ANTROPOS
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ANTROPOS
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RELOGIO D'AGUA
Gianni Vattimo
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A Sociedade Transparente
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Rua Sylvio Rebelo, 15 1000 Lisboa Tel. 8470775
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@ Garzanti
Editore, 1989
Título: A Sociedade Transparente
Título Original: ta Societá Transparente Autor: Gianni Vattimo Tradutor: Hossein Shooja e Isabel Santos Capa: Fernando Mateus @
Relógio D'Água, 1992
Composição: Relógio D'Água, Editores Impressão: Arco-Íris, Artes Gráficas, Lda. Depósito Legal ne 48 81s/91
Antropos
Pós-moderno: uma sociedade transparente? Fala-se hoje muito de pós-modernidade; ou melhor, fala-se tanto dela que já se tornou quase obrigatório ÍÌlÍÌnüer as distân' cias em relação a este conceito, considerá-lo uma moda pas-
sageira, declará-lo mais uma vez um conceito , colonizados pelos nome do bom direito da civilização .rsuperior> "urop"i, "_ e maii evotuf_ da, rebelaram-se e tornaram de facto prõblemática uma história unitária, cenffalizada. o ideal eurôpeu de humanidade revelou-se como um ideal entre outros, não necessariamente pior, mas que não pode, sem violência, pretender valer como verdadeira essência do homem, de qualqüer homem. A par do fim do colonialismo e áo imperialismo, um outro grande factor foi determinante para a diisorução d; id";â" história e para o fim da modernidade. Referimo-nos ao advento da sociedade de comunicação. chego assim uo r"gunâo ponto, aquele que diz respeito à <socieãade transparãnterr. Como se terá observado, a expressão , mas como uma sociedade mais co-ple*a, aié caótica; e por fim, c) que é precisamente neste relativo da informação exige uma conínua
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cado, e exige consequentemente que , de qualquer ma_ neira,.se torne objecto de comunicação. Esta multiplicação vertiginosa da comunicação, este >. <princípio de próprio lirn o desgaste do lro.je, podé finalmênte tornar-se consciente de que a perfeita como sempre sonhou tiúraaae não é a de Espinosa, não é l rrrctafísica conhecer a estrutura necessária do real e adaptitr-se a ela.- A importância do ensino filosófico de autores corÌÌo Nietzsche e Heidegger está toda aqui, no facto de que t:lcs nos oferecem os insfumentos para compreender o sentitlo de emancipação do fim da modernidade e da sua ideia de Iristória. De fãcto, Nietzsche mostrou que a imagem de uma r.r:alidade ordenada racionalmente com base num fundamento (a irnagem que a metafísica teve sempre do mundo) é apenas
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um mito > próprio de uma humanidade ainda primitiva e bárbara: a metafísica é ainda uma forma violenta de reagir a uma situação de perigo e de violência; procura, de facto, apoderar-se da realidade com um >, alcançando (ou imaginando alcangar) o princípio primeiro de que tudo depende (e assegurando-se assim ilusoriamente o domínio dos acontecimentos). Heidegger, prosseguindo nesta linha de Nietzsche, mostrou que pensar o ser como fundamento, e a realidade como sistema racional de causa e efeitos, é apenas uma forma de alargar a todo o ser o modelo da objectividade , como se diz, talvez isso não seja afinal uma grande perda. Por uma espécie de lógica interna perversa, o mundo dos objectos medidos e manipulados pela ciência-técnica (o mundo do real, segundo a metafísica) tornou-se o mundo das mercadorias, das imagens, o mundo fantasmagórico dos mass media. Teremos de contrapor a este mundo a nostalgia de uma realidade sólida, unitária, estável e (ainda em teÍnos rrosianos): negro, mulher, homossexual, protestante' etc'.O > consiste mais no efeito globat de desenraizamento
itcompanhaoprimeiroefeitodeidentificação.Sefaloomeu
rlialeóto, finalmente, num mundo de dialectos enffe ouffos, Se religiosos' estéticos' professo o meu sistema de valores plurais' terei culturas de neste mundo políticos, étnicos também uma consciência intensa da historicidade, contingêncirr- limitacão. de todos estes sistemas, a começar pelo meu' É uqoifà que Nietzsche, numa página de A Gaia Ciência n p9schama o .,coïtinuar a sonhar sabendo que se sonha>>' chaque Nietzsche sível uma coisa assim? A essência daquilo rììou o > (ou ultra-homem), o Uebermensch'
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estií tda aqui: é a tarefa que ele atribui à humanidade do futu_ ' ro, precisamente no mundo da comunicação
intensificada.
Um exemplo daquilo que significu o au dos dialectoÀ podé encontrar-se "f"ito na "_u*ipuãf, descrição da -i"-ãï"rt*rç experiência e stética que dã wihelm piitrrrv a" que é decisiva rambéú para Heidegg.., no,í"ì ."""ã"r1.'ar" pensa que o encontro com a obra de arte (como aliás o prJprio conhecimento da história) é uma forma de fazeru ulaginação, de outras formas de existênciu, "*p"ãèn'.iu, 1a a. oïtã;;"_ dos de vida diferentes daquel" qu" de facto;";;;;;"_ mos na nossa quotidianidade concreta. "cada um de nós,-aÀadurecendo, restringe os seus próprios f,".irà"t"ìã;#;;r_ pecializa-se, fecha-se dentro de uma esfera aeterminaJà oe afectos, interesses, conhecimentos. A experência estética faz-lhe viver outros mundos possíveis, e mostra-lhe assim tamE- l contingência, a relatividade, o'Àá.t", não definitivo do mundo no qual se encerra. Na sociedade da comunicação generalizada e da pruraridade das culturas, o enconfo combutãs mundos e formas de vida é talvez menos imagingg d9 que era p*u Oittt ur..out uro possibilidades de existência qu. uôtuu. "y, sobre os nossos olhos, são aquelas que se repreientam pelos múltiplos ãalectos>,.ou ainda peios universos culturà, q"" uì"ïàúìJËiu e a etnologia tornam acessíveis. viver nestè mundo -.ittifrto significa fazer experiência da liberdade como oscilação contínua entre pertença e desenraizamento. E,.u-l liberdade problemática, não só porque este efeito dos medía não é garantido, é apenas uma poisibiìiaud" u.."onrrà :er "^u cultivar (os media podem tambem ser, sempre , a voz do ; ou da banalidade estereotipada, aóllazio de signific?do...); mas també. porqu. nós mesmos não sa_ bemos ainda muito bem que urpË"to ì.- _ custa_nos a con_ esta oscilação como liberàade: a nostalgia dos horizon_ :"ry. te s fec hado s, ameaçadore s e tranquilizador r"uo ;",i; ì;;
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po, continua ainda radicada em nós, como indivíduos e como :;ocicclade. Filósofos niilistas como Nietzsche e Heidegger (rrrls também pragmatistas como Dewey ou Wittgenstein), ao ilrostrarem que o ser não coincide necessariamente com aquilo tprc é estável, fixo, permanente, mas tem antes a ver com o ir('orìtecinìento, o consenso, o diálogo, a interpretação, esforç:uìì-se por nos tornar capazes de alcançar esta experiência de rrscilação do mundo pós-moderno como chance de um novo rrrrxlo de ser (talvez: finalmente) humanos.
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(liências humanas e sociedade da comunicação A relação entre ciências humanas e sociedade da comunicaa nossa sociedade caractenzada pela intensificação da çilo Inrca- de informações e pela tendencial identificação (televisão) rrìtrc acontecimento e notícia é mais estrito e orgânico do
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r;rre geralmente se acredita. Se é de facto verdade em geral que irs ciências, na sua forma moderna de ciências experimentais e ,,1ócnicas>> (manipuladoras dos dados naturais), constituem
rrrlis o seu objecto do que exploram um já constituído e orrlcnado, isso é válido especialmente para as ciências humarrirs. Estas não são apenas uma nova forma de enfrentar um lcn(rmeno >, o homem e as suas instituições, dado rlcsrle sempre; mas tornaram-se possíveis, nos seus métodos e no seu ideal cognitivo, pela transformação da vida individual e ;rssociada, pela constituição de um modo de existir social que, lx)r sua vez, é directamente plasmado pelas formas da comurricação moderna. Não seria concebível uma sociologia como ciôrrcia, e mesmo tendencialmente como previsão de grandes r'orÌìportamentos colectivos, ou ainda somente como tipologia tlls diferenças destes comportamentos, não apenas se não srrbsistisse a possibilidade de recolher as informações necesslirias (que supõem, portanto, um certo modo de comunicaçiìo), mas, antes de mais, sem que alguma coisa como um
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comportamento colectivo se possa determinar como facto; uma possibilidade que se tornì efectiuu ap"nas ,"-ï""0o em que a comunicação social superou certos níveis. Tamúm, e sobrerudo, um saber como o aã unËopologia ;;,;;;"r_ sível sem o facto-elementar a" ã".*tro com civilizações e grupos humanos diferentes _ rn.ontro que só se verificou de forma determinante com as uiagens e descobertas modernas. ou ainda, para vortar.à sociolo!ïr,-ïÃuea" sociedade que não se identifiqoã.o_ u descrição, catalogação e comparação de regimes políticos (como era a polítícaaristo_ télica), não é conce6ív.r uït*ì", Àïr u-u vez no quadro da transformação social moderna, r"'t", .onrtituído Alu.,,,uìãiru como a <sociedadeo,leuil, a que Hegef cframàua civil, distinta do Estadó e das pã"rïriru do poder. Observar-s9-á que o up-"rr_ento e desenvolvi_ mento de uma sociedade ciul airtinta do Estado não são, imediatamente, um íienómeno.doõ;';. veja a relação directa com os fenómenos.da,comuni.uçáo..o_ os novos meios de disponibilizados a técnica.porém, é lrolmapao possível mostrar exernplo, referindo os estudos de Habermas sobre a -.por opinião pública que mesmo no devir da sociedade civil, amïito ãÍerenciaao "-o*funda-";r"i;;;iniao relativamente ao Estado., tem um papel pãúìi*, geral de uma esferã pública, qur .rìe t"ftamente rigada aos mecanismos da informação e dá co_ìni"açao social. Uma primeira abordãgem do norro-i.rnu pode ser, portan_ to, a constatação que naturalmente devena ser corroborada por mais vastos anrofundam"nro, de factos de que as.r,un-'àaur-".ìã;;t;;"uítias> "-upresentações (um termo que no nosso discurso, como na culrura u.tuí mente determinado em relação uo, ,"u, t mltes e ao seu âmbi_ to de compreensão), desde a ,;.i"];gi; a u"t oporãgì" própria.psicologia as quais ,urgJq de facto, apenas "ï'a na ;_ modernidade são condici""rã.r,' para além de uma
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rt'lação de determinação recíproca, pela constituição da socie-
rllrle moderna como sociedade da comunicação. As ciências Irrrrnanas são, ao mesmo tempo, efeito e meio de ulterior dest:rrvolvimento da sociedade da comunicação generalizada. lirrrbora não se possa pretender dar uma definição exaustiva rrt'rn das ciências humanas nem da sociedade da comunicação
rlois termos que peÌmanecem indeterminados exactamente rlt'vido à sua peculiar evidência no discurso da nossa cultura pode geralmente convir-se que chamemos ciências humarrirs a todos aqueles saberes que fazem parte (ou tendem a fa/,cr parte: por exemplo, a psicologia) do âmbito daquela que K:rrrt chamou antropologia pragmâtica - isto é, que dão uma rlcscrição >, não filosófico-ffanscendental, do horrrc:rìr, não a partir do que ele é por natureza, mas daquilo que c[: f'ez de si; portanto, das instituições, das formas simbólicrrs, cla cultura. Uma tal definição das ciências humanas deixa ct'rtamente muitos problemas em aberto, e antes de mais irrlrrele que diz respeito à antropologia de um Arnold Gehlen. Mirs aquilo que aqui nos interessanão é uma definição episterrrologicamente exaustiva das ciências humanas, mas sim a rclação destas formas de saber (quaisquer que sejam os limites ('xrìctos do seu âmbito) com a sociedade da comunicação gern'ralizada. Assim, se supuseÍïnos muito em geral que as t'iôncias humanas são aquelas que descrevem > rrrlrrilo que o homem faz de si na cultura e na sociedade, então porleremos também convir que a própria ideia de uma tal dest' r' ç ão é e ssencialmente condicionada pelo desenvolvimento, rlc Íorma visível e acessível a análises comparativas, de uma tirl positividade do fenómeno humano; o que, na forma mais cvirlente, se dá exactamente com o desenvolvimento da socierllrtle moderna nos seus aspectos comunicativos. 'fodavia, falar de sociedade da comunicação comporta tamlx'nr uma outra hipótese, que alarga e complica a primeira que l)rl)pusemos acerca da relação entre ciências humanas e sociei
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dade da comunicação; isto é, a hipórese de qu€ a intensil.icaçâo
dos tenómenos çomunjcarivos. o aumento da circulaçâo àas rnlormações aÉ à simultaneidade da reponagem releviiiva em dÌrecto íe à.aldeia global"de McLuhM)não seja apenas um âspecúo entre outros da modemizâçâo. mas seju ã" oigurn .o. d^o. o,-centÍo e.o próprio senlido deste processo. Esuiipótese retere-se obviamente às teses de Mcluhan. segundo o qual unìa sociedade é definida e caracterizada petus tã*otogìaìãe que dispõe. nào em sentido genérico. mas no sentido èspecí lÌco de lecnologias da comunicaçâo: eis porque falar de uma .gaiá xla (ìutenberg> ou de um mundo teõnoúónico nào eqü_ vale a.sublinhaÌ apenas um aspecto. €mbora essenciaj, da'so_ cledade moderna e da contemporânea, mas indica. pelo con_ lÌâno. o caúcter essencial desres dois tipos de sociedade. Quando falamos de cjviliza(ào da técnicâ, no senÌido mais amolo€ , a da opinião pública, da livre discussão, etc.' não oluscadiÌ por dogmas, preconceitos, supe$tições. O , a que afibuímos inicialmente ì-rm sentido genericarìrcÌlc desçÍitivo, toma-se um ideal nomativo, com a inÍo(hrçiio do temo (comunidade" que, além de retomaÌ Peirce, rvoc também uma ideia de maior organicidade e de imediati|irlurle própria da conìunicação, assinalando uma das direcç()cs de significado em que certaÍnente Ap€l se move, um id€41 ( k t ipo com aquela que se pode chamaÌjá e com razão r r rrrrllnr hermenêutica.
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O miÍo reencontrado dos problemas mais urgentes que se coloca à consciên(Ìrìlcmporânea, na medida em que se tome consciente da ' rr IIrl'rrIização> do mundo operada pelo sistema media-çiências ,'r riris, ó redefinir a sua posição relativamente ao mito, solÍ ( r 1lo paJa não vir a conclut (como muitos fazem) que uma , , k scobeÍa do mito pod€ repÍesentaÌ a respostâ adequada ao t,Ì,'1ìlcrììà certas formas de sabeÌl mas r.,,rìlÌ:rìr. e sobretudo, a ideia de que os pÍimeiJos"princípios ,'lrrc os quais se constrói um universo cultuml específico não rit0 r)bjecto de saber racional, demonstrativo, deixa aberta a \ r lìrìrr os considemr mais como objecto de um sabeÌ de tipo rrlrrr{)r também a racionalidade científica que constituiu dur,rrrtc nruitos séculos um valor directivo para a cultura euÌopeia r rìc tììcto, um mito, uma crença paÌtilhada em cuja base se ,rlrrlrla a organização desta cultura; e assim (como escrcve, (14) é também um mito, uma l,i,r ( xcmplo, Odo MaÌquardt , r, rrçir'guia não demonstrada nem demonstrável, a própria t,| rr ilc que a história da razão ocidental é a história do afas, 1,1r r( rìlo do mito, d^ Entmythologisierung, conráÍio do arcaísmo. o relativismo cultural não atribui , Lrrr^o L lLrcr (rnítica) superioridade ao saber mítico relativamente i,, r rcltífico ípico da modemidadej em geral, nega apeniìs que lrlrr rrrna oposição entre estes dois tipos de saber, já que amlr r, .r() lundados em pressupostos que têm o caÌácter de mito ,Ir crença nâo demonstrada, mas mais imedratamente vivir NrrD sempre estas crenças-base própÍias de qualquer uni'l ;
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verso Cullural sâo chamadas milos. como porem vimos fazer a MarquâÌrìl: mas e um faclo quf. no relâiivismo. o interes:\e pero mtÌo erta vtvo como no arcai\mo: nào poÍque se procure oescoDrtr. no mÌlo. um saber mai5 autèntico. mas pórque o eçludo dos mitos de ouras civiìizaçòes nos pode;nsinar o mÉtodo coÍrecto para conhecer tamMm a nos;a. já que Ìambém ela tem uma estrutura fundamentaknente mítióa. ômo se vô bem pelo uso do termo no texto citado d" Uarq"arJ1 uq"ì mito equivale a saber nào demonsnado. imediaumente uiviáo.
e. poÍanto. assumjdo ainda muito condicionado pela sua pura e sirnples oposição às caÌacrerísticas próprias ào saúi cientficoPor outlo lado, na terceiÌa das atitudes, da qual me parece _ depender.hoje a consideração do mito, aqueÌa á que clámaria irracíonalkmo mitigado oü teona da ruciowlídlJdr límita(b,; milo é entendido num significâdo um tanro majs específico, que al ids se Iiga.ao^senrìdo erimológico originrírio da palavra. rvrto \rgntttca. de lacto. como se sâb€. nilnaçâo. Neìla forma ele opõe-se. ou distingue se do saber cienúlico nào por umir simples inversão das características deste úÌtimo a de_ monstratividade, a objectividade, €tc. mas poÌ um seu aspecto específico positivo: a estrutura narraiiva. podemos efectivamente chamar leoria da racionalidad€ fimitaaa àlueìc conjunto de atitudes culturais que consideram o saU". mi'["à, na sua qualidade essencialmente narativa, corno uma forma de pensamento mais adequada a certos âmbitos da er,pe.iãncra. sem contestar. ou sem pôr expliciramente em queìtâo. it saber cienrfico-posirìvo para ouuos campos dir ""1id19" 9" ts.
_
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expenëncja.
.Podemos enconuar exemplos de\ta posiçâo enì pelo menos ÌÌes campos: â) na p\icânálise, na qual a vida inÌerior lende il ier constderadâ. tanto no seu funcionamento normal como nil situação terapêutica, como esbìrtula de naÌrações; ou mesmo, çomo aconiece na psicanálise de origem junguiana, referindo
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',. occessariamente
a certas , não se rèstaurarrr simplesmente os erros prccedentes: continuaÌ a sonhar saberr do que se sonha, como diz a passagem já citada de ,4 Gílr/
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Lirr|il?, não equivale decerto ao sonhar puro e sìmples. Ìsso rlrl s{ com a d€smitificação: se quis€rmos ser fiéis à nossa exlÍ riirnciiÌ histórica, teremos de teÌ em conta que, uma vez Ìe \ rl]r(lil iÌ desmitificação como um mito, a nossa Ìelação com o rÍt(, rÌão emeÌge ingénua, mas fica marcada por esta exper llrr in. Uma teoda da presença do mito na cultura de hoje de v, vtÌltâr a paÍiÌ deste ponto. A paìavra de Nietzsche em À I itÌìt Ciêncía não é apenas um palradoxo filosófico, é a ex|rcssiìo de um destino da nossa cultun: este destino pode lrrrrrlxim indicar-se com ouho termo, Ju cil/dri?açíZd. Nesta palrrvrr cxprinrem-se os dois elementos indicados pela divisa de \ t;úid Ciê cía: saber que se sonha e continuaÌ a sonhaÌ. A
r |rrlrrização do espíÌito eurcpeu da idade moderna não é rtx rìrs a descoberta e a desmitificação dos erros da religião, ru! tunìMm a sobrevivência, em formas diversas e. num cerr,, ',rrì1ido, degradadas, daqu€les <eros>. Uma cultura secuI'rrrrrrtllì não é uma cultua que tenha simplesmente atirado par,r ìrrs das costas os conleúdos Íeligiosos da tÍadição, mas que , ,,rtirì uà a vivêJos como vestígios, modeÌos ocultos e detuÌ, 1r,r,lrs, rnas profundamente pr€S€ntes. lìrro coisas cÌue em Max Weber se ligam claranìeììte: o capirlr',rìl(ì ìììoderno não nasce como abandono da Íadição cristã , rlrcvll, mas como sua aplicação da , cla história hebraico,cristâ, pensadas fora do quadÌo ',1,,11iir ,,,,r1]ico original. Não tanto em Loewitlì, mas decerto em \\ Ì lr'r. ou mesmo na oposição comunidade-sociedade de l,,llflcs, o pÍocesso através do qual a modernidade (como , rt,rtirlismo industriaÌ em \ryeb€Ì, como sociedadejá não ba, r,lir rnì Laços orgânicos em Tônnies) se sepam das suas maIr, r' ( ligiosas origìnais surge como uma amálgama insepa' ' Ll( !onquisld e perda: a modemizaçio náo aconle(e atra-
do abaldgng lé-Ì 9a qadiçào. mas arravés de uma espécje de rnlerpreÌação irónica desta. uma .dislorçâo' (Heidegger fala. num sentido não muito distante, de Verwintlun{ iú, que a coÌseNa mns lâmbém,em pane. a esvazia. penú que a i"tes etemenúos d! conceito_de seculaÌizâçâo se poçsamjunuÌ lanto as te\e^s de Norbefl Elias sobre a hisrória da civili)ação euro_ çrìa í19). corno as de Cirard sobre o sagÌado como violència e sobre,o crislianismo como proceslo de desjacrajizaçào t20,. tm ttras. o modemo pÍocesso de civilizaçâo desenvolve.se quando o poder e o exercício da foÌTa se con(enDam no sobe_ mno.,no.estado absolulo e depois constiÌucional. Em corres_ ponoencta. a psrcoìogia colectiva solìe uma transformaçâo Ía. drcal: os indìviduos jnteriorizam. em todas as classes sàciais, as -bo^as maneiÍa\-. dos conesàos que pela primeira vez ti nham leito a experiência da renúncia à força à favor do ,obe rano; as paixões já não são fortes e abertas como nas épocas passadas, a existência perde em vivacidade e .u. fuìü em seguftlJrça e formalizaçào. Tambem aqui. "o, o progrei.o ." acompanha de uma menor jntensidade da expeiiêniia, umr espécie de esvaziamenro ou de diluição. euanro a Girard, o seu drscurso diz respejro à civilizaçào humana em geral: cuj0 camtnho. setundo ele, vai do nascimento do,ugruão _ qú. exoÌciza a violência d€ todos conffa todos concentrando_a nlr vítima do sacrifício, mas deixando a sobreuiver como úuscj das instiruiçôes aré à sua desmirificação por pafle do Vellx, I e5tamenÌo e de Jesus: este úlrimo mo:Lra que o sagrado e x violência, e abre caminho a uma nova históìa h".;;; q;", embora conrra a teminologia e os propósiros de Cirard, ürìì podemos chamar sec ularizada A clrllura modema europeia e5ú a\5im ligada ao proprj,, _ ,a],t'oro não.só por uma relâçâo de superaçaro . flr.uo.o emarìülpaçao. mas tamtìem. inseparavelmente. por umarel;r çao de \on\er1',ação-distorçio-esvaziamenÌo: o progÍe\$ tctìr uma espécie de natureza nostálgica, como o cússicismo c ,,
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,',rìr:rrìricismo dos seculos passados nos ensinaram. Mas o t( ido de\ta no\t{lgia só se manifesta com a e\periència .rr'Irr 'l,r ,ft.smirificação levada aré ao fim. euardo tamHm a desmi 'llrr lr\ror. revelada como mito. o mito recupera legirìmidade, rL'\,\Ò no^quaúo de uma grral experiéncia -enfraqìrecidada \' r,rirdr. A presença do milo na nosra cullura actual não ex_ lrrrnrc um movimento de altemativa ou de oposiçao a moaei_ rrrrrção; é, pelo contrário, um resultado óonràqu"nt", u_ l. rt de-chegada. pelo menos âté âgom. O mome'nro da des_ ,rl,rlrcrção da desmitificaçáo. aliás. pode considerar_se o ver_ 'r,r'r,.llo momento de passagem do modemo ao pós_modemo. r .r:r l,jtssagem encontra_se em NieÌzsche. na ìua lorma filo."1Ì.^plftiJ" Depois deìe. depois du à...ìii"áção lll.lf a expenencra i,r'rril. da verdadejá nâo pode simplesmenrier , r'r',rna de anÌes: já nào há evidènciâ apodícúia, aquela em it,i p(nsadores dâ ipoca da memfíiica procL,raiam urn ,i'\ rt,",r,nurnrun ahsolutum et incúnsussum. Oìujeito pós.mo. rr,J. se olÌra p?.ra dentro de si à procura de ,#u aari.ru pri "' , r. ,rir. nâo enconra a segurança do aogio canesiano, mai a, rll r Illtenctas do coração pÍoustjano. os relatos dos apdia, as ,arr,/,,{/r./.r evlclencradâs pela psicanáljse. I ( \ta experiència. modemâ ou antes pós_moderna. que o rr'11r'csso> do mito na nossa çultura e na nossa linguagem l,Ì,r' urâ.apreend€q e não d€cefio um renascimenb ão irito , , rr u r satrer não inquinado pela modernização e pela racionali_ ,\,r,'. 56 nesre senrjdo. o do milo": quando e na ," ' lr,lir em que re dá. parece"regÌes\o aponlar para uma superação en. r,. rir, ruiìâlismo e ifracionaliJmo: uma superaçâo que ieabre, l,,,rrr. o problema de uma renovada coniide,ãçao fitosOnca r
, r Iislúia.
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A arte da oscilaçáo lnììo aconteceu em toda a idade moderna (21), é provável rp( tlmbém hoje os aspectos saliçntes da existência, ou até, lli[rr üsar temos heideggerianos, o <sentido do seD caractertrtrert rla nossa época. se anunciem de forÍna paíicularmente , vrrlcIte. e anrecipadora na experiència estélica. E. pois. ne,,.rsír'io olhar para el& com especial atençâo se quisermos r uìuprcender não só o que pertence à aÌte, mas mais em geÍal (
ll (lllo pertence ao ser, na existência tardomoderna. ()
l)roblema da ane numa socìedade de comunicaçào genel]llizüda foi enfrentado de forma deteÌminante, e ainda hoje rrr trrrrl, pelo ensaio de alter Benjamin sobre A Obru de Arte tiloca .t da sua Reprodutíbitídale Técníca, de 1936 (22); um r',ü ilo â qu€ é pÌeçiso ÌegrcssaÍ continuamente, porque (pelo rìrrr(,s, paÌ€ce-m€) nunca foi efeçtivamente assirnilado e , por assim dizer, pela investigação estética posterior. I rrr gcral, ele foi entendido como puÌo € simples r€conhecirrrr'rrto socioÌógico das novas condições em que actua a arte r rÍrtcrì)porân€a, utilizando-o, quer como instrumento d€ polélrlL n rontra o m€rcado da arte, quer como base teódca paÌa a rrllcxío $obre todos os fenómenos artísticos que se situam tl,rn (hs instituições tradicionais da arte (fora do teatro, como I h l,lìt'níngt loft do museu e da galeria, como várias formas
l
5l
de aÌte comportamental, land art, etc,); otr então, acabou por ser liquidado como expÌessão de uma ilusão, a de que a reprodutibilidade técnica pudess€ reprcsentar ]uma chance positiva para a rcnovação da aÍe, quando na realidade, como afirmou Adomo que viveu na América a experiência da civilização massificada, esta está bem longe de r€alizd as condições
da utopia de Benjamin, e representa, pelo contrário,
o
I rllrça (com um certo affaso Íelativamente a ouÍos âmbitos ' Ilrrrriris, como a Itália), da €stética d€ Adomo e também do l'flrslrììento de Ernst Bloch. { premissas para iniciar ',rìludo. em Benjarnin erisrem as Lrrir reflexão sobre o novo l,Fe.ren da afte na sociedade taÌdo ÍrillstriaÌ, superando precisamente a definição metafísica Ía,lr{ ()nal da aÍÊ como lugar da conciliação, da çoÍespondência ' rll.(] ìnterior € €xteÌior. da catarse. listas pÌemissas podem ser adequadamente desenvolvidas
esmagamento total de qualquer arte na manipulâção do con, senso pol parte dos mdJJ,"aedia. Estas várias leituras do ensaio de Benjamin parecem, poÉm, laÌgamente insuficientes. AquiÌo em que ó preciso voltar a reflectir é a intuição central de tal ensaio, isto é, a ideia de que as novas condições da produção e da fixição artística que surgem na sociedade dos mass mediq lnodifrcam de maneira substancial a essência, o Wesen da, aÍte (um teÌmo que aqui usaremos no sentido de Heidegger: não a naturcza eterna da aÍte, mas o modo d€ ddr-re na época acruaÌ). Relativanente a esta alteÌação de essên" cia, nem Adomo, com a sua cílica radical da reprodutibilidade, nem as interpretações sociologizantes (que vão aré à esperança de uma reconciljação estética da existência, como enì Marcuse) disseram realmento nada de novo, e adequado Às pÌemissas colocadas por Benjamin. Quando Adorno nega quc a arte possa realrnente (ou deva) perder a arlr.a que a isola d0 quotidianidade, defende ceÌtanente o poder cítico da obra ent relação à realidade existente; mas adopta também, e mantém, fl concepção da aÍe como lugaÌ de conciliação e de perfeiçâo que se exprime em toda a tradição metafísica ocidental, dcl AÌistóteles a Hegel. Que a conciliação seja utópica, e esteja no domínio da aparência, como AdoÌno sublinha retomando oportunamente Kant conJra Hegel, não significa porém unllt verdadeira alteração de essência, mas apenas a sua colocação num futuro indefinido, que lhes conseÍva o papel de ideal rc. guladoÍ. E este um ponto sobre o qual é preciso rcfleclir, também perante as recentes recuperações, sobretudo etìt
tlrrrlxrrânea, a saber, o ensaio de Heldegget sotlire A Orígem (23). É o escrito 'h t )l,ru de Arte alora contido em Holzwege i rrr rluc Heidegger elabora a sua noção central de obÍa de aÌte I |rx) , que se pÌocessâ no conflito , rl(. os dois aspectos constitutivos da obm: a exposição do rrrrrrrrlo e a produção da tena. Oú, a obra assim çoncebida , \r'rrc sobre o observador um efeito que Heidegger define llìtìt o termo slos,r choque, literalmente. No €nsaio de llì llirìnlin encontramos com base em promissas completan, rìlc diversas e, aparentemente, também com significado diuma teoria que atÌibui à aÌte mais caracteísúca da r,lxr( n da reprodutibilidade técnica o cinema um efeito ,| liri(lo precisamente em termos de s,i?oct. A tes€ que pre tlrrrlrr pr-opor é: desenvolvendo a analogia entre o Sloss de ll rrlcgger e o sàock de Benjamin é possíveÌ alcançar os asjx r'trls essenciais da nova (essência> da afie na sociedade tarrl,r irxlLlsfiaÌ, aspectos que a reflexáo estética contempoÍân€a rrrr.rrrltr r rnais aguda e radical em primeiro ÌugaÌ, €nÍe to, ,1,r, deixou €scapar. ^(lomo rolrodutibilidade técnica paÌece actuaÌ em sentido precj^ lltc oposto ao .rÀdc,t: d€ facto, na época da reprodutibilir,Ír(
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1l1lrlindo de uma analogia à pdmeira vista paÌadoxal, para a rlrrrrl, que eu saiba, não se chamou ainda a atenção. No mesrrr,r uno de 1936, em que era escrito o entaio de Beniamin, r/rsciir também outro escrito deteÌminante paÌa a estética con-
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lrcntc
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dade, quer a grand€ obra de aÌte do passado, quer os novos produtos qu€ nascem jâpata os media rcprodutíveis, como o cinema precisamentg, tendem a ffansformar-se em objectos de consumo coÌrent€, e poÌtanto cada vez menos rclevantes num fundo de çomunicaçâo intensificada: aparte este efeito de embotamento, que se pode identificaÌ como o da obÌa a favor do seu valor ; o que equivalia a dizeÌ qüe a obra não tem um (valor de uso) que se distinga do seu valor de troca; ou que, em suma, todo o seu significado estético se identífic0 com a história da sua l?ir,tang, do seu sucesso, recepção, in" terpretaçã0, na cultura € na sociedade (isto, diga-se de passa' gem, não é o mesmo que assumir uma posição de puro e sinìples niilismo hermenêutico, expresso por Valéry: <Mes ve[l' ont le sens qu' on leuÌ prête>; as interyretações singuÌares não se realizam no vazio, ligam-se com uma relação que é históÍi' co-factual mas t€m também um alcance normativo, a todas 0s
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irllrÌs interpretações,
à Wírkungsgeschichte Elobal, ou que, como as 'Ir rÌroda, não possuem a mdicaÌidade que paÌece necessária à ,ìì,rr de arte, antes se apresentando como jogos superficiais. { (ìnÌ efeito, a todos os conteúdos que divuig ãm, os'mass me_ ía ctnferem um peculiar carácte. de pÌecaridade e superficia_ lr,l:ì,h.: esle choca duramente contra os preconceitoide uma , r, ticd sempre inspiÌada. mais ou menos explicilamente, no ,l, iìl da obra de arte como , e ,l'r r.xpriência estética como expedência que envolve profun_ Llil (. lutenticaÍnente o sujeito, criador ou espectador. Èstabili_ I'ril( e peÌenidade da obÌa, p.ofundidade e âutenticidade da , \lì{ riência produtiva fnridora são certamente coisas que já r ro l)odemos espeÌar na experiência estética da modemidaáe ,r\,rrçâda, dominada pela porência (e impotência) dos media. I ìxrtrir a nostalgia peÌa et€midade (da oba) e pela autentjcida(([r experiência), é pÍ€ciso reconheceÌ clarament€ que o '1, r1,,,,( é tudo aquilo que resta da criatividade da arte na época ,1 r , (rnrunicação generalizada. E o shock é delinido por dois r l)( ( los que caÌactedziímos seguindo as indicações de Benjarrr rr c de Heidegger: antes de mais € fundamentalmente. eÌe rl,ì (t rÌÌais do que uma mobiÌidade € hipersensibilidade dos ,, rvos c da inteligência, característica do homem metropolita_ ,r,, A csta excitabiÌidade e hipersensibitidade corresponde ,r 1f rìr1c já não cenÍadan^ obra mas ía eTperíênciq, pens da ,
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porém em termos de vírÍiações mínimas e contínuas (segundo o exemplo da percepção do cineÍn). São €lementos que, emboú sem desenvolver as suas úÌtimas consequências, a estética oito-novecentrsta muitas vezes teoÌizoui aliás, Heideggel assinala-os, por €xemplo, de modo polémico, na teoria da fflc de Nietzsche. A segunda caracteística que constitui o ,tlroc,t como único resíduo da criatividade na arte da modemidade avançada ú aquelâ que Heidegger Pensa sobre a noção de Sra.t.t: isto é, o dósenraúamento e a oscilação que têm a ver com a angústia c a experiência da mortalidade. O fenómeno que Benjamin des' co-o srocÀ, não diz rcspeito apenas às condições dll "r"v" percepção, nem é apenas um facto a confiar à sociologia tilt artel mas é sim o modo em que se rcaliza a obra de aÌte conl(ì conflito entre mundo e teÍa. O sftoc,t-S/ost ó oWesen, a es sência, da aÍte nos dois sentidos que esta expressão tem nll terminoÌogia de Heidegger: ou seja, o modo em que se dá I nós, na modernidade avançada, a experiência estética; e d, também, aquilo que nos surge como essençial para a arte lí)lil corrÍ, isto è, o seu acontecer como Ìelação entre fundação ( perdô de fundamento. na forma da oscilaçáo e do desenraiTlr mentol afinal. como exercício de monalidade. Acabará assim por se propor uma apologia demasiittltt expedita da cultì.Ìra de massa, rcsgatada, pârece' de todos (ìh asóector alienantes tão eficazmente caracterizados por Adotnr' e pela socioloBia crítica? O equivoco desta sociologia. hoje ctrt dú, aparece-nos bas€ado no facto de não ter distinguido llìr (ìr condições de alienação política próprias das sociedades dc ganizáção total, dos elementos de novidade implícitos rình õondiçòes de existência tardomodernas. O resultado dcllr equívóco é que a perversidade da mâssificação e da organi''ll çio total foi condènada em nome de valores humanistas (lrlI átcance críúco esur a exclusivamente lìgddo ao 5eu anacrtnlli mo: efectivamente, eram valores inspirados, €m momelìllìrl
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,rlìroriores, naquela metafísica cujo resultado, como bem viu I l('i(leggeÍ, foi precisamente a organização total da sociedade. lllrie estamos talvez em condições de reconhecer que os eleI r( ntos d€ sup€rflcialidade e pÌecaridade da experiência estétir I tll como se Ì€aliza na sociedade tardomoderna não são ne, rss0riamente sinais e manifestações de alienação, ligadas aos ,r\lx\1os desumanizante\ da massificaçã0. ( 'ontrariamente ao que duÊnte muito tempo e çom boas
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r,,(ics, infeÌizmente acreditou a sociologia crítica, a massi ll('[ção niveladora, a manipulação do consenso, os eros do rirtltitarismo r?.io sdo o único resuÌtado possível do advenio da , , rr ru nicação generali zada, dos mass media, dâ Ìegodutibilique deve ser decidida poli|r(lc. Ao lado da possibilidad€ ttrl!)rcnte destes resultados, abre-se tamÉm uma possibiliiìr(le alternativa: o advento dos rxedia comporta tamtÉm i Ír( livamente uma acentuada mobilidade e superhcialidade da r \l)criência, que contrastâ com as tendêÍcias pam a generali/Íçrlo do domínio, ao mesmo tempo que dá lugar a um espécie ,lt ncDfranquecimento> da pÌópria noção de realidade, com o , rrrrscquente enfraquecimento também dc toda a sua çoacçâo. A "\(.jiedade do espectiiculo. de que falaÌam os situacionislas |lìo ú apenas a sociedade das aparências manipuladas pelo trxk'f; é também a sociedade em que a r€alidade se apresenta , rì1ìt caracteístiças mais brandas e fluidas, € em qu€ a exper1('rìciir pode adquirir os aspectos da oscilação, do desenraizar
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jogo. lÌrÌbiguidade que muitas teorias contemporâneas consi,|flftìì ^ caÌacteística da experiência estética não é uma ambi l,rrrrllItle provisória: isto é, através do uso mais livre e menos r|rr(nììutizado da linguagem que se dá na poesia, não se trata ,li os tornarmos como sujeitos mais donos da lingua- ca\o a ambiguidade poélica é apenaç rrrr urÌ l:eÍal. Nesle afinal. uma mais plena apíopriaçào da ','," 1,arã próduzir. parte do sujeito; portanto, trata-se também de ltrrllrrirgern por
ilr.llo,
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um desenraizamento instrumental, que visa um reeüaizamento conclusivo que fica prisioneiro se não da categoria de obra, certamentg da de sujeito, que lhe é correspondente. A experiência da ambiguidade é, pelo contrário, constitutiva da arte, como a oscilação e o desenüizamento; sâo €stas as únicas vias atrayés da quais, no mundo da comuÍÌicação generalizada, u arte pode coúgurar-se (não ainda, mas talvez finaÌÍnente) como críatividade e liberdade.
Da utopia à heterotopia A mais radical hansformaçâo que se verificou enhe os anos r(ssenta e hoje no que diz respeito à relação entre aÍe e vida ( llrotidiana paÌece-mg pod€Ì descrever-se como uma passagem topia à heterotopid. Os anos sessenta (e decertò, princi, lnì lrnente o ano sessenta e oito; rnas Íata-se de um movimento (lrl( apenas culÌnina na contestaçáo daquele ano. estando vivo \ile o imediato pós-guerÌa ) conhecem uma gÌande difusão 'k lrcrspectjvas orientadas para um relgate estético da existúrìcia. que nega. maiç ou menos explicilamen!e. a arte como Iromento , como no s€nli(lo de que falava Hegel. A utopia aprcsenta-se obviamente na \Irì lorma mais explhiu e Ìadical no marxismo; mas lem Íunlx(n) uma veÌsão (burguesD, que se pode indicar na ideologia
lü
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r&Jig/i que se impõ€ largamente, por exempto, atravésìa lx)pularidade de Dewey (37) na filosofia e na crítica europeia rl)s iìnos cinquenta. Também Dew€y, como os teóricos è os r rllicos marxistas (de Lúács aos mestÍes de FÌancoforte, até I\4Ircuse) tem ascendências hegelianas, Para Dewey, a exp€rl('rìcia do beÌo ostá ligada à percepção de umfulfilment que loìl tudo a peÌder ao ser separado da concreta vida quotidiana: llf lìí um campo da aÌte em sentido específico, ele alud€, torllr
rhrvirì, a uma sensação mais geml de harmonia que tem as suÍìs
tnÍzcs no uso dos objectos, no estabelecimento d€ equilíbrios
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satisfatódos enhe indivíduo e ambiente. Quanto às várias foÌmas de manismo, elas têm em cotuum a ideia de que a de marcação da arte e a especificidade da experiência estética são aspectos da divisão do trabalho sociaÌ que se deve €liminâr com a Ìevolução ou de algum modo com uma tansformação da sociedade no sentido da reapropriação, por parÌe de todos, da essência inteira do homem. Em Lukács esta perspe.ctiviì actua pÌincipalmente a nível de metodologia crítica (rcalismo não é puro reflexo das coisas como sâo, mas representação drt época e dos seus conflitos com uma referôncia implícita ì emancipação e à reapropriação); em Adomo (38) a promess( de bonheur çonstitutiva da aÍe dá-se sobretudo como instân cia negatrva e desmascâÌamento da desarmonia do existent€ com a coÌÌelatlva reavaliação intemoì à própr.irr cuìluÍa ocidenLal. De faclo. o fim dâ utopia do resgare èsréìre,, da exisÌéncia mediânle a unificaçào do belo com ò quotiditn,, aconteceu paÌalelamente, e pelos mesmos motivos, no fim (llt utopia revolucionária dos anos sessenta: devido à explosão (l( ì sisteina, da impossibilidade de conceber a história como curso unitáÌio. Quando a históÍia se transforma, ou t€nde a farìr formar-se, efectivamente, em história universal dado (lU( lhe tomaram a palavra os muitos excluídos, mudos, queixosol torna-se impossíveÌ pensáJa verdadeiramente como titl. como um curso unitário, ev€ntualmente destinado a ürìì emancipação. A utopia, tamÉm nos seus aspectos estéticol,, impÌicava este quadro de referência da história universal corrrrr cuÌso unitário. E dissolveu-se, também no plano estéúco, crnìr a ef€ctiva reâlização de uma certa (universalidade) na fotlIlt da tomada de paÌavra de diferentes modeÌos de valor e do r'(. conhecimento. O que aconteceu! quanto à experiência estétiür
r rìo seu modo de rcferir-se à vida quotidiana, não é apenas o "rcgresso> da aÌte às suas sedes canóÍÌicas modernas; mas ti Dbém, e sobÌetudo, o esboço d€ uma exp€Íiência estética de ìiìssa como tomada de palavra por paÍ€ de muitos sistemas (k Íeconhecimento comunitáÌio, de múltiplas comunidades ,lrc s€ manifestam, expímem, reconhecem em modeÌos for
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rrriris e ern mitos diferentes. Deste modo a essência <modema> (lir cxperiência estética, que Kant descrcvera jáía Crítica da llírzíio. des€nvolveu se em todo o seu alcânce n1as foi tamMm rrrlefinida: o belo é experiência de comunidade; mas a comu1ri(lade, pr€cisament€ quando s€ rcaliza como facto Íelativamente às obras de aÌ.te. Mas r, llr lodas as t€orias se movem neste sentido de exoÍcismo e 'I' lIJr.r reËreìsi!a: a paflirde Dillhel, cujas rfses se reencon ìrr crn Ricoeur € antes ainda em Heidegger, a capacidade , Llf r obra de üÌe tem de é sempre pensada no rrrrr
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plural - .porranto, nào em sen do utópico mas em senrjdrì hererorópico: é exaclamenÌe no ensaio sobre e 19J6. que Heideseer nao ruru.;e ao i-,""j,ì, a"r , Tempo. mas de um mundó re ponant,,, ::T,9-_.-T Í muiÌos rmplrcrtamente. de mundos). E Dilúev (4ót ir., "a senlrdo profundo da experiència estética {e a, í,;".;. "J.,. nencraìisloriog.áfjcal na sua capacidade de "i"i,r, possibitidades de exisrência, ::i":lT:l11" l."ciltoia..ourÌas os timires daquela possibilidade espee i i'l ï1i.i" I i-ra que. l^.rj:1.T" na quottdjanidade. Íealizamos. Bastará, como Hcj uetgeÌ.
òrilìì'ii,
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f"i..ir,
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honzonte ainda fundamentaìmente cientisra f,Ìt pam ver o senLido da exp..ien"iu ..rlt i"ii de ír" mundo ormun.loÍ. que não sào -apenusu :'1-dïlura mas rmagrnanos. consritujndo o próprio ser. sendo acònteci mentos de sêr d_o
que-se move
Dilúey.
teórica. feira apenas em [aços targos. da ranr ,^"ï:^]:',,"* rurrna(ao oa expenència estétjcâ dos rilÌimos
viúe anos podc provisoriamenre. com a expricjlação (tc l3li,,lr^f^. ouas ÌmptrcaçoesJá conridas em tudo que o foi dito acìma: rr compona como seu aspecr(ì llì""s:ï-11 i Treroropia llrirrs sa enÌe a Ibertação do omamento e. como 5eu signìíjc! do onrológico, o despojamento do ser_ A lìbeíaçâo do omamento. melhor ainda: a descob€na (fi, carácler de ornâmentodo eçterico. da essèncio o.nurnanLui,l,, ocro. e o, pro-pno senlido da heEroropia da experiéncia esÌéti ca. u oelo nao é o ÌugaÌ de manifesÌaçào de uma verdade oLro expreìsão sensívet. provirória. antecipadoin, ::]1^:L.."""u coucalrva-. como muitas vezes pretendeu a esérica nreìafísiriir oÌnamenro no senrido em que o sqr leteza.é srgntlcado exrslenciaÌ. o interesse a que responde. é a dilatrt vida Ou nÌrm processo de chamadas a ourrol !1!-9o Irndo d., vida. que nâo sâ0. porém. apenas inì ErnaÌios ou margrnajs ou complemenlares ao mundã real; nltn compoem. conslituem. no seu jogo reciproco e como seu tc
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!(luo, o chaÍrado mundo real. A essência ornamental da cultìlrt da sociedade de massa, o carácter efémerc dos s€us pro_
,hIos. o eclecÌismo que a domina. a impossibilidade de reco_ rllc(er_neles uma qualquer essencialidade que laz muitas vczcs fâlaÌ de k'ilj.l para esta cultura correìponde plena_ ncnte ao l4le,re, do estético na modemidade avançada. euer rlizcr, não é com base num regresso a avaliaçõei uestrìturìis'), centradas no objecto belo, que se podj assumir uma irlitude seleçtiva relativamente a esta cultura. ríifcr, a existiÌ, rì r) é aquilo que não responde a critérios formais rigorosos ,f (lÍ na inautenticidade da faÌta de um estilo fote.kltsch é é, lr( lo contrário, apenas aquiÌo que, na época do ornamento |ll ral, pretende ainda valer como monumento mais perene rlrrc o bronze, reivindica ainda a estabilidade, o.rcârácter rlclinitivo), a perfeiçâo da forma da aÌte. Não é lrrgerado dizer que nem a estética teórica, nem a cítica pare_ r. rìì hoje pr€paradas piÌÌa se oÌienta{em selectivamenie no rrrrrodo do estérico tard oínodemo jLva proptìa principìa.isto ' . lou da conrinuada relerência, irremediavelminte iàeológi_ |u, à estrutura do objecto. poder-se-á discutir se e até q-ue t!)rìto esra insuficiência da estética e da cítica se dá realmente. Í\4ns se, como me paìÌece, eÌa é um facto, depende provavel tttt nte também do reconheçimento falhado da segunda de Heidegger para o nosso pensamento: r) clil pÍrece capaz de nos abrir autentiçamente à experiência ,lrr rnodemidade avançada sem uma permanente, subertendi_ iÌr, referência a cânones e princípios metafísicos. Isso é visí_ \1 1, no caso da estética, precisamente na substancial incapaci, Ìrrlc que esta revela em consideüÌ como cll ance final, è não rlr'nas como perversâo de valores e essências autônticas, a , rlrliência estética da cultura de massas. O esforço realizado
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por Benjamin com o e nsaio sobre A Obra de Arte na Época tl,t e$ dji'1ido n""" ,"nriãà. .,ìì pÌovav€lmenre demasiado ligado a uma concepçâo di ::tava lecrca dâ reaìidade para ter êxiro. Heidegger. pelo co'ntrári,,, ao critic.ar a identìficação metafísica do ser õomã objecto, con a eÍâbilidade esruÌuÍal do -dádo-. desligjrima tle riodo ra,ti cal a nostalgia pela forma clássica. pela ivaliação baseada rì,r esuulum. Só se o ser nào tiver de ser pensado como funrllt mento,e estabiÌidade de esfutums etemâs, mas pelo confário, se_se deÌ como acontecimento, com toaas as iÁplicafoes clir,: rsso comporta antes de mais um enfianquecimento de baic, - como diz ramLém HeidÉgger, o nà,ji, devido ao qual, mas at.unte(e . . só nesEs condiçòes a "",eçtélien experiència . como helerolopia. mulüpl jcaçào do omamenlo, .fundamenl(," do mundo quer no sentido da sua colocaçáo num fundo, qrrr.r no senlido de.uma sua geral desrurorizaçao. aaquire um lix nrlÌcado e pode vir a ser o lema de uma reflexào ledrica riìrir cal. Sem esra referència otìloldgjca, procura_r ler como uDt,r vocaçao e um -desltno" as tJan:,formaçóes da experiència cs Lelrca dns últimas duâ: décadas {como as das epocas antelrr, Íe5. alrás) parece apenas um coquetistno hisroriiista, uma ec dència à moda. a lraqueza de quenr quer a rodo o custo atÌ(llìt a par dos Ìempos que. conto se sabe. \ó andam e revelam ur drecçao quando lìdos, interpretados. A aposta com a hetcr,, topra. chamemos-lhe assjm, pode nâo seÍ apenas lrivolirlarl. \e lrgar a eÀperiència c\térica uansformadi da sociedadc rll, massa do apelo de Heidegger a uma erperiéncia (át nâo nrr. lâlrsrca do seÍ. Sci se de algum modo. seguin<jo ii ideggcr. esperiìÌmos que o ser.\eia exactâmente aquilo que não e. r1rr,, oe:.lp:úece. que se afirma na rua diferença como nào prescrr ça, errabilidade. esuuturar só as,im podèremos _ taivez enuontrdr uma vja por entÍe a e\plosáo de caÌácler omamclìlltl e heFroÌópico do esÌético de hoje. sua ReproduÍibílidade Técnica
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NOTAS Ciências hümanas € sociedad€ de comüoicaçáo (
l) Ci l. Habermiìs, //irrória e C tica da Opìnião púbticd Ct K. O. Ap!I, Co, nidade e C.,nuicação (t973).
(2) (1)
09A\
tden,p.l'12.
Cf. sobre isto c. VaÍ|mo, L'eme eutica e il nlondo .te a cokrìÌ, a,Í,), no vol. por U. Curi, Lu camunicazione tründ, Angeti, Milâo. (.1)
tr)115.
(5) Cf. J. P. Sárle, C/Írj.a ddRarão DiaÌéc tica (1960). (6) Na sua introdução âo vol. X,2. de ondo contemporc eo. r'(li) p()r N. Tranfaglia. La Nüova tlâlia, Florença, 1983.
Il
diÍì
17) CÍ., poÍ exemplo. E. Cass:trcÍ. Sobrc a Lógìca da Ciênda da C Lttirlr,/ ( 1942), trâd. it. de M. Maggi. La Nuova lelia. Florcnça, 1975. (f) Cl. K. R. Popper, Miréria do HistoÍicismo (1944-45). Ìrad. it. dc Mon(aleone, Feltrinelli, Milão, 1975. (()) É o dtulo dc um dos capítulos de It crcpuscolt) degti ido potc
I
:
,, r rc na trad. it. de F. Mâsini, iD Opílc. ed. Colli MonriììaÌi, vot. Vt. 3,
Nl,lìo.
1970
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O Ìnito reencontrado (10) C. Lévi-Strauss, Ártopologia Esír turut,plon, paris, 1958. p, 231. ( l1) Cf.. por exemplo, de [;vi-StÌauss, o capíÍulo lirtal de O Homent Nu (MitolóBica,lV. l97l) e a