vossos senhores segundo a carne com temor e tremor, na sinceridade do vosso coração, como a Cristo [...] servindo de boa vontade, como ao Senhor, e não como a homens. Efésios 6, 5-7 Todos os servos que estão debaixo de jugo considerem dignos de toda honra os próprios senhores, para que o nome de Deus e a doutrina não sejam blasfemados. Também os que têm senhores fiéis não os tratem com desrespeito, porque são irmãos; pelo contrário, trabalhem ainda mais, pois eles, que partilham do seu bom serviço, são crentes e amados. Ensina
e recomenda estas coisas. Se alguém ensina outra doutrina e não concorda com as sãs palavras de nosso Senhor Jesus Cristo, e com o ensino segundo a piedade, é enfatuado, nada entende, mas tem mania por questões e contendas de palavras, de que nascem inveja, provocação, difamações, suspeitas malignas [...) 1 Timóteo 6,1-4
Deve ficar bem claro a partir dessas passagens que, embora os abolicionistas do século xix estivessem moralmente cus; cada um desses fatores pode estimular o outro; ou talvez ambos derivem de algum fator nocivo mais profundo. < on tudo, deixando de lado a questão de causa e efeito, essas < balísticas provam que o ateísmo é compatível com as aspi- i açoes básicas de uma sociedade civil; e também provam, de maneira conclusiva, que a crença generalizada em Deus não garante a saúde de uma sociedade. Os países com altos níveis de ateísmo também são os mais caridosos, em termos da porcentagem de sua riqueza que dedicam a programas internos de bem-estar social e ajuda aos países pobres.25 A duvidosa relação entre os valores cristãos e a crença literal na Bíblia cristã é desmentida por outros índices de igualdade social. Considere a proporção entre a remuneração dos executivos de mais alto escalão e o salário médio pago aos funcionários das mesmas empresas: na Grã-Breta- nha, é de 24:1; na França, 15:1; na Suécia, 13:1; e nos Estados Unidos, onde 80% da população espera ser chamada diante de Deus no Dia do Juízo Final, é de 475:1.26 Pelo visto, parece que muitos camelos esperam passar com facilidade pelo buraco de uma agulha.
QUEM COLOCA A BONDADE NO BOM LIVRO ?*
Mesmo que a crença em Deus exercesse um efeito positivo confiável sobre o comportamento humano, isso não seria motivo para acreditar em Deus. Uma pessoa só pode crer em Deus se acreditar que Deus realmente existe. Mesmo que o ateísmo levasse diretamente ao caos moral, isso não indicaria que a doutrina do cristianismo é verdadeira. O islã poderia ser verdadeiro, nesse caso. Ou, talvez, todas as religiões poderiam agir como placebos. Como descrição do universo po deriam ser totalmente falsas, mas, mesmo assim, úteis. Con * Em inglês, costuma-se chamar a Bíblia de "the Good Book" ("o Bom Livro"). (N.T.)
tudo, as provas indicam que as religiões são não apenas falsas como também perigosas. Quando você fala nas boas consequências que as suas crenças exercem sobre a moral humana, está seguindo o exemplo dos religiosos liberais e moderados. Em vez de dizer que acreditam em Deus porque determinadas profecias bíblicas se realizaram, ou porque os milagres narrados nos evangelhos são convincentes, os liberais e moderados costumam falar nas boas consequências de se acreditar, tal como eles acreditam. Esses crentes muitas vezes dizem que acreditam em Deus porque isso "dá sentido às suas vidas". Quando um tsunami matou centenas de milhares de pessoas no dia seguinte ao Natal de 2004, muitos cristãos conservadores viram nessa catástrofe uma prova da ira divina. Aparentemente, Deus estava enviando mais uma mensagem em código sobre os males do aborto, da idolatria e do homossexualismo. Embora eu con- ádere essa interpretação dos acontecimentos absolutamente lepugnante, ela tem, pelo menos, a virtude de ser razoável quando se assume um dado conjunto de hipóteses básicas. Os liberais e moderados, por outro lado, se recusam a tirar qualquer conclusão que seja a respeito de Deus a partir das obras dele. Deus permanece um mistério absoluto, uma mera fon- l< de consolo que é compatível com todos os males, até os mais devastadores. Logo após o
tsunami na Ásia, liberais e mode- i ad( >s admoestaram uns aos outros para que procurassem Deus ii.lo no poder que moveu a onda, mas sim na resposta que i humanidade deu à onda". 27 Creio que podemos concordar, I 'i i >vavelmente, que é a benevolência humana — e não a dilua — que fica à mostra a cada vez que os corpos inchados • I' r. mortos são trazidos do mar para serem enterrados. Se em um único dia mais de 100 mil crianças foram arrancadas dos braços de suas mães e afogadas com total displicência, a teologia liberal deve ser vista bem claramente, tal como ela é: a mais pura falsidade que um mortal possa conceber. A teologia da ira tem muito mais mérito intelectual. Se Deus existe e tem um interesse nos assuntos dos seres humanos, sua vontade não é inescrutável. Aqui a única coisa inescrutável é que tantos homens e mulheres, que em outros aspectos são racionais, conseguem negar o horror implacável desses acontecimentos e julgar que esse é o ápice da sabedoria moral.
Assim como a maioria dos cristãos, você acredita que simples mortais como nós não podem rejeitar a moralidade da Bíblia. Não podemos dizer, por exemplo, que Deus estava errado quando afogou a maior parte da humanidade no dilúvio narrado no Génesis, pois isso é apenas a maneira como as coisas parecem ser, a partir do nosso limitado ponto de vista. E, contudo, você se acha com capacidade de julgar que Jesus é o Filho de Deus, que a Regra de Ouro é o ápice da sabedoria moral e que a Bíblia não está transbordando de mentiras. Você usa a sua própria intuição moral para autenticar a sabedoria da Bíblia — e no, entanto, no momento seguinte você afirma que nós, seres humanos, não podemos, de forma alguma, confiar na nossa própria intuição para nos guiar corretamente no mundo; em vez disso, temos de depender das prescrições da Bíblia. Ou seja, você usa a sua própria intuição moral para concluir que a Bíblia é a garantia apro-
priada da sua intuição moral. Suas intuições continuam sendo primárias, e o seu raciocínio é circular. Nós decidimos o que é bom no "Bom Livro". Lemos a Regra de Ouro e achamos que ela destila, de maneira brilhante, muitos de nossos impulsos éticos. E, em seguida, encontramos mais um dos ensinamentos de Deus sobre a moral: se um homem descobrir, em sua noite de núpcias, que sua noiva não é virgem, ele deve levá-la até a soleira da porta do pai dela e apedrejá-la até a morte (Deuteronômio 22,13-21). Se somos civilizados, rejeitaremos isso como o ato mais lunático e mais vil que se possa imaginar. Mas para isso precisamos exercer nossa própria intuição moral. Acreditar que a Bíblia é a palavra de Deus não nos ajuda de maneira alguma. A escolha que temos pela frente é simples: podemos ter uma conversa do século xxi acerca da moral e do bem-estar humano — uma conversa na qual recorremos a todas as descobertas científicas e argumentos filosóficos acumulados nos últimos 2 mil anos de discurso humano — ou então podemos nos confinar a uma conversa do século i, tal como preservada na Bíblia. Por que alguém haveria de querer adotar a segunda opção?
A BONDADE DIVINA
Em algum lugar do mundo, um homem acaba de seques- l rar uma garotinha. Logo mais ele vai estuprá-la, torturá-la e matá-la. Se uma atrocidade desse tipo não está ocorrendo neste exato momento, vai ocorrer dentro de poucas horas, ou no máximo de alguns dias. É essa certeza que podemos obter a partir das leis estatísticas que governam a vida de 6 bilhões de seres humanos. Essas mesmas estatísticas também sugerem que os pais dessa garotinha acreditam — tal como você acredita — que um Deus todo-poderoso e cheio de amoi infinito está
velando por eles e pela sua família. Eles estão certos ao acreditar nisso? É bom que eles acreditem nisso? Não. O ateísmo em sua totalidade está contido nessa resposta. O ateísmo não é uma filosofia; não é sequer uma visão do mundo; é simplesmente o reconhecimento do óbvio. Na verdade, ateísmo é um termo que nem deveria existir. Ninguém precisa se identificar como "não-astrólogo", ou "não-alqui- mista". Não temos palavras para definir pessoas que duvidam de que Elvis Presley continua vivo, ou de que alienígenas atravessaram a galáxia só para incomodar fazendeiros e seu gado. O ateísmo nada mais é do que os ruídos que pessoas razoáveis fazem diante de crenças religiosas não justificadas. Um ateu é simplesmente uma pessoa que acredita que os 260 milhões de americanos (87% da população) que afirmam "nunca duvidar da existência de Deus" deveriam ser obrigados a apresentar as provas da existência dele — e, aliás, também da benevolência desse Deus, em vista da implacável destruição de seres humanos inocentes que testemunhamos neste mundo todos os dias. Um ateu é uma pessoa que acredita que o assassinato de uma única menininha — mesmo que ocorra uma vez em 1 milhão de anos — lança dúvidas sobre a idéia da existência de um Deus benevolente. As provas de que Deus não protege a humanidade estão por toda parte. A cidade de Nova Orleans, por exemplo, foi recentemente destruída por um furacão. Mais de mil pessoas morreram; dezenas de milhares perderam tudo o que tinham; e quase 1 milhão se tornaram refugiadas. Podemos di- zer com bastante segurança que quase todas as pessoas que moravam em Nova Orleans no momento em que o furacão Katrina as atingiu acreditavam, como você, em um Deus oni- potente, onisciente e misericordioso. Mas o que estava Deus fazendo enquanto o Katrina devastava a cidade? Com certeza Ele ouviu as orações daqueles homens e mulheres idosos que fugiram da enchente buscando
segurança no sótão de suas casas, e ali lentamente se afogaram. Eram gente de fé. Eram boas pessoas, que tinham orado durante toda a vida. Será que você tem coragem de reconhecer o óbvio? Essa pobre gente morreu falando com um amigo imaginário. É claro que houve numerosos alertas de que uma tempestade "de proporções bíblicas" atingiria Nova Orleans, e a resposta humana ao desastre que se seguiu foi de uma ineficiência trágica. Mas foi ineficiente apenas à luz da ciência. A religião não ofereceu absolutamente nenhuma base para uma reação. Os alertas que foram dados previamente, traçando a Irajetória do Katrina, foram arrancados da muda Natureza por meio de cálculos meteorológicos e imagens de satélite. I )eus não contou seus planos para ninguém. Se os moradores de Nova Orleans se contentassem em confiar na benevolência divina, não ficariam sabendo que um furacão assassino viria atacá-los, até sentirem as primeiras rajadas de vento no rosto. E, contudo, como não deve ser surpresa para você, uma pesquisa feita pelo The Washington Post descobriu que 80% dos sobreviventes do Katrina afirmam que esse acontecimento só serviu para fortalecer sua fé em Deus. Enquanto o furacão Katrina devorava Nova Orleans, quase mil peregrinos xiitas foram pisoteados e mortos em uma ponte no Iraque. Esses peregrinos tinham uma fé poderosa no Deus do Corão. Suas vidas eram organizadas em torno do fato indiscutível da existência desse Deus; as mulheres usavam véus diante dele; os homens regularmente assassinavam uns aos outros devido a interpretações divergentes da palavra dele. Seria notável se um único sobrevivente dessa tragédia tivesse perdido a fé. O mais provável é que os sobreviventes imaginem que foram poupados pela graça divina. Já é hora de reconhecermos o ilimitado narcisismo e auto-engano desses que foram salvos. Já é hora de reconhecermos que é uma verdadeira desgraça que os sobreviventes de uma catástrofe acreditem que foram poupados por um Deus amoroso, enquanto esse
mesmo Deus afogava bebés em seus berços. Quando parar de revestir a realidade do sofrimento do mundo com fantasias religiosas, você sentirá até os ossos como a vida é preciosa — e que é uma grande infelicidade que milhões de seres humanos sofram tanto quando sua felicidade é abruptamente cortada, das maneiras mais horríveis, sem nenhum bom motivo.
É de se pensar quão vasta e gratuita teria de ser uma catástrofe para abalar a fé das pessoas. O Holocausto não obteve esse efeito. Tampouco o genocídio em Ruanda — mesmo contando entre os assassinos padres católicos brandindo suas machadinhas. No século xx, nada menos que 500 milhões de pessoas morreram de varíola, em boa parte crianças. Os caminhos de Deus são, de fato, inescrutáveis. Parece que qualquer fato, por mais infeliz que seja, pode ser considerado compatível com a fé religiosa. É claro que pessoas de todas as religiões sempre garantem umas às outras que Deus não é responsável pelo sofrimento humano. Mas, então, como compreender a afirmação de que Deus é, ao mesmo tempo, onisciente e onipoten- te? Esse é o problema antiquíssimo da teodicéia,* é claro, e devemos considerá-lo solucionado. Se Deus existe, ou Ele não pode fazer nada para impedir as mais terríveis calamidades, ou então Ele não tem interesse nisso. Portanto, ou Deus é impotente, ou então é mau. Você pode agora ser tentado a executar a seguinte pirueta: Deus não pode ser julgado pelos critérios humanos de moral. Mas já vimos que os critérios humanos de moral são exatamente aqueles que você utiliza para afirmar a bondade de Deus. E qualquer Deus que se preocupe com coisas tão triviais como o casamento gay, ou o nome pelo qual Ele deve ser chamado nas orações, não é tão inescrutável assim. Existe outra possibilidade, claro, que é ao mesmo tempo a mais razoável e a menos odiosa: o Deus bíblico é uma ficção, tal como Zeus e milhares de outros deuses mortos que a maioria dos seres humanos mentalmente sãos hoje ignora. Você consegue provar que Zeus não existe? Claro que não. E, contudo, imagine se nós vivêssemos em uma sociedade em que as pessoas gastassem dezenas de bilhões de dólares de sua renda pessoal a cada ano a fim de propiciar os deuses no monte
Olimpo, em que o governo gastasse outros bilhões tirados dos impostos dos cidadãos para sustentar instituições dedicadas a esses deuses, em que outros incontáveis bilhões em subsídios fiscais fossem doados para templos pagãos, em que as autoridades eleitas se esforçassem ao máximo para impe' Tcodicéia: justificativa da crença na onipotência e na bondade de Deus, diante da
dir pesquisas médicas por respeito à Ilíada e à Odisséia, e em que cada debate sobre políticas públicas fosse subvertido para satisfazer os caprichos de antigos autores que até escreviam bem, mas não conheciam o suficiente sobre a realidade nem para separar seus excrementos de sua comida. Isso seria uma aplicação horrivelmente equivocada dos nossos recursos materiais, morais e intelectuais. E, contudo, é exatamente essa a sociedade em que estamos vivendo. É este o mundo tristemente irracional que você e seus companheiros cristãos trabalham incansavelmente para criar. existência do mal no mundo. (N. T.)
É terrível pensar que todos nós morremos e perdemos tudo que amamos; é duplamente terrível que tantos seres humanos sofram desnecessariamente enquanto estão vivos. O fato de que uma parte tão grande desse sofrimento pode ser atribuída diretamente à religião — aos ódios religiosos, às guerras religiosas, aos tabus religiosos, aos desvios religiosos de recursos escassos — é o que torna a crítica honesta da fé religiosa uma necessidade moral e intelectual. Infelizmente, expressar essa crítica coloca o não-crente nas margens da sociedade. Só por estar em contato com a realidade, ele parece vergonhosamente fora de contato com a vida fantasiosa de seus vizinhos.
O PODER DA PROFECIA
Costuma-se dizer que é razoável acreditar que a Bíblia é a palavra de Deus porque muitos acontecimentos narrados no Novo Testamento confirmam profecias do Velho Testamento. Mas faça esta pergunta a você mesmo: que dificulda-
6o de teriam os autores dos evangelhos em narrar a vida de Jesus de modo a fazê-la conformar-se às profecias do Velho Testamento? Não estaria dentro do poder de qualquer mortal escrever um livro que confirmasse as previsões de um livro anterior? E, de fato, sabemos com base nas evidências tex- t uais que foi isso que fizeram os autores dos evangelhos.28 Os autores dos livros de Lucas e de Mateus, por exemplo, declaram que Maria concebeu virgem, adotando a versão grega de Isaías 7,14. Contudo, o texto hebraico de Isaías usa a palavra "almá", que significa simplesmente "uma jovem", sem nenhuma implicação de virgindade. Parece praticamente certo que o dogma do nascimento virginal, e boa parte da consequente ansiedade no mundo cristão a respeito do sexo, é produto de uma tradução errada do texto hebraico. Outro golpe contra a doutrina do nascimento virginal é que os ou- tros dois evangelistas não ouviram falar a respeito. Tanto Marcos como João parecem constrangidos com as acusações da ilegitimidade de Jesus, mas nunca mencionam sua origem milagrosa. São Paulo afirma que Jesus "nasceu da semente de I )avi, de acordo com a carne" e "foi nascido de mulher", sem nenhuma referência à virgindade de Maria. Os evangelistas também cometeram outros erros em suas referências ao Velho Testamento. Mateus 27, 9-10, por exemplo, alega cumprir uma afirmação que atribui a Jeremias. Na verdade, essa afirmação aparece em Zacarias 11,12- 13. Os evangelhos também contradizem uns aos outros muitas vezes.29 João nos diz que Jesus foi crucificado na véspera da ceia de Páscoa; Marcos diz que foi no dia seguinte. À luz de tais discrepâncias, como é possível que você acredite que a Bíblia é perfeita em todas as suas partes? O que você acha 6i dos muçulmanos, mórmons e sikhs, que também ignoram contradições semelhantes em seus respectivos livros sagrados? Esses fiéis também dizem coisas como "O Espírito Santo só tem olhos para a substância e não é limitado pelas palavras" (Martinho Lutero). Será que isso torna
você minimamente mais predisposto a aceitar as escrituras dessas outras religiões como a palavra perfeita do criador do universo?
Os cristãos costumam afirmar que a Bíblia prevê eventos históricos futuros. Por exemplo, Deuteronômio 28,64 diz: "O SENHOR vos espalhará entre todos os povos, de uma até a outra extremidade da terra". Jesus diz, em Lucas 19,43-44: "Pois sobre ti virão dias em que os teus inimigos te cercarão de trincheiras e, por todos os lados, te apertarão o cerco; e te arrasarão e aos teus filhos dentro de ti; não deixarão em ti pedra sobre pedra porque não reconheceste a oportunidade da tua visitação". Segundo os cristãos, temos de acreditar que essas afirmações prevêem a história subsequente dos judeus de uma maneira tão espantosa, tão específica, que só pode admitir uma explicação sobrenatural. Mas imagine como seria específica e impressionante uma obra de profecia, se fosse realmente produto da onisciên- cia. Se a Bíblia fosse um livro assim, ela faria previsões perfeitamente exatas sobre os acontecimentos humanos. Poderíamos esperar que ela contivesse uma passagem tal como: "Na segunda metade do século xx, a humanidade vai desenvolver um sistema de computadores interligados globalmente — cujos princípios estabeleci no Levítico — e esse sistema será chamado internet". A Bíblia não contém nada desse tipo. Na verdade, ela não contém nem uma única frase que não pudesse ser escrita por um homem ou mulher que vivesse no século i. Isso deveria perturbar você. Um livro escrito por um ser onisciente poderia conter, por exemplo, um capítulo sobre matemática que, depois de 2 mil anos de uso contínuo, ainda seria a mais rica fonte de sabedoria matemática que a humanidade já viu. Em vez disso, não há na Bíblia nenhuma discussão formal da matemática, e ela contém alguns erros matemáticos. Em dois lugares, por exemplo, o Bom Livro afirma que a
proporção entre a circunferência de um círculo e o seu diâmetro é de 3:1 (1 Reis 7,23-26 e 2 Crónicas 4,2-5). Como aproximação da constante 7t (pi), não é nada impressionante. A expansão decimal de Tl vai até o infinito — 3,1415926535... —, e os computadores modernos hoje nos permitem calculá-la até qualquer grau de exatidão que possamos desejar. Mas tanto os egípcios como os babilónios aproximaram n em algumas casas decimais vários séculos antes que os livros mais antigos da Bíblia fossem escritos. A Bíblia nos oferece uma aproximação extremamente rudimentar, mesmo pelos padrões da Antiguidade. Como já podemos imaginar, os fiéis encontraram maneiras de racionalizar tudo isso; mas essas racionalizações não conseguem esconder as óbvias deficiências da Bíblia como fonte de conhecimentos matemáticos. É absolutamente verdadeiro dizer que se o matemático grego Arquimedes tivesse escrito as passagens relativas ao k em 1 Reis e 2 Crónicas, o texto apresentaria muito mais provas da "onis- ciência" do autor. Por que a Bíblia não diz nada sobre a eletricidade, ou sobre o DNA , ou sobre a verdadeira idade e extensão do univer- so? E o que dizer de uma cura para o câncer? Quando compreendermos plenamente a biologia do câncer, esses fatos serão facilmente resumidos em algumas páginas de texto. Por que essas páginas, ou algo remotamente parecido, não se encontram na Bíblia? Pessoas boas e piedosas estão neste exa- to momento morrendo de câncer, sofrendo horrivelmente, e muitas delas são crianças. A Bíblia é um livro muito grande. Deus teve espaço suficiente para nos instruir em detalhes sobre a maneira de manter escravos e de sacrificar diversos animais. Para alguém que está fora da fé cristã, é espantoso como um livro pode ter um conteúdo tão trivial e, mesmo assim, ser considerado produto da onisciência.
O CHOQUE ENTRE CIÊNCIA E RELIGIÃO
Embora hoje seja uma necessidade moral para os cientistas falar honestamente sobre o conflito entre ciência e religião, até a Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos declarou que esse conflito é ilusório: Na raiz do aparente conflito entre algumas religiões e a evolução está uma compreensão equivocada da diferença crítica entre o modo de conhecimento religioso e o científico. As religiões e a ciência respondem a perguntas diferentes sobre o mundo. Se existe um propósito no universo ou um propósito para a existência humana, essas não são perguntas para a ciência. O modo de conhecimento religioso e o científico representaram, e continuarão a representar, papéis significativos na história humana [...]. A ciência é uma maneira de conhecer o mundo natural. Ela se limita a explicar o mundo natural através de causas naturais. A ciência não pode dizer nada acerca do sobrenatural. Se Deus existe ou não é uma questão sobre a qual a ciência é neutra.30
Esta afirmação é espantosa por sua falta de sinceridade. É claro que os cientistas vivem com um perpétuo medo de perder as verbas públicas, de modo que a Academia Nacional de Ciências talvez tenha expressado apenas seu puro terror da ira dos contribuintes. A verdade, porém, é que o conflito entre religião e ciência é inevitável. O sucesso da ciência muitas vezes vem às expensas do dogma religioso; a manutenção do dogma religioso sempre vem às expensas da ciência. Nossas religiões não se limitam simplesmente a falar sobre "o propósito da existência humana". Tal como a ciência, cada religião faz afirmações específicas sobre o mundo. Essas afirmações alegam tratar de fatos — o criador do universo pode ouvir (e ocasionalmente atender) suas preces; a alma entra no zigoto no momento da concepção; quem não acredita nas coisas certas a respeito de Deus vai passar por sofrimentos terríveis depois da morte. Essas afirmações estão
intrinsecamente em conflito com as afirmações da ciência, pois são feitas a partir de provas terrivelmente insatisfatórias. No sentido mais amplo, a "ciência" (do latim scire, "saber") representa os nossos melhores esforços para saber o que é verdade sobre o nosso mundo. Aqui não precisamos distinguir entre ciências "exatas" e "humanas", ou entre a ciência e um ramo das humanidades como a história. É um fato histórico, por exemplo, que os japoneses bombardearam Pearl Harbor em 7 de dezembro de 1941. Em consequência, este fato faz parte da visão de mundo adotada pela racionalidade científica. Em vista das abundantes provas que atestam tal fato, qualquer um que acredite que ele aconteceu em alguma outra data, ou que na verdade foram os egípcios que lançaram as bombas, precisaria dar muitas explicações. O cerne da ciência não são as experiências controladas, nem os modelos matemáticos; é a honestidade intelectual. Já é hora de reconhecermos uma característica básica do discurso humano: quando se considera a verdade de uma afirmação, ou a pessoa está empenhada em avaliar honestamente as provas e os argumentos lógicos, ou não está. A religião é a única área da nossa vida na qual as pessoas imaginam que se aplica algum outro padrão de integridade intelectual.
Considere as recentes deliberações da Igreja católica romana sobre a doutrina do limbo. Trinta teólogos de alto escalão do mundo todo se reuniram recentemente no Vaticano para discutir a questão do que acontece aos bebés que morrem sem ter passado pelo sagrado rito do batismo. Desde a Idade Média, os católicos acreditam que esses bebés vão para um estado de limbo, onde desfrutam para todo o sempre do que santo Tomás de Aquino denominou "felicidade natural". Tal noção contrastava com as opiniões de santo Agostinho, que acreditava que essas infelizes almas infantis passariam a eternidade no inferno.
Apesar de o limbo não ter nenhum fundamento real na escritura, e de nunca ter sido uma doutrina oficial da Igreja, há séculos vem sendo uma parte importante da tradição católica. Em 1905, o papa Pio X endossou-a plenamente: "As crianças que morrem sem batismo vão para o limbo, onde não desfrutam da presença de Deus, mas também não sofrem". Agora as grandes mentes da Igreja se reuniram para reconsiderar o assunto. É possível conceber algum projeto que seja intelectualmente mais infeliz e inútil do que este? Imagine como devem ser essas deliberações. Será que existe a menor possibilidade de que alguém apresente provas indicando qual o destino eterno das crianças não batizadas após a morte? Como pode uma pessoa instruída julgar tal debate se não como uma hilária, aterrorizante e exorbitante perda de tempo? Quando se considera o fato de que essa mesma instituição produz e abriga um exército de elite de molestadores de crianças, todo esse empreendimento começa a exalar uma aura realmente diabólica de energia humana desperdiçada.
O conflito entre ciência e religião pode reduzir-se a um simples fato da cognição e do discurso humano: ou uma pessoa tem bons motivos para acreditar naquilo que acredita, ou não tem. Se houvesse boas razões para acreditar que Jesus nasceu de uma mulher virgem, ou que Maomé voou para o céu em um cavalo alado, essas crenças necessariamente fariam parte da nossa descrição racional do universo. Todos reconhecem que confiar na "fé" para decidir sobre questões específicas de fatos históricos é ridículo — isto é, até que a conversa se volte para a origem de livros como a Bíblia e o Corão, a ressurreição de Jesus, as conversas de Maomé com o arcanjo Gabriel ou qualquer outro dogma religioso. Já é hora de reconhecermos que a "fé" não é nada
mais do que a licença que as pessoas religiosas dão umas às outras para continuar acreditando, quando não há razões para acreditar. Embora acreditar firmemente em algo, sem ter provas, seja considerado um sinal de loucura ou estupidez em qualquer outra área de nossa vida, a fé em Deus continua mantendo imenso prestígio na nossa sociedade. A religião é a única área do nosso discurso na qual se considera nobre fingir ter certeza — certeza acerca de coisas das quais nenhum ser humano pode ter certeza. É significativo que essa aura de nobreza alcance apenas aquelas religiões que continuam tendo muitos adeptos. Qualquer pessoa que for surpreendida adorando Posêidon, mesmo no meio do oceano, será considerada insana.*
OS FATOS DA VIDA
Todas as formas complexas de vida na Terra se desenvolveram a partir de formas de vida mais simples, ao longo de bilhões de anos. Este é um fato que não admite mais disputas inteligentes. Se você duvida de que o ser humano evoluiu a partir de espécies anteriores, também pode duvidar de que o Sol é uma estrela. É verdade que o Sol não parece uma estrela, mas nós sabemos que ele é uma estrela que, por acaso, está relativamente perto da Terra. Imagine como você ficaria envergonhado se sua fé religiosa dependesse da hipótese de que o Sol não é, de forma alguma, uma estrela. Imagine milhões de cristãos nos Estados Unidos gastando centenas de milhões de dólares a cada ano para combater os astrónomos * Verdade seja dita, venho recebendo e-mails de protesto de pessoas que afirmam, aparentemente com toda a sinceridade, acreditar que Posêidon e outros deuses da mitologia grega são reais.
e astrofísicos descrentes acerca deste ponto. Imagine como eles trabalhariam com fervor para conseguir que suas idéias acerca do Sol — idéias sem nenhum fundamento — fossem ensinadas nas escolas do
nosso país. Pois é exatamente essa a situação em que você está agora no que se refere à evolução. Os cristãos que duvidam da verdade da evolução costumam dizer coisas como "A evolução é apenas uma teoria, não um fato". Tal afirmação revela uma séria falta de compreensão sobre a maneira como o termo "teoria" é usado no discurso científico. Na ciência, os fatos devem ser explicados com referência a outros fatos. Esses modelos explicativos mais amplos são "teorias". As teorias fazem previsões e podem, em princípio, ser testadas. A expressão "teoria da evolução" não sugere, de maneira nenhuma, que a evolução não é um fato. Pode-se falar na "teoria da origem microbiana das doenças" ou na "teoria da gravidade" sem lançar dúvidas sobre a doença ou a gravidade como fatos da natureza. Também vale notar que é possível obter um doutorado em qualquer ramo da ciência com a única finalidade de fazer um uso cínico da linguagem científica, no esforço de racionalizar as gritantes deficiências da Bíblia. Parece que um punhado de cristãos já fez isso; alguns até conseguiram diplomas de universidades de prestígio. Sem dúvida, outros seguirão seus passos. Embora essas pessoas sejam, tecnicamente, "cientistas", não estão se portando como cientistas. Elas simplesmente não estão empenhadas em uma pesquisa honesta sobre a natureza do universo. E as suas afirmações acerca de Deus e das falhas do darwinismo não significam, em absoluto, que haja uma polémica científica legítima acerca da evolução. Em 2005 foi realizada uma pesquisa em 34 países, que mediu a porcentagem de adultos que aceitam a evolução. Os Estados Unidos ficaram na posição número 33, logo acima da Turquia. Enquanto isso, os estudantes secundaris- tas nos Estados Unidos se classificam abaixo dos estudantes de tocios os países europeus e asiáticos em testes de compreensão de matemática e ciências.31 Esses dados são inequívocos: estamos construindo uma civilização da ignorância.
Eis aqui o que sabemos. Sabemos que o universo é muito mais antigo do que a Bíblia sugere. Sabemos que todos os organismos complexos que há na Terra, inclusive nós mesmos, evoluíram a partir de organismos mais antigos ao longo de bilhões de anos. As provas são absolutamente esmagadoras. Não existe nenhuma dúvida de que a diversidade da vida que vemos ao nosso redor é a expressão de um código genético escrito na molécula do DNA , que o DNA passa por mutações aleatórias, e que algumas mutações aumentam as chances de um organismo sobreviver e se reproduzir num dado ambiente. Esse processo de mutação e seleção natural permitiu que populações isoladas de indivíduos se reproduzissem e, ao longo de vastas extensões de tempo, formassem novas espécies. Não há dúvida alguma de que os seres humanos evoluíram desta maneira a partir de ancestrais não-humanos. Sabemos, a partir de evidências genéticas, que compartilhamos um ancestral comum com os símios e os macacos, e que esse ancestral, por sua vez, tinha um ancestral em comum com os morcegos e os lêmures voadores. Existe uma árvore da vida extremamente ramificada, cuja forma e caráter básicos são hoje muito bem compreendidos. Assim, não há nenhuma razão para acreditar que cada espécie foi criada em sua forma atual. De que modo começou o processo da evolução continua sendo um mistério, mas isso não indica, de forma alguma, que provavelmente existe alguma divindade à espreita por trás de tudo isso. Qualquer leitura honesta do relato bíblico da criação sugere que Deus criou todos os animais e plantas tais como nós os vemos agora. Não há dúvida alguma de que a Bíblia está errada acerca disso. Muitos cristãos que desejam lançar dúvidas sobre a verdade da evolução agora defendem algo chamado "Design Inteligente" ( DI ), OU "Projeto Inteligente". O problema do
DI
é que ele não passa de um
programa de defesa de idéias políticas e religiosas, disfarçado de ciência. Uma vez que a crença no Deus bíblico não encontra nenhuma
sustentação na nossa crescente compreensão científica do mundo, os teóricos do
DL
invariavelmente escoram suas afirmações nas áreas
onde há ignorância científica. A argumentação a favor do
DL
prossegue em muitas frentes ao
mesmo tempo. Tal como incontáveis teístas que vieram antes, os adeptos do
DI
costumam argumentar que o próprio fato de que o
universo existe prova a existência de Deus. Esse argumento se desenvolve mais ou menos assim: tudo o que existe tem uma causa; o espaço e o tempo existem; portanto, o espaço e o tempo devem ter sido causados por alguma coisa que fica fora do espaço e do tempo; e a única coisa que transcende o espaço e o tempo, e, contudo, mantém o poder de criar, é Deus. Muitos cristãos como você acham esse argumento convincente. No entanto, mesmo que concordemos com as afirmações básicas desse argumento (cada uma das quais exige muito mais discussão do que os teóricos do DL reconhecem), a conclusão final não se segue logicamente. Quem pode dizer que a única coisa capaz de fazer surgir o espaço e o tempo é um ser supremo? Mesmo que acci tássemos que o nosso universo simplesmente tinha de ser pro jetado por um "projetista", isso não indicaria que esse proje tista é o Deus bíblico, nem que Ele aprova o cristianismo. Si nosso universo foi criado por um projeto inteligente, laIv< . ele esteja sendo executado como uma simulação em um su percomputador alienígena. Ou talvez seja obra de um I )cu malvado, ou ainda de dois deuses malvados, jogando cabo de-guerra em um cosmos ainda maior. Como muitos críticos da religião já notaram, a noção de um criador coloca um problema imediato de regressão i 1111 nita. Se Deus criou o universo, o que criou Deus? Dizer qu< Deus, por definição, não foi criado, é simplesmente esquivai se da questão. Qualquer ser capaz de criar um mundo com plexo deve ser, ele próprio, muito complexo. Como o biólo go Richard Dawkins já observou repetidas vezes, o
único processo natural conhecido que já conseguiu produzir um sei capaz de projetar coisas é a evolução. A verdade é que ninguém sabe como ou por que o uni verso começou a existir. Nem sequer é claro se podemos la lar com coerência sobre a criação do universo, já que tal la to só pode ser concebido com referência ao tempo, e aqui estamos falando sobre o nascimento do próprio espaço-tem po.* Qualquer pessoa dotada de honestidade intelectual vai reconhecer que não sabe por que o universo existe. Os cien tistas, é claro, reconhecem prontamente sua ignorância so bre esse ponto. Não é o que fazem os crentes religiosos. Uma * O físico Stephen Hawking, por exemplo, imagina o espaço-tempo como uma superfície fechada, com quatro dimensões, sem começo nem fim (semelhante à superfície de uma esfera).
das monumentais ironias do discurso religioso aparece 11a frequência com que as pessoas de fé elogiam a si mesmas por sua humildade, ao mesmo tempo que condenam os cientistas e outros não-crentes por sua arrogânc ia intelectual. Na verdade, não existe uma visão do mundo mais repreensível em sua arrogância do que a visão de um (tente religioso: o criador do universo se interessa por mim, me aprova, me ama e vai me recompensar depois da morte; minims crenças aluais, vindas das escrituras, continuarão sendo a mellioi expressão da verdade até o fim do mundo; todos os t f u e discordam de mim passarão a eternidade no inferno... Um ci islão medio, numa igreja média, ouvindo um sermão dominii al médio, para todo o sempre. Mas a verdade é que, embora haja i ei ca de 350 mil espécies conhecidas de besouros, parece qu< Deus tem uma predileção ainda maior pelos vírus. Os bio logos avaliam que existem pelo menos dez cepas de vírus | u ra cada espécie animal da Terra. Muitos vírus são benignos, claro, e alguns vírus antigos talvez tenham desempenhado um papel importante 110 surgimento de organismos com plexos. Só que os vírus usam organismos como eu e você co mo seus órgãos reprodutivos. Muitos deles invadem nossa:, células para destruí-las e, nesse processo, nos destroem de maneira horrível, implacável e sem tréguas. Vírus como o Hiv, assim como um amplo espectro de bactérias nocivas, podem ser
vistos em seu processo de evolução bem debaixo do nosso nariz, desenvolvendo resistência às drogas antivi rais e antibióticas, para prejuízo de todos nós. A evolução prevê e explica esse fenómeno; já o livro do Génesis, não. Como você pode imaginar que a fé religiosa oferece a melhor explicação dessas realidades, ou que estas indicam algum propósito mais profundo e misericordioso de um ser onisciente?
Nosso próprio corpo é testemunha dos caprichos e incompetências do criador. Na nossa fase de embriões, produzimos cauda, guelras e toda uma pelagem semelhante à dos macacos. Felizmente, a maioria de nós perde esses encantadores acessórios antes de nascer. Essa bizarra sequência morfológica é facilmente interpretada em termos evolucionários e genéticos; se somos produto do design inteligente, é um mistério total. Outro exemplo: os homens têm um canal urinário que corre diretamente através da próstata, e essa glândula tende a inchar durante toda a vida. Assim, a maioria dos homens com mais de sessenta anos pode atestai que pelo menos um design, nesta verdejante terra tie I )eus, deixa muito a desejar. A pélvis da mulher também nan loi pmjelada com tanta inteligência como poderia ter sido para lai ililai mi lagre do nascimento. Assim, a cada ano centenas de milha res de mulheres sofrem com um trabalho de parto prolon gado e difícil, resultando em uma ruptura conhc